Sábado, 4 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

A Multidão é eletrizante


A Multidão é eletrizante - Gente de Opinião

As elites políticas brasileiras estão com enorme dificuldade para avaliar e entender em profundidade o que abala a República em 2013. Dentro e fora dos partidos oficiais, em Brasília no Palácio do Planalto e também na oposição (seja a moderada, seja a raivosa, de sempre), a Multidão – como fenômeno global – ameaça todas as estruturas, todas as regras políticas envelhecidas pela institucionalização e pelo tempo. É óbvio que a maioria que participa dos protestos não sabe do que trato neste artigo. Mas, é certo que esquerda e direita estão bem perdidas. A Multidão, como todos já sabemos – pelo que temos visto – não tem cor, nem partido, nem filiação. Pode ser que lá encontremos comunistas e anarquistas, mas também veremos fascistas e até bandidos comuns que se aproveitam da aparente confusão. A Multidão é eletrizante, duvido é que seja revolucionária. Mas é um tipo de complexo social, político, cultural que ultrapassa as limitações dos partidos políticos, das associações, dos movimentos sociais tradicionais e sindicatos ou centrais sindicais. Isto também é meio chocante para muitos que não acompanham a dinâmica social internacional, uma vez que a realidade da Multidão já se manifestava nos anos 90 no México, em Chiapas, e depois em Seatle nos EUA. Com razões e motivações semelhantes, ainda que articuladas de modo diverso. A Multidão é socializante, e ainda que não seja de todo socialista.

É um movimento global formado de outros grupos e movimentos, é politizado, mas não partidarizado – no Brasil, ganhou ares de ser contrário a qualquer manifestação política: “O PSTU e a Juventude do PT, além da Conlutas - Central Sindical e Popular (CSP), foram rechaçados pela multidão que começou a caminhar pelas ruas centrais do Recife ... Alguns manifestantes do PSTU gritaram ‘Censura é ditadura"[1].

            No Brasil lembra outros episódios da formação de nossa República – desde a Proclamação da República e a chacota popular denominada de “bestializados” pelas elites políticas e depois na Revolta da Vacina. Nos dois casos, em comum, há a enorme desconfiança com as instituições públicas. O povo ironizava radicalmente, sem nenhuma cerimônia, os desfiles oficiais com suas pompas e galões. O povo, hoje na forma de bilontras, muito mais esperto e escolado de mentiras e enganos criminosos, associa partidos e sindicatos e demais formas instrumentalizadas pelo Poder Político com os problemas estruturais do país. De certo modo, a Multidão se volta contra o formalismo e a normatização da política. Desse modo, pode-se entender o desabafo do sindicalista: "Não vamos aceitar o fascismo. Sem partido é fascismo. Quem agrediu nosso pessoal é uma milícia travestida de ato político", disse Jadir Batista de Araújo, coordenador do setor naval da CUT. A rua é de todos" .

            O perigo, certamente, está em perder-se a miríade e a proposta de se ter uma política de melhor qualidade. O limite entre sem-partido-hoje e sem-partido-sempre não é muito claro. Daí o perigo real do fascismo. E, talvez ainda mais grave seja não entender que esta enorme manifestação por todo o país é altamente politizada, ainda que a maioria dos manifestantes não se veja fazendo política, ou seja, sem saber o real significado da política a “maioria” pode achar possível abolir esta mesma política. Por confundir a política do “animal político” com a política do Congresso Nacional, o bebê está indo embora com a água suja do banho. É lógico que não há como abolir a política – nem o sonho fascista suporia isso. E também é óbvio que, atualmente, não há como prescindirmos da política institucional representativa. Qual país no mundo poderia sobreviver sem o Poder Legislativo ou em funcionamento integral com base na democracia direta das ruas? Pressupor que seria viável, ainda que se alimente um sonho comunista ou anarquista, hodiernamente, isto sim é preocupante. A Multidão brasileira não parece chegar a tanto. Não se luta, pelo menos não ainda, contra o status quo, não se quer a reversão, inversão, flexão, revolução do estado de coisas, a não ser pelo grito de basta à corrupção.Em todo caso, é bom ficar atento, vigilante, contra todos os que propuserem o fim da política. O Brasil não suporta mais fascismos.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor em Educação e Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

http://www.gentedeopiniao.com.br/colunista.php?news=104 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSábado, 4 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Sábado, 4 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)