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Vinício Carrilho

A POLÍTICA (do) SURREAL


A POLÍTICA (do) SURREAL - Gente de Opinião

A Constituição Federal de 1988 tem o escopo de uma Carta Política, isto é, tem por pressupostos a Justiça Social e o Direito Democrático, o próprio sentido de que o espaço público (Política/Polis) age em prol da humanização e da emancipação político-jurídica. O princípio ativo da CF/88 (teleologia), portanto, alinha-se ao sentido da emancipação na base da condição humana. E é isto que confere à CF/88 o substrato de uma real Carta Política.

Por suposto, o Objeto da CF/88, a partir de seu princípio ativo, não admite, em nenhum de seus princípios ou artigos, qualquer juízo de exceção que não tenha o efeito da “discriminação positiva”. A natureza político-jurídica deste discrímen humanitário coliga-se de cotas, políticas afirmativas, inclusão social.

Desse modo, qualquer (pre)juízo jurídico diferente se assemelha ou é cópia implantada de um Estado de Exceção Permanente. Toda forma de ´excepcio’, portanto, é a sombra negativadora do Princípio Democrático da CF/88 e assim se porta como seu Objeto Negativo, ou seja, como a própria negação humanizadora da Constituição Federal de 1988.

Sob esta leitura de apresentação do “sentido e da vontade constitucional”, provindos dos constituintes de 1985, qualquer ação reformista da CF/88 não pode lhe transfigurar os princípios humanitários e emancipatórios. Condição jurídica que, igualmente, é imperiosa a qualquer mutação do sistema político ou da forma de governo.

Ainda como preâmbulo, é o mesmo que dizer que a Constituição só pode ser emendada de acordo com o que se tem expressamente descrito na CF/88. Qualquer variante que traga aflição aos princípios constitucionais dispostos é mera Transmutação Constitucional, deturpação, tergiversação ou negação da CF/88.

As denominadas “reformas políticas”, especialmente de afogadilho, seriam ainda mais aviltantes à condição imposta pela Carta Política de 1988. E aqui temos um caso emblemático, frente à mais grave crise da “Nova República” se endereça um dualismo “neopragmático”: diz-se, sem constrangimento, impeachment ou semipresidencialismo?

De modo prático isso quer dizer que, diante da mais grave crise nacional, após a chamada redemocratização, as elites já falam abertamente em semipresidencialismo: um mix de presidencialismo e parlamentarismo. Porém, se esta proposta ganhar corpo, penso que temos de fincar trincheira no "não queremos de jeito nenhum". Por várias razões:

1º) Porque será um monstrengo político saído da cabeça de algum gênio descolado da realidade, algum o golpista-mor criado em 2016. Ou seja, um motivo que sobra.

2º) Por razões logísticas na política, o grupo dominante precisa se contaminar como um todo, pagando suas dívidas com o povo. Não basta tirar um e colocar sua meia dúzia no lugar. “Quem pariu Matheus, que o embale”, e que a tarefa não sobre para a ama de leite e nem para o pai-pobre desempregado.

3º) O monstrengo político, por exemplo, seria tão estapafúrdio que teria um vice. Oras: se o Chefe do Governo provém do Legislativo, para que dois pinguins de geladeira? Se o presidente (Chefe de Estado), no semipresidencialismo, já é uma decoração brega, para que um sobressalente?

4º) Seria o golpe dos golpes, porque em 1993, em seguimento às disposições transitórias da Constituição Federal de 1988, esta alternativa foi rechaçada em plebiscito popular.

5º) A alternativa do semipresidencialismo inexiste na CF88.

6º) O presidente da Câmara dos Deputados exerceria o poder de verdade, junto com os “partidos nanicos” do chamado Centrão. Neste cenário, aprovariam rapidamente a reforma da previdência e outras que tais. E estaríamos efetivando as pautas do PSDB, plantadas e iniciadas a partir da década de 1990, com o início do golpe contra a Constituição Programática.

7º) Qualquer reforma política tem que passar pela negociação com a classe trabalhadora e seus representantes, para termos assegurado algum protagonismo democrático, social, popular.

8º) Para que, na tal reforma política, golpe na verdade, possamos recuperar algumas garantias e assegurar os direitos ainda existentes.

9º) Para que a extrema-direita (fascismo) se desidrate nessa manobra e o princípio civilizatório volte a ser, ao menos, vislumbrado. Hoje, assistimos a Humanidade transitar pelo retrovisor da nossa “condução humana”.

10º) Para que não seja um "golpe por dentro", e que se saia da negociação com um projeto para o país. E que este projeto inclua todas as minorias econômicas e sociais.

11º) Para que a reforma política retome, minimamente, a divisão dos poderes, combatendo-se a corrupção sem criminalizar a Política (Polis: espaço público), mas sim que se ande sob os marcos do Estado de Direito e da democracia social.

12º) A fim de que enterremos bem fundo tudo que se construiu sob a forma do Estado de exceção. E que, sob a proteção da Carta Política, possa vicejar novamente o “discrímen” (inclusivo) e não a “excepcio” (excludente).

13º) Por fim, para que os pobres, os trabalhadores, as mulheres, os negros, os jovens e as crianças, os povos do campo e das florestas, os homossexuais, o país e o direito democrático, sejam vitoriosos.

14º) E para que sejam defenestrados todos aqueles que criaram o problema que faz inveja a uma “tempestade perfeita” e a um Shakespeare em seu Hamlet, tão surreais nos tornamos aos olhos do mundo civilizado. (Hoje, é tão grave nosso surrealismo político que até o Hamas nos manda mensagem, acusando-nos de extremismo...).

Lembremos, ainda, que essas razões são apenas ilustrativas, não exaustivas.

 

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)

Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH

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