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Vinício Carrilho

A política se (des)faz em casa, mas a consciência não


A política se (des)faz em casa, mas a consciência não - Gente de Opinião


Como tudo, na vida social, a inteligência e a consciência começam conjugando, articulando “com”. O mais célebre articulado humano é a confiança, porque está em todos os pactos e contratos, individuais, interpares, ou coletivos.

COM FIANÇA. Fiel Depositário, aquele que guarda a posse da confiança.É tão sério que é crime: infiel depositário. Apropriação indébita. CONFIANÇA é foda, é a base da legitimidade, da amizade, de amorozidade. Sua quebra, obviamente, é o estopim da animosidade. Quando se refere à soberania, trata-se da guerra. Quando se refere à soberania popular tratamos do descrédito, da desesperança. Quando é pessoal chamam de desilusão (a perda da ilusão, da crença ou admiração). Quando é emocional podemos entender como decepção. A diferença é que, individualmentee, ocorre como indignação e, coletivamente, como sublevação. Alguém já deve ter escrito isso: sem confiança, vigora o “homem, lobo do homem”. Enfim, ambos são maus comportamentos que resultam em algo de mau cheiro, quer dizer, pura M... O que Shakespeare traçou para a Dinamarca, em Hamlet, está saindo pelas nossas bocas.

Nos relacionamentos, especialmente amorosos, no início, ninguém dimensiona adequandamente os erros e os acertos. Certamente, preferimos acertar, a errar. Com o tempo, os defeitos, que sempre existiram – mas, não eram “vistos” ou jogados embaixo do tapete – começam a falar por si. No fim, e muitos de nós já passou por isso, só vemos o que é defeituoso, torto, desequilibrado naquele(a) que antes só tinha beldades e acertos. E aí acaba – e um modo de se livrar dos defeitos do(a) outro(a) é contabilizar tudo na conta dele(a). Ou seja, só lembramos dessa pessoa quando destacamos uma coleção de defeitos graves – o que tinha de bom ficou no passado. É uma ótima forma de esquecer, jamais se solidarizar com os defeitos do(a) outro(a). Obviamente, para que o feitiço dê certo, camuflamos nossas maiores mazelas.

Outra questão interessante nessa análise é que na Política (Polis) não funciona assim, uma vez que se pode ver claramente um traste no comando político reunir as piores pestilências do capeta e, mesmo assim, continuar no apoio firme e forte. Enfim, vale dizer que a consciência é coletiva; pois, a análise que fazemos em casa, idividualmente, não comporta os mesmos códigos que aplicamos na rua, na amplitude das relações humanas coletivas. De certo modo, parafraseando Paulo Freire, acredito que posso chamar de “consciência intransitiva”, a primeira, doméstica, do âmbito privado, e de “consciência transitiva”, a segunda, a do espaço público, da Polis, que é por onde transitamos “em meio aos outros”, “fazendo-se na/pela política”, socializando-nos, nos erros e acertos de todo “animal político” que se torna ser social (seguindo-se a tradição de Hobbes). Também emprestaria o título de “consciência de classe”, quandos nos benzemos na ação política propositiva, não só reativa, e defenestramos o capeta-mor.

O maior problema, nesse caso, me parece estar na impossibilidade de se “ensinar a Liberdade” a quem não se vê como escravo da ausência da própria vontade. O que La Boetie chamou, apropriadamente, de “servidão voluntária” e que, no senso comum, resume-se numa frase disonante de inteligência: “vamos deixar como está, pra ver como fica”. Por isso, e por outras, a política se (des)faz em casa também, mas a consciência vem das ruas.


Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)

Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH

Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS

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