Quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015 - 18h28
Outro dia, bestamente, passei em frente à TV – não que não goste de ver TV – e vi um médico dizer para não ensaboar os braços e o rosto todos os dias.
Nessa hora até comentei uma besteira qualquer.
Mas, depois, sozinho, pensei em outras grandezas.
Bom, o discurso higiênico era básico: o sabonete envelhece a pena.
Ótimo, pensei eu, vou economizar usando sabonete apenas nas chamadas – assepticamente – “áreas de cheiro”.
Área de cheiro só não é melhor do que “morador de área livre”: o mendigo.
Já viu um morador de área livre que tenha ali escolhido seu recanto, sobretudo, para se safar do IPTU?
Aí já são duas coisa distintas: uma é a casa grátis, no meio fio; a outra é o livre-arbítrio: o cara quis morar lá.
É uma grandeza a mente do brasileiro nato, aquele filho da gema.
O que temos em comum com a medicina asséptica – e escrevo isso sem nenhum conhecimento na área – é o eurocentrismo.
Todo mundo que é branco neste país, ou se passa por europeu (meio pardo e parvo) ou gostaria de morar no Velho Continente.
Mas como, me dirá você? É fácil, basta retificar o raciocínio:
1) O Velho Continente é a África, não a Europa, pois ali nasceu o Homo sapiens sapiens: o cara que perdeu o endereço e aportou na América.
2) Esse médico – como a infinita maioria deles – é branco, caucasiano, rico e mora na região sul/sudeste do Brasil.
O mesmo médico, jogasse um futebol de areia nas praias fantásticas do Nordeste, não tomaria banho nos braços, pernas e rosto uma vez por semana.
Me lembrou Cabral em sua vinda ao Brasil. Já pensou? Dá-lhe banho!
Com o problema da dengue até parei para pensar de novo.
Afinal, tem de economizar. Não sei o que, mas tem. Tudo bem.
O doutor – como no Brasil Colônia – manda em todos nós.
Porém, logo pensei que o doutor poderia mudar de opinião, se tivesse de viver um ano na Amazônia. Melhor ainda se fosse Manaus.
Será que conseguiria ficar sem se lavar, só cuidando das áreas de cheiro?
Mas, olha só, área de cheiro não lembra nome de perfume?
Malditos trocadilhos do marketing, fazem a gente esquecer do que estava falando.
Sim! Lembrei! O doutor que economiza sabão. E aí talvez esteja a receita para salvar o Brasil.
Podemos usar o sabão que sobrar para matar as saúvas que detonavam a lavoura do Monteiro Lobato ou para poluir a água do mosquito aedes.
Será que o doutor já tinha pensado nisso?
Será que o mosquito da dengue ou o morador de área livre tem área de cheiro?
Talvez a medicina tenha coisas mais importantes para pensar, num país tão sujo.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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