Segunda-feira, 6 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

ARTIGO ENCOMENDADO


             Esta semana me encomendaram um artigo, deveria descrever apenas o que de bom ocorresse no mundo ou no Brasil (ou na cidade). Como se vê, demorei um pouco para pegar o jeitão da coisa, até porque a relação entre o Bem e o Mal obedece sempre ao gosto do freguês.

            Em todo caso, penso que poder escrever, sem ser censurado, com liberdade para expressar meus pensamentos e sentimentos, é o que de melhor posso encontrar.

            Sem esta liberdade, certamente estaria morto. Estaria morto como professor, mas muito mais grave que isso, estaria morto como pessoa. A sabedoria popular diz que “quem não chora, não mama”. Chacrinha alertava que “quem não se comunica, se trumbica”.

            Ainda pode-se dizer que aqui posso me expressar porque tive a oportunidade de estudar, porque me foram ofertadas condições especiais, especialíssimas, para ser quem sou. Concordo com isso, é claro, mas é fato que a educação sem a liberdade é mero adestramento.

            A educação de verdade é aquela que nos permite ir de encontro ao conteúdo ofertado. Não se trata de questionar a ciência e o conhecimento, mas sim de compreender racionalmente os próprios cânones da atividade científica. Diante disso, por exemplo, pode-se investigar até mesmo outro ramo ou espécie (ou caminho para a ciência).

A dúvida metódica lançada no Renascimento de Descartes afirma que sem o pensar racional a ciência não caminha. Hoje, sabemos que sem pensar com criticidade e criatividade não há ciência. Sem massa crítica, repete-se o passado e, assim, não avança o conhecimento. É preciso superar o empiriocriticismo; hoje, na roupagem do pragmatismo, é a busca do resultado a todo custo. A ciência avança com investigação, dúvida e crítica, inclusive a crítica dirigida aos cientistas que não se prestam à verdade, mas sim aos interesses não-confessáveis.

O que há em comum entre pensamentos tão diversos como entre Cristo, Sócrates, Galileu, Giordano Bruno, Karl Marx e tantos outros, é o fato de terem se voltado contra a chamada Ciência Régia. O pensamento só avança quando se questiona duramente a ciência autorizada pelo Estado e pelo status da época, como nos diz o filósofo Giles Deleuze. Enfim, a mesma regra que vale para as ciências exatas vale para as Humanidades e é por isso que sem liberdade eu não estaria aqui, escrevendo sobre isso ou sobre qualquer outro assunto.

            Sem a liberdade mínima de “livre pensamento”, em outro exemplo, não falaria contra a servidão voluntária – esta acomodação à vida não-liberta de que falava La Boétie; estaria resignado à 1ª servidão. A servidão voluntária é imposta pela falta de ânimo, a falta de vontade de ser livre para questionar os que não são ou que querem restringir a liberdade dos demais. Para combater a desnutrição da vida pública, a tirania, não é preciso combater, bastaria não ceder: “Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma”. Este é o hino à liberdade de La Boétie (1533-1592). Como escrevi outro dia, sem liberdade não há esperança.

            Ao contrário do que pensa o senso comum, a esperança não é a última que morre, mas sim a liberdade. Quando sucumbe a liberdade não há o porquê, o que querer, o desejar. Apesar de todas as ameaças que nos abatem todos os dias, no mundo todo, celebro a liberdade de poder me expressar sem constrangimento. Ainda que sob a violação da privacidade, gravíssima, o direito à liberdade garantiu que você leitor chegasse até aqui. A ironia nefasta, contudo, é a impossibilidade de o homem comum ler o que escrevi e, talvez ainda pior, não reunir condições de entender quase nada. Por isso, a liberdade conclama à dignidade.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 6 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Segunda-feira, 6 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)