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Vinício Carrilho

BOLSONARISMO E O COVID-19

O Direito à Consciência requer reconhecimento


BOLSONARISMO E O COVID-19 - Gente de Opinião

O Direito à Consciência não admite que se alegue “ignorância diante dos atos/fatos imorais”, de acordo com a primeira coincidência jurídica. A seguir o brocardo jurídico: “que não se alegue ignorância da lei, para fins de cometimento de ato ilegal”.

Dito isto, inicio dizendo que desconheço pesquisa de opinião pública que tenha cruzado os dados entre os descrentes da necessidade do isolamento social, para conter a pandemia do COVID-19, e os eleitores que formam a massa resistente do bolsonarismo.

Mesmo assim, no entanto, arrisco-me a predizer que se trata de uma curva em ascensão e que é muito alta, no quesito da coincidência. Ou seja, há muita coincidência entre o fato de ser membro ideológico do bolsonarismo e em desabonar a gravidade da pandemia do novo corona vírus.

Este membro ideológico do bolsonarismo é muito ativo nas ruas e nas redes sociais: por óbvio, não respeita os códigos de isolamento social e vai às ruas, em carreatas, participa de festas, faz encontros em praças púbicas ou para grandes vias, como a Avenida Paulista, na capital de São Paulo.  Exatamente por isso, o bolsonarismo também é o maior vetor de transmissão do vírus COVID-19.

As interpretações para isto são diversas, desde a pouca instrução pública de qualidade até a ligação deste analfabetismo disfuncional com o atavismo, a herança cultural escravista e jamais desfeita de seus preconceitos, disfunções seculares, discriminações, hipocrisias diversas.

A onda crescente de seitas evangélicas é um fator preponderante, porém, nem o analfabetismo e nem o racismo explicam por completo o fenômeno. Como ilustração, vejamos comentários bolsonaristas em reportagens sobre a crise política, na mídia oficial. Cada um quando puder, vejam que muitos têm exímia construção ortográfica.

E o fato de que artistas, políticos, empresários, trabalhadores, negros e pobres, mulheres e praticantes de inúmeras religiosidades indiferentes ao neopentecostalismo são, igualmente, membros ativos do bolsonarismo nas ruas e nas redes sociais.

Se o apoio entre as mulheres não refluiu, ou até cresceu, assim como descartamos como causas únicas do bolsonarismo, o racismo e o neopentecostalismo, agora também descartamos o machismo como causa principal.

Juntemos a isto o fato/fenômeno de que há homossexuais migrantes ou imigrantes nos flancos do bolsonarismo; então, a homofobia e a xenofobia seguem descartadas das causas principais.

Pode-se dizer que há uma somatória; todavia, veremos que são causa e efeito em coincidência e que se retroalimentam. Por sua vez, o que as une, enquanto causas principais ou efeitos agudizados em ação negativa da realidade, parece mais associado a micro espasmos da vida civil, da cultura, das falências individuais e públicas, e que, assim, ao se juntarem tem efeito devastador. Não que, isoladamente, cada efeito/causa já fosse perturbador, o fato é que, quando se interligam, produzem uma necrofilia política.

Pode-se dizer, diante da recusa ao isolamento, que o bolsonarismo refuta tudo que não seja ou advenha do próprio bolsonarismo. Inclusive o vírus do COVID-19 já foi associado a ações comunistas de quem não aceitou a derrota eleitoral de 2018.

Pois bem, o fato de a pandemia ser negada e a negação do isolamento ser aplaudida nas ruas (ou rechaçada com “panelas nas janelas”), e alguém vestir uma camiseta clamando pela contaminação (“COVID-19 VEM EM MIM”), são ilustrativos de outros aspectos ou marcos da formação social brasileira.

Criou-se, e faz tempo, nas elites e dentre os trabalhadores – que não são mera correia de transmissão, haja visto que a maioria dos seus empregadores não minimizam a pandemia –, entre homens e mulheres, brancos e negros, alfabetizados ou não, um muro ideológico contra a racionalidade e a ciência. Muitas causas também corroboraram para isso: a principal delas é que a racionalidade capitalista trouxe benefícios para poucos.

Agora, entre o crescimento da desconfiança na racionalidade capitalista – produtiva, de fato, para poucos – e a incorporação explosiva de membros ativos do bolsonarismo há outros quinhentos passos.

O bolsonarismo não advém de nenhum tipo de criacionismo, geração espontânea ou terraplanismo político – ainda que os aprecie sobejamente –, em que os iguais, igualmente, se aceitam e não se repelem. Não há adesismo político, como se viu na maioria das eleições passadas – tipo “vou votar em quem vai vencer” – e nem a mídia (com enorme culpa) pode ser responsabilizada totalmente.

E, novamente, surge aqui a coincidência apontada no início: coincidência como plena adequação de elementos entre fatos/fatores homogêneos, mas não necessariamente iguais. Ou seja, houve uma grande coincidência entre todos esses pontos, muito antes de 2013 (mini revolução colorida) ou 2016 (impedimento), e esta reunião de similitudes apontou para um caminho reconhecido mundo afora no século XXI: a descrença na racionalidade capitalista confluiu para o “eterno fascismo”, como disse Umberto Eco.

Neste caso, do “fascismo eterno”, racismo, machismo, homofobia, elitismo, xenofobia são causas e efeitos concomitantes, como se ratificássemos pensamentos de um estágio inconsciente do pré-Renascimento, numa apologia ao moto-contínuo, uma esteira circular que se alimenta com a própria energia produzida. Ou, como se diz em acordo com a Teoria Política do referido Renascimento, tanto o bolsonarismo quanto o “fascismo eterno” comportam-se (coincidentemente) do mesmo modo, assim como seu comportamento reatroalimenta a mesma natureza, ou naturezas semelhantes, assemelhadas, às suas crenças e ações. Chama-se a isto de ciclo vicioso.

No Brasil, por efeito da péssima educação pública (no sentido de republicana), juntam-se a braços largos o analfabetismo político e o analfabetismo disfuncional – aquele alfabetizado que é incapaz de agregar valor produtivo e cultural. O que, evidentemente, não se resume aos improdutivos, inimpregáveis ou ao lumpemproletariado de forma geral, posto que a imensa maioria das elites nacionais são retrógradas e mesquinhas em termos de valores humanos e culturais.

Por sua vez, aqui há nova coincidência: sincronia de semelhantes, e não iguais, ou, para ser preciso, ocorre aqui uma perversa coincidência entre desiguais. Como exemplo, também perverso, da igualdade jurídica entre desiguais, uma vez que o fosso entre os desiguais só avança em profundidade, extensão e largura.

O Brasil, e isto efetivamente não é novidade de 2018/2020, vive numa onda de fascismo eterno. A diferença, de uma passado que glorificou a Ditadura de 1964, está no fato de que uma horda está surfando a onda fascista em 2020. Os surfistas da onda fascista no Brasil, descrentes com a manipulação secular de suas elites, escolheram um outsider para sua representação. Mais do que líder, é uma cópia fiel de seus representados. Há, então, uma coincidência entre a onda, a prancha e os surfistas.

Os membros ativos do bolsonarismo, em outra coincidência – por aproximação de fatores aparentemente desconexos –, são fascistas. Isto é, nas ruas e nas redes sociais, o bolsonarismo e o fascismo compartilham os mesmos membros ativos. Quando se compartilham, multiplicam-se o bolsonarismo e o fascismo, um no outro, assim como espalham o vírus nas ruas e as Fake News nas redes sociais.

Para a Saúde Pública, como se dizia no Iluminismo, os efeitos coincidentes (replicadores), entre bolsonarismo e fascismo, são devastadores nos dois sentidos: medicinal e republicano. Não é incomum que milhares de pessoas tenham medo de sair às ruas – e, sobretudo, sem não têm nenhum dos vírus[1].

            Por fim, penso que nos cabem, são necessárias e urgentes, duas lições à altura de Princípios Fundamentais, como aprendizado comum, da coisa comum que se expande como Coisa Pública, e até que virem senso comum – que nos balizem, mas que jamais se banalizem como agora.

Para a educação pública resta a dura lição histórica: não cabe, porque é impossível valer-se do Direito ao Esquecimento, e isto foi bem aprendido na Alemanha do pós-guerra. Tanto que a apologia ou “prática” nazistas são criminalizadas duramente.

No combate ao neonazismo, o revisionismo, o relativismo, o fundamentalismo, as “interpretações alternativas” – “veja bem, foi mesmo assim...??? –, são penalizadas e agravadas como alimento espúrio dos crimes contra a Humanidade.

Para a Ciência do Direito cabe bem a lição sempre rejeitada a partir dos bancos de primeiro ano dos cursos: é preciso criar, defender, robustecer o Direito à Consciência a fim de que jamais se alegue “ignorância dos fatos”, como é ilegítimo alegar a ignorância da lei.

O Direito à Consciência requer reconhecimento do Direito, notadamente dos direitos fundamentais, que esteja presente à realidade dos fatos, sempre ciente das consequências dos atos, além de cobrar consciência e racionalidade, no sentido da contaminação criativa iluminista: O Direito à Consciência obriga a agir “com ciência” e impõem o dever de reconhecer o óbvio. Esta coincidência entre Direito e deveres não é ocasional, pois, carregam os germes do Processo Civilizatório – como círculo virtuoso.

Vinício Carrilho Martinez

UFSCar – Departamento de Educação

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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