Segunda-feira, 13 de abril de 2020 - 12h33
O Direito à Consciência
não admite que se alegue “ignorância diante dos atos/fatos imorais”, de acordo
com a primeira coincidência jurídica. A seguir o brocardo jurídico: “que não se
alegue ignorância da lei, para fins de cometimento de ato ilegal”.
Dito isto, inicio dizendo
que desconheço pesquisa de opinião pública que tenha cruzado os dados entre os
descrentes da necessidade do isolamento social, para conter a pandemia do
COVID-19, e os eleitores que formam a massa resistente do bolsonarismo.
Mesmo assim, no entanto,
arrisco-me a predizer que se trata de uma curva em ascensão e que é muito alta,
no quesito da coincidência. Ou seja, há muita coincidência entre o fato de ser
membro ideológico do bolsonarismo e em desabonar a gravidade da pandemia do
novo corona vírus.
Este membro ideológico do
bolsonarismo é muito ativo nas ruas e nas redes sociais: por óbvio, não
respeita os códigos de isolamento social e vai às ruas, em carreatas, participa
de festas, faz encontros em praças púbicas ou para grandes vias, como a Avenida
Paulista, na capital de São Paulo. Exatamente
por isso, o bolsonarismo também é o maior vetor de transmissão do vírus
COVID-19.
As interpretações para
isto são diversas, desde a pouca instrução pública de qualidade até a ligação
deste analfabetismo disfuncional com o atavismo, a herança cultural escravista
e jamais desfeita de seus preconceitos, disfunções seculares, discriminações,
hipocrisias diversas.
A onda crescente de
seitas evangélicas é um fator preponderante, porém, nem o analfabetismo e nem o
racismo explicam por completo o fenômeno. Como ilustração, vejamos comentários
bolsonaristas em reportagens sobre a crise política, na mídia oficial. Cada um
quando puder, vejam que muitos têm exímia construção ortográfica.
E o fato de que artistas,
políticos, empresários, trabalhadores, negros e pobres, mulheres e praticantes
de inúmeras religiosidades indiferentes ao neopentecostalismo são, igualmente,
membros ativos do bolsonarismo nas ruas e nas redes sociais.
Se o apoio entre as
mulheres não refluiu, ou até cresceu, assim como descartamos como causas únicas
do bolsonarismo, o racismo e o neopentecostalismo, agora também descartamos o
machismo como causa principal.
Juntemos a isto o
fato/fenômeno de que há homossexuais migrantes ou imigrantes nos flancos do
bolsonarismo; então, a homofobia e a xenofobia seguem descartadas das causas
principais.
Pode-se dizer que há uma
somatória; todavia, veremos que são causa e efeito em coincidência e que se
retroalimentam. Por sua vez, o que as une, enquanto causas principais ou
efeitos agudizados em ação negativa da realidade, parece mais associado a micro
espasmos da vida civil, da cultura, das falências individuais e públicas, e
que, assim, ao se juntarem tem efeito devastador. Não que, isoladamente, cada
efeito/causa já fosse perturbador, o fato é que, quando se interligam, produzem
uma necrofilia política.
Pode-se dizer, diante da
recusa ao isolamento, que o bolsonarismo refuta tudo que não seja ou advenha do
próprio bolsonarismo. Inclusive o vírus do COVID-19 já foi associado a ações
comunistas de quem não aceitou a derrota eleitoral de 2018.
Pois bem, o fato de a
pandemia ser negada e a negação do isolamento ser aplaudida nas ruas (ou
rechaçada com “panelas nas janelas”), e alguém vestir uma camiseta clamando
pela contaminação (“COVID-19 VEM EM MIM”), são ilustrativos de outros aspectos
ou marcos da formação social brasileira.
Criou-se, e faz tempo,
nas elites e dentre os trabalhadores – que não são mera correia de transmissão,
haja visto que a maioria dos seus empregadores não minimizam a pandemia –,
entre homens e mulheres, brancos e negros, alfabetizados ou não, um muro
ideológico contra a racionalidade e a ciência. Muitas causas também
corroboraram para isso: a principal delas é que a racionalidade capitalista
trouxe benefícios para poucos.
Agora, entre o
crescimento da desconfiança na racionalidade capitalista – produtiva, de fato,
para poucos – e a incorporação explosiva de membros ativos do bolsonarismo há
outros quinhentos passos.
O bolsonarismo não advém
de nenhum tipo de criacionismo, geração espontânea ou terraplanismo político –
ainda que os aprecie sobejamente –, em que os iguais, igualmente, se aceitam e
não se repelem. Não há adesismo político, como se viu na maioria das eleições
passadas – tipo “vou votar em quem vai vencer” – e nem a mídia (com enorme
culpa) pode ser responsabilizada totalmente.
E, novamente, surge aqui
a coincidência apontada no início: coincidência como plena adequação de
elementos entre fatos/fatores homogêneos, mas não necessariamente iguais. Ou
seja, houve uma grande coincidência entre todos esses pontos, muito antes de
2013 (mini revolução colorida) ou 2016 (impedimento), e esta reunião de
similitudes apontou para um caminho reconhecido mundo afora no século XXI: a
descrença na racionalidade capitalista confluiu para o “eterno fascismo”, como
disse Umberto Eco.
Neste caso, do “fascismo
eterno”, racismo, machismo, homofobia, elitismo, xenofobia são causas e efeitos
concomitantes, como se ratificássemos pensamentos de um estágio inconsciente do
pré-Renascimento, numa apologia ao moto-contínuo, uma esteira circular que se
alimenta com a própria energia produzida. Ou, como se diz em acordo com a
Teoria Política do referido Renascimento, tanto o bolsonarismo quanto o
“fascismo eterno” comportam-se (coincidentemente) do mesmo modo, assim como seu
comportamento reatroalimenta a mesma natureza, ou naturezas semelhantes,
assemelhadas, às suas crenças e ações. Chama-se a isto de ciclo vicioso.
No Brasil, por efeito da
péssima educação pública (no sentido de republicana), juntam-se a braços largos
o analfabetismo político e o analfabetismo disfuncional – aquele alfabetizado
que é incapaz de agregar valor produtivo e cultural. O que, evidentemente, não
se resume aos improdutivos, inimpregáveis ou ao lumpemproletariado de forma
geral, posto que a imensa maioria das elites nacionais são retrógradas e
mesquinhas em termos de valores humanos e culturais.
Por sua vez, aqui há nova
coincidência: sincronia de semelhantes, e não iguais, ou, para ser preciso,
ocorre aqui uma perversa coincidência entre desiguais. Como exemplo, também
perverso, da igualdade jurídica entre desiguais, uma vez que o fosso entre os
desiguais só avança em profundidade, extensão e largura.
O Brasil, e isto efetivamente
não é novidade de 2018/2020, vive numa onda de fascismo eterno. A diferença, de
uma passado que glorificou a Ditadura de 1964, está no fato de que uma horda
está surfando a onda fascista em 2020. Os surfistas da onda fascista no Brasil,
descrentes com a manipulação secular de suas elites, escolheram um outsider
para sua representação. Mais do que líder, é uma cópia fiel de seus
representados. Há, então, uma coincidência entre a onda, a prancha e os
surfistas.
Os membros ativos do
bolsonarismo, em outra coincidência – por aproximação de fatores aparentemente
desconexos –, são fascistas. Isto é, nas ruas e nas redes sociais, o
bolsonarismo e o fascismo compartilham os mesmos membros ativos. Quando se
compartilham, multiplicam-se o bolsonarismo e o fascismo, um no outro, assim
como espalham o vírus nas ruas e as Fake News nas redes sociais.
Para a Saúde Pública,
como se dizia no Iluminismo, os efeitos coincidentes (replicadores), entre
bolsonarismo e fascismo, são devastadores nos dois sentidos: medicinal e
republicano. Não é incomum que milhares de pessoas tenham medo de sair às ruas
– e, sobretudo, sem não têm nenhum dos vírus[1].
Por
fim, penso que nos cabem, são necessárias e urgentes, duas lições à altura de
Princípios Fundamentais, como aprendizado comum, da coisa comum que se expande
como Coisa Pública, e até que virem senso comum – que nos balizem, mas que
jamais se banalizem como agora.
Para a educação pública
resta a dura lição histórica: não cabe, porque é impossível valer-se do Direito
ao Esquecimento, e isto foi bem aprendido na Alemanha do pós-guerra. Tanto que
a apologia ou “prática” nazistas são criminalizadas duramente.
No combate ao neonazismo,
o revisionismo, o relativismo, o fundamentalismo, as “interpretações
alternativas” – “veja bem, foi mesmo assim...??? –, são penalizadas e agravadas
como alimento espúrio dos crimes contra a Humanidade.
Para a Ciência do Direito
cabe bem a lição sempre rejeitada a partir dos bancos de primeiro ano dos cursos:
é preciso criar, defender, robustecer o Direito à Consciência a fim de que
jamais se alegue “ignorância dos fatos”, como é ilegítimo alegar a ignorância
da lei.
O Direito à Consciência
requer reconhecimento do Direito, notadamente dos direitos fundamentais, que esteja
presente à realidade dos fatos, sempre ciente das consequências dos atos, além
de cobrar consciência e racionalidade, no sentido da contaminação criativa
iluminista: O Direito à Consciência obriga a agir “com ciência” e impõem o
dever de reconhecer o óbvio. Esta coincidência entre Direito e deveres não é
ocasional, pois, carregam os germes do Processo Civilizatório – como círculo
virtuoso.
Vinício Carrilho Martinez
UFSCar – Departamento de Educação
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