Quarta-feira, 1 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Capitalismo e Sociedade Moderna


Muitas referências e atitudes podem ser associadas à própria relação geral que estabelecemos entre a sociedade moderna e o capitalismo. Porém, algumas ganham destaque em virtude da urgência imposta pela lógica econômica e/ou falta de clemência social para quem não as detêm e pratica.

Podemos indicar parte desses valores/aptidões exigidas, como o essencial dever de ser competente no que faz. A crise econômica ou o crescimento econômico apertado exigem profissionais e saberes cada vez mais refinados e atentos. Neste quesito há um forte componente de competência técnica e o dever explícito de realizar sua atividade, função ou serviço com acuidade.

As dificuldades do dia a dia, a pressa cada vez maior pelo aumento e aprofundamento da produção – o ritmo just in time do trabalho e da produção coletiva, em que o tempo é dinheiro – aceleram o coração e a alma de todos os mortais. Em todo caso, o clássico economicista do Time is Money exige praticidade para ganhar tempo. Não se perdoa a perda de tempo.

Hoje não se dá mais milho aos pombos, como se dizia nas décadas de 1960-70. Não há tempo para a contemplação, irradiação dos valores sem pressa em ganhar, lucrar. O que ainda nos provoca a sensação de que os dias, os anos passam a correr numa velocidade vertiginosa: “Nossa, hoje já é março? Que horror, já entramos no terceiro mês do ano? Logo tem férias outra vez...”. Podemos ver esse ritmo frenético no filme Tempos Modernos.

Somos obrigados a usar intensivamente a inteligência para encontrar a melhor maneira de produzir, impondo-nos o uso instrumental dos talentos. Uma atenção redobrada com os dotes, as potências, as competências, as habilidades, os métodos e as práticas adquiridas na escola, no mundo do trabalho, no convívio social, na experiência pessoal cotidiana, tudo, sem exceção, será contabilizado a favor ou contra o indivíduo. O excesso de confiança é tão ruim quanto a timidez, erra-se por ação ou por omissão.

Bom senso. Este então é a chave mestra da sobrevivência do homem. Em qualquer tempo, não houve Estado ou grupo humano que não tenha se mantido vivo sem o bom senso, sem o uso apurado, concatenado de argutas avaliações das condições que rodeiam os sujeitos e as nações implicadas. Sem bom senso ou cautela, como diziam os antigos, as pessoas metem os pés pelas mãos. Agir de impulso, sem a mínima reflexão, é sinal de fracasso. O milenar ditado chinês recomenda pensar muito rapidamente, mas responder ou agir com calma, devagar. Não é ficar imóvel feito poste, mas tampouco bater de frente com o obstáculo. A prudência e o bom senso recomendam ladear o poste, cortar caminho.

O bom senso é tão importante quanto o bom humor, o que ainda supõe a satisfação em realizar obras (grandes e pequenas) e ajudar pessoas: o cínico, ao contrário, diz criar dificuldade para vender facilidade. Ficamos felizes em ajudar outras pessoas porque nos desligamos de nossos próprios problemas – somos individualistas até nisso, mas o que importa é termos ajudado a ter uma sociedade melhor: configurando a chamada sociabilidade e a pacificação social. Os especialistas denominam isso de inteligência social e, juridicamente, pode-se dizer que ainda dê origem e base ao pensamento abstrato – percebemos o Outro e reconhecemos seus direitos. Na formação do pensamento abstrato há, é óbvio, um processo de abstração e neste caso se abstrai a materialidade da dominação e do poder, como dizia o educador Jean Piaget: “...não podemos viver com outra pessoa sem ‘reconhecer’ seus direitos”.

A dedicação contínua ao sonho que se tem é tão importante quanto a dedicação com responsabilidade ética ao trabalho e na orientação por ventura prestada aos outros. O que importa é a diligência, a seriedade, o compromisso, o comprometimento (para ficar na moda) em tudo com que se envolva. Não é porque uma atividade é, aparentemente, de menor importância que se vai agir de forma descompromissada, irresponsável. Somos lembrados por aquilo que fizemos (ou não).

No aspecto social que envolve e replica em todos os profissionais e acomete a todas as especializações relacionadas, a responsabilidade ética ganha destaque e volume. Inclusive, lembrando-se que a falta de ética normalmente ocasiona reflexos jurídicos; por exemplo, na ação por indenização provocada por assédio moral (falta de ética) ou na demissão por justa causa. Temos a obrigação de ser éticos, entendendo-se aqui a ética como um comportamento social ajustado ao interesse global. Responsabilidade ética, em outro exemplo, ainda acarreta um comportamento honesto, não-jocoso; ao contrário, um comportamento ético é respeitoso às diferenças e às particularidades dos cidadãos envolvidos num amplo arco de relações sociais.

A vida moderna não perdoa mais a negligência, a imprudência ou a imperícia – aliás, são elementos que caracterizam a culpa. Não adiante dizer o contrário, ao agir assim a culpa estará estabelecida. O melhor é, simplesmente, dizer que não se quer participar: diga que aquilo não é para você. Fazer pouco e bem feito, concluir aquilo que se começa, já dizia minha avó.

Espante a preguiça, mas não para muito longe. Porque o ócio é criativo: nossas melhores ideias ocorrem quando olhamos despretensiosamente pela janela ou tomando banho. Não adianta “trabalhar como burro de carga”. Aliás, como está expresso neste ditado popular, o burro só trabalha. Nem tem tempo de ganhar dinheiro. Esse negócio de se matar trabalhando é muito bom, é ótimo, mas só para o empregador. O coitado do empregado vai receber a mesma coisa no final de mês. Para aqueles que têm o dia regulado rigidamente pelas horas, a não ser que receba as horas-extras, trabalhe oito horas para sua empresa (com honestidade e diligência), oito horas para você (estudando, namorando, praticando esportes) e reserve oito horas para o seu corpo (dormindo).

A criatividade que beira o deboche é péssima; há quem não acompanhe com a rapidez de raciocínio necessário (ou não aprove a ironia), do mesmo modo com a falta de inventividade leva à mesmice. Este equilíbrio, esta meta de mudar sem provocar grandes abalos é o que a maioria das pessoas quer. Criatividade com responsabilidade ou, como se diz, podemos “viajar” para qualquer lugar, desde que os outros possam nos acompanhar. Viajar sozinho é só na maionese e não pode, porque não “agrega valor”. A objetividade do mundo moderno não perdoa a ironia em excesso, porque soa como cinismo.

Espanque a mentira! Isto sim não tem mais espaço na vida moderna. A mentira é improdutiva, uma vez que se mente acerca das próprias capacidades e depois não se observa o resultado prometido. A mentira também tem pernas curtas, é propaganda enganosa ou criminosa, como no crime de falsificação e no estelionato (o famoso 171 do Código Penal).

Entretanto, há uma diferença entre mentir e omitir. Na mentira há uma ação direta desviando a verdade: o advogado, por exemplo, tem o dever de agir com probidade e com a verdade. Caso contrário, poderá responder por litigância de má fé – ele e o seu cliente se também for metido a espertalhão.

Assim, se alguém perguntar algo e você responder distorcendo os fatos, então, estará mentindo. Se alguém apenas conversar com você, sem saber que você tem a informação que ela requer, mas você se cala, nada dizendo, então, você se omitiu de dizer a verdade. Quando se omite, como está dito na palavra, não se age, ao contrário, ocorre a omissão.

A omissão é tão ruim quanto a ação mentirosa, nos dois casos há um efeito negativo. Afinal de contas, "quem cala, consente” (ou ainda pode ocasionar “omissão de socorro”). Talvez uma diferença esteja no fato de que a mentira é criminosa, nefasta, como a calúnia, que é a falsa imputação a alguém de cometimento de crime.

O importante é espantar a dúvida para longe. Relevante nisso tudo é que as pessoas pensem em você como alguém inteligente e honesto, ponderado e equilibrado – se é chato ou não, isso vai do gosto de cada um. Em tudo o que fazemos há um pouco de autobiografia, no texto não seria diferente. Somos herdeiros atávicos de um profundo, eterno desejo antropomórfico, para tudo transformar de acordo com nosso coração: o mundo é a cara do homem - complexo, contraditório -, mas sempre fiel ao desejo de sobreviver.

Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 1 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Quarta-feira, 1 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)