Sábado, 2 de março de 2013 - 06h16
Muitas referências e atitudes podem ser associadas à própria relação geral que estabelecemos entre a sociedade moderna e o capitalismo. Porém, algumas ganham destaque em virtude da urgência imposta pela lógica econômica e/ou falta de clemência social para quem não as detêm e pratica.
Podemos indicar parte desses valores/aptidões exigidas, como o essencial dever de ser competente no que faz. A crise econômica ou o crescimento econômico apertado exigem profissionais e saberes cada vez mais refinados e atentos. Neste quesito há um forte componente de competência técnica e o dever explícito de realizar sua atividade, função ou serviço com acuidade.
As dificuldades do dia a dia, a pressa cada vez maior pelo aumento e aprofundamento da produção – o ritmo just in time do trabalho e da produção coletiva, em que o tempo é dinheiro – aceleram o coração e a alma de todos os mortais. Em todo caso, o clássico economicista do Time is Money exige praticidade para ganhar tempo. Não se perdoa a perda de tempo.
Hoje não se dá mais milho aos pombos, como se dizia nas décadas de 1960-70. Não há tempo para a contemplação, irradiação dos valores sem pressa em ganhar, lucrar. O que ainda nos provoca a sensação de que os dias, os anos passam a correr numa velocidade vertiginosa: “Nossa, hoje já é março? Que horror, já entramos no terceiro mês do ano? Logo tem férias outra vez...”. Podemos ver esse ritmo frenético no filme Tempos Modernos.
Somos obrigados a usar intensivamente a inteligência para encontrar a melhor maneira de produzir, impondo-nos o uso instrumental dos talentos. Uma atenção redobrada com os dotes, as potências, as competências, as habilidades, os métodos e as práticas adquiridas na escola, no mundo do trabalho, no convívio social, na experiência pessoal cotidiana, tudo, sem exceção, será contabilizado a favor ou contra o indivíduo. O excesso de confiança é tão ruim quanto a timidez, erra-se por ação ou por omissão.
Bom senso. Este então é a chave mestra da sobrevivência do homem. Em qualquer tempo, não houve Estado ou grupo humano que não tenha se mantido vivo sem o bom senso, sem o uso apurado, concatenado de argutas avaliações das condições que rodeiam os sujeitos e as nações implicadas. Sem bom senso ou cautela, como diziam os antigos, as pessoas metem os pés pelas mãos. Agir de impulso, sem a mínima reflexão, é sinal de fracasso. O milenar ditado chinês recomenda pensar muito rapidamente, mas responder ou agir com calma, devagar. Não é ficar imóvel feito poste, mas tampouco bater de frente com o obstáculo. A prudência e o bom senso recomendam ladear o poste, cortar caminho.
O bom senso é tão importante quanto o bom humor, o que ainda supõe a satisfação em realizar obras (grandes e pequenas) e ajudar pessoas: o cínico, ao contrário, diz criar dificuldade para vender facilidade. Ficamos felizes em ajudar outras pessoas porque nos desligamos de nossos próprios problemas – somos individualistas até nisso, mas o que importa é termos ajudado a ter uma sociedade melhor: configurando a chamada sociabilidade e a pacificação social. Os especialistas denominam isso de inteligência social e, juridicamente, pode-se dizer que ainda dê origem e base ao pensamento abstrato – percebemos o Outro e reconhecemos seus direitos. Na formação do pensamento abstrato há, é óbvio, um processo de abstração e neste caso se abstrai a materialidade da dominação e do poder, como dizia o educador Jean Piaget: “...não podemos viver com outra pessoa sem ‘reconhecer’ seus direitos”.
A dedicação contínua ao sonho que se tem é tão importante quanto a dedicação com responsabilidade ética ao trabalho e na orientação por ventura prestada aos outros. O que importa é a diligência, a seriedade, o compromisso, o comprometimento (para ficar na moda) em tudo com que se envolva. Não é porque uma atividade é, aparentemente, de menor importância que se vai agir de forma descompromissada, irresponsável. Somos lembrados por aquilo que fizemos (ou não).
No aspecto social que envolve e replica em todos os profissionais e acomete a todas as especializações relacionadas, a responsabilidade ética ganha destaque e volume. Inclusive, lembrando-se que a falta de ética normalmente ocasiona reflexos jurídicos; por exemplo, na ação por indenização provocada por assédio moral (falta de ética) ou na demissão por justa causa. Temos a obrigação de ser éticos, entendendo-se aqui a ética como um comportamento social ajustado ao interesse global. Responsabilidade ética, em outro exemplo, ainda acarreta um comportamento honesto, não-jocoso; ao contrário, um comportamento ético é respeitoso às diferenças e às particularidades dos cidadãos envolvidos num amplo arco de relações sociais.
A vida moderna não perdoa mais a negligência, a imprudência ou a imperícia – aliás, são elementos que caracterizam a culpa. Não adiante dizer o contrário, ao agir assim a culpa estará estabelecida. O melhor é, simplesmente, dizer que não se quer participar: diga que aquilo não é para você. Fazer pouco e bem feito, concluir aquilo que se começa, já dizia minha avó.
Espante a preguiça, mas não para muito longe. Porque o ócio é criativo: nossas melhores ideias ocorrem quando olhamos despretensiosamente pela janela ou tomando banho. Não adianta “trabalhar como burro de carga”. Aliás, como está expresso neste ditado popular, o burro só trabalha. Nem tem tempo de ganhar dinheiro. Esse negócio de se matar trabalhando é muito bom, é ótimo, mas só para o empregador. O coitado do empregado vai receber a mesma coisa no final de mês. Para aqueles que têm o dia regulado rigidamente pelas horas, a não ser que receba as horas-extras, trabalhe oito horas para sua empresa (com honestidade e diligência), oito horas para você (estudando, namorando, praticando esportes) e reserve oito horas para o seu corpo (dormindo).
A criatividade que beira o deboche é péssima; há quem não acompanhe com a rapidez de raciocínio necessário (ou não aprove a ironia), do mesmo modo com a falta de inventividade leva à mesmice. Este equilíbrio, esta meta de mudar sem provocar grandes abalos é o que a maioria das pessoas quer. Criatividade com responsabilidade ou, como se diz, podemos “viajar” para qualquer lugar, desde que os outros possam nos acompanhar. Viajar sozinho é só na maionese e não pode, porque não “agrega valor”. A objetividade do mundo moderno não perdoa a ironia em excesso, porque soa como cinismo.
Espanque a mentira! Isto sim não tem mais espaço na vida moderna. A mentira é improdutiva, uma vez que se mente acerca das próprias capacidades e depois não se observa o resultado prometido. A mentira também tem pernas curtas, é propaganda enganosa ou criminosa, como no crime de falsificação e no estelionato (o famoso 171 do Código Penal).
Entretanto, há uma diferença entre mentir e omitir. Na mentira há uma ação direta desviando a verdade: o advogado, por exemplo, tem o dever de agir com probidade e com a verdade. Caso contrário, poderá responder por litigância de má fé – ele e o seu cliente se também for metido a espertalhão.
Assim, se alguém perguntar algo e você responder distorcendo os fatos, então, estará mentindo. Se alguém apenas conversar com você, sem saber que você tem a informação que ela requer, mas você se cala, nada dizendo, então, você se omitiu de dizer a verdade. Quando se omite, como está dito na palavra, não se age, ao contrário, ocorre a omissão.
A omissão é tão ruim quanto a ação mentirosa, nos dois casos há um efeito negativo. Afinal de contas, "quem cala, consente” (ou ainda pode ocasionar “omissão de socorro”). Talvez uma diferença esteja no fato de que a mentira é criminosa, nefasta, como a calúnia, que é a falsa imputação a alguém de cometimento de crime.
O importante é espantar a dúvida para longe. Relevante nisso tudo é que as pessoas pensem em você como alguém inteligente e honesto, ponderado e equilibrado – se é chato ou não, isso vai do gosto de cada um. Em tudo o que fazemos há um pouco de autobiografia, no texto não seria diferente. Somos herdeiros atávicos de um profundo, eterno desejo antropomórfico, para tudo transformar de acordo com nosso coração: o mundo é a cara do homem - complexo, contraditório -, mas sempre fiel ao desejo de sobreviver.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
O que o terrorista faz, primordialmente?Provoca terror - que se manifesta nos sentimentos primordiais, os mais antigos e soterrados da humanidade q
Os direitos fundamentais têm esse título porque são a base de outros direitos e das garantias necessárias (também fundamentais) à sua ocorrência, fr
Ensaio ideológico da burocracia
Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de
O Fascismo despolitiza - o Fascismo não politiza as massas
A Política somente se efetiva na “Festa da Democracia”, na Ágora, na Polis, na praça pública ocupada e lotada pelo povo – especialmente o povo pobre