Domingo, 30 de outubro de 2016 - 11h21
Vivemos sob Tempos Sombrios de extrema “banalização do mal” (Arendt, 1999), às portas do fascismo mantido pelo regime de castas[1], e não apenas “tempos excepcionais” de acordo com a flexibilização conceitual de alguns magistrados[2].
Inclusive porque a excepcionalidade foi decretada, pelo mesmo Judiciário, em ações concretas de negação de direitos básicos. Na estrutura do Golpe de Estado, de 2016, operacionalizamos uma fase apurada do cesarismo regressivo e repressivo (Gramsci, 2000): regressivo em direitos e repressivo pelo policiamento ostensivo dos grupos e das classes descontentes[3].
Mais precisamente, vemos a vigência do Cesarismo de Estado– porque os três poderes estão mancomunados na fase preliminar do pós-golpe – ou de um Cesarismo Institucional, na fase afirmativa do processo: em que o Estado de Direito é dirigido contra a democracia popular e os direitos fundamentais individuais e sociais.
Ou temos a conjunção de ambos, como Cesarismo Inconstitucional[4], no “conjunto da obra” da Ditadura Inconstitucional?
Como Cesarismo Inconstitucional, as alegações de que as medidas de exceção são necessárias para salvaguardar a República, e sob a vigilância do consequencialismo jurídico (fazer o Mal necessário, para se tutelar o Bem Maior), não vislumbram com nenhuma consequência popular, democrática e social/socialista como deferido na Constituição Federal de 1988. Por enquanto suprimimos o manu militari, salvo na militarização extrema das polícias militares que matam nove pessoas por dia[5].
Outra pista, acerca deste amplo e global processo político-jurídico regressivo e repressivo, é dada por Ramonet (2016) quando analisa o Patrioct Act, em que há uma presunção de culpa e o indivíduo é detido antes de cometer qualquer infração: no direito se chama "norma penal em branco".
A pena ou “a quem” enquadrar na lei (sob a norma) requerem descrição para que o tipo penal não passe mais “em branco” – o que é terrorismo? –; e, deveriam ser regulados por outras normas e leis complementares. Porém, na ditadura ou no Cesarismo de Estado, quem as “interpreta” é a autoridade coatora. E isso, por óbvio, corrobora o “espírito de corpo” (verdadeira casta social) e a summa potestas de quem se julga hermeneuta da própria Razão de Estado açodada pela exceção: vide a Lei Antiterror que engloba ativistas políticos e “senhores da guerra do tráfico”.
Neste “conjunto da obra”, em branco para o domínio sem autocontenção do Poder Político[6] – autonomia sem auditoria é autocracia –, é que instituímos um tribunal judicial de exceção, como no filme Minority Report - A Nova Lei, e sua denominada divisão pré-crime. Desse prisma, abole-se a relação crime/pena que vem desde Beccaria (2003). Aliás, hoje se postula exatamente pelo contrário: presunção da culpa e não da inocência.
No plano geral, corresponde à interposição (como exceptio legalizado) de um tipo penal do inimigo político, quer seja o “lobo solitário” ou “inimigo combatente”, quer seja a Razão de Estado desalinhada ao Jus Puniendi Global do Império (EUA): Venezuela, o Golpe de Estado no Paraguai com aplausos do Governo Obama (2012), evidente incentivo para a desnacionalização do Pré-Sal.
De modo concreto e histórico, no nosso caso, o “crime de pessoa[7]” sempre avalizou o “crime de infundada suspeita” – avaliando-se as pessoas pelo biótipo, cor, estética, etnia, desocupação funcional no sistema produtivo – e, portanto, é uma eterna reconstrução do tipo penal do inimigo social.
De nossa parte, do ex-escravo à vadiagem intencional (Kowarick, 1987), do lumpemproletariado ao ex-detento, em comum, há a suposta opção pela mendicância dos que estão fora ou nunca foram incluídos no sistema capitalista de produção. A estes, sob o mando e o manto da Ditadura Inconstitucional, acrescentamos todos os desafetos político-partidários: revigoramos a relação amigo-inimigo.
Referências
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo : Companhia das Letras, 1999.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo : Editora Martin Claret, 2003.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2000.
KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1987.
MALBERG, R. Carre de. Teoría general del Estado. 2. reimp. Cidad México: Facultad de Derecho/UNAM : Fondo de Cultura Económica, 2001.
RAMONET, Ignacio. El Imperio de la Vigilancia. Madrid : Clave Intelectual, 2016.
[1]O Judiciário é um regime de castas, assegurado pela transformação das prerrogativas constituições em privilégios corporativos.
[2]http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/10/sergio-moro-justifica-prisoes-preventivas-excepcionais.html.
[3]http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/10/1827500-sindicatos-partidos-e-mbl-inflamam-tensao-em-ocupacao-de-escolas-no-pr.shtml.
[4]A imposição do Estado de Sítio (art. 137 da CF/88), a fim de se evitar a consagração de um Golpe de Estado, por exemplo, poderia dar origem a um cesarismo em bases constitucionais.
[5]http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/10/1827079-nove-pessoas-sao-mortas-por-policiais-a-cada-dia-no-pais.shtml.
[6]No direito se denomina como “regra da bilateralidade da norma jurídica” (Malberg, 2001) e obriga tanto os cidadãos quanto o Poder Público.
[7]Tanto basta “parecer” com um terrorista do EI, quanto negros e pobres infundem “justificada suspeita” em policiais e juízes em seus plantões.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de