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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Cesarismo de Estado na Ditadura Inconstitucional


 
Vivemos sob Tempos Sombrios de extrema “banalização do mal” (Arendt, 1999), às portas do fascismo mantido pelo regime de castas[1], e não apenas “tempos excepcionais” de acordo com a flexibilização conceitual de alguns magistrados[2].

Inclusive porque a excepcionalidade foi decretada, pelo mesmo Judiciário, em ações concretas de negação de direitos básicos. Na estrutura do Golpe de Estado, de 2016, operacionalizamos uma fase apurada do cesarismo regressivo e repressivo (Gramsci, 2000): regressivo em direitos e repressivo pelo policiamento ostensivo dos grupos e das classes descontentes[3].

Mais precisamente, vemos a vigência do Cesarismo de Estado– porque os três poderes estão mancomunados na fase preliminar do pós-golpe – ou de um Cesarismo Institucional, na fase afirmativa do processo: em que o Estado de Direito é dirigido contra a democracia popular e os direitos fundamentais individuais e sociais.

Ou temos a conjunção de ambos, como Cesarismo Inconstitucional[4], no “conjunto da obra” da Ditadura Inconstitucional?

Como Cesarismo Inconstitucional, as alegações de que as medidas de exceção são necessárias para salvaguardar a República, e sob a vigilância do consequencialismo jurídico (fazer o Mal necessário, para se tutelar o Bem Maior), não vislumbram com nenhuma consequência popular, democrática e social/socialista como deferido na Constituição Federal de 1988. Por enquanto suprimimos o manu militari, salvo na militarização extrema das polícias militares que matam nove pessoas por dia[5].

Outra pista, acerca deste amplo e global processo político-jurídico regressivo e repressivo, é dada por Ramonet (2016) quando analisa o Patrioct Act, em que há uma presunção de culpa e o indivíduo é detido antes de cometer qualquer infração: no direito se chama "norma penal em branco".

A pena ou “a quem” enquadrar na lei (sob a norma) requerem descrição para que o tipo penal não passe mais “em branco” – o que é terrorismo? –; e, deveriam ser regulados por outras normas e leis complementares. Porém, na ditadura ou no Cesarismo de Estado, quem as “interpreta” é a autoridade coatora. E isso, por óbvio, corrobora o “espírito de corpo” (verdadeira casta social) e a summa potestas de quem se julga hermeneuta da própria Razão de Estado açodada pela exceção: vide a Lei Antiterror que engloba ativistas políticos e “senhores da guerra do tráfico”.

Neste “conjunto da obra”, em branco para o domínio sem autocontenção do Poder Político[6] – autonomia sem auditoria é autocracia –, é que instituímos um tribunal judicial de exceção, como no filme Minority Report - A Nova Lei, e sua denominada divisão pré-crime. Desse prisma, abole-se a relação crime/pena que vem desde Beccaria (2003). Aliás, hoje se postula exatamente pelo contrário: presunção da culpa e não da inocência.

No plano geral, corresponde à interposição (como exceptio legalizado) de um tipo penal do inimigo político, quer seja o “lobo solitário” ou “inimigo combatente”, quer seja a Razão de Estado desalinhada ao Jus Puniendi Global do Império (EUA): Venezuela, o Golpe de Estado no Paraguai com aplausos do Governo Obama (2012), evidente incentivo para a desnacionalização do Pré-Sal.

De modo concreto e histórico, no nosso caso, o “crime de pessoa[7]” sempre avalizou o “crime de infundada suspeita” – avaliando-se as pessoas pelo biótipo, cor, estética, etnia, desocupação funcional no sistema produtivo – e, portanto, é uma eterna reconstrução do tipo penal do inimigo social.

De nossa parte, do ex-escravo à vadiagem intencional (Kowarick, 1987), do lumpemproletariado ao ex-detento, em comum, há a suposta opção pela mendicância dos que estão fora ou nunca foram incluídos no sistema capitalista de produção. A estes, sob o mando e o manto da Ditadura Inconstitucional, acrescentamos todos os desafetos político-partidários: revigoramos a relação amigo-inimigo.

Referências

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo : Companhia das Letras, 1999.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo : Editora Martin Claret, 2003.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2000.

KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1987.

MALBERG, R. Carre de. Teoría general del Estado. 2. reimp. Cidad México: Facultad de Derecho/UNAM : Fondo de Cultura Económica, 2001.

RAMONET, Ignacio. El Imperio de la Vigilancia. Madrid : Clave Intelectual, 2016.



[1]
O Judiciário é um regime de castas, assegurado pela transformação das prerrogativas constituições em privilégios corporativos.

[4]A imposição do Estado de Sítio (art. 137 da CF/88), a fim de se evitar a consagração de um Golpe de Estado, por exemplo, poderia dar origem a um cesarismo em bases constitucionais.

[6]No direito se denomina como “regra da bilateralidade da norma jurídica” (Malberg, 2001) e obriga tanto os cidadãos quanto o Poder Público.

[7]Tanto basta “parecer” com um terrorista do EI, quanto negros e pobres infundem “justificada suspeita” em policiais e juízes em seus plantões.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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