Sexta-feira, 2 de junho de 2017 - 14h14
O que é o tal “conflito institucional” narrado pelo presidente Temer? Em resposta ao mesmo, trata-se da necessidade de se levar institucionalidade. Pois bem, o dicionário Aurélio diria algo semelhante. Mas, hoje não vou me alongar entre as matizes que colorem o sentido de levar ou de “elevar” a institucionalidade no país.
No fundo, penso que esses personagens não merecem “pérolas lançadas aos porcos”. Talvez outro dia, para nossa própria Ilustração – pensando que iluminar a mentira nos ajudaria a sair do emaranhado ilegal/imoral que nos consome diuturnamente.
Vamos aos fatos:
I. A diferença entre o Aurélio (senso comum) e qualquer dicionário especializado em política está na lógica abismal de que a semelhança não se converte em verossimilhança. Quer dizer, aquilo que parece igual – entre duas aparências – está bem distante da realidade dos fatos que envolvem dois fenômenos diversos.
Vamos por partes, mas diretamente ao cerne da questão:
II. O que está em conflito é a verdade. Isto já se pode dizer com naturalidade. Porque são infindáveis as demonstrações de que o sendo médio dos brasileiros – descontado o cinismo político – não percebe o engodo que, no mundo pós-moderno, chama-se de pós-verdade. Isto é, aquilo que meu avô dizia tranquilamente: “se for mentir, sustente a mentira até sua morte – e arrume alguém que a prolongue como verdade”.
1. Quem vai confirmar nossos fatos, neste momento, é o Ministro da Justiça (Torquato Jardim) ao dizer que: “um advogado recebe dinheiro de seu cliente, emite a nota e pronto. Não irá perguntar se o dinheiro é lícito ou ilícito: derivado do crime.” E segue, ao comparar com o financiamento de campanhas políticas: “o candidato não tem que saber a origem de suas contribuições, se lícitas ou ilícitas, desde que devidamente comprovadas”.
No entanto, cabe uma ressalva, as frases são minhas, mas o teor é do ministro. Alguém diria que o palavrório do poder é insofismável. Portanto, não cabendo sofismas, mentiras e meias-verdades, seria apenas patético e deplorável[1] misturar alhos com bugalhos.
2. Outra ressalva que faria, e se ainda cabe aventar o Estatuto da Advocacia – seguidor da antiga Constituição Federal de 1988 –, é se o advogado pode ser comparado ao político de forma geral. Primeiro que, o advogado representa seu cliente – única e exclusivamente – e o político deve carimbar seu passaporte junto ao conjunto de seus eleitores e, se eleito, torna-se “representante do povo”. Depois, é fácil concluir que a advocacia é uma profissão e o exercício da política, não: a política é a própria condição humana e ninguém pode se apropriar do que extrapola a insignificância do seu ser. Não será grande a diferença entre os tipos?
3. Assim sendo, o advogado – pelo Estatuto da Advocacia e mediante o Código Penal – pode representar apenas os interesses do seu cliente. Ou seja, advoga-se – moralmente, legalmente – pela causa do indivíduo criminoso; tanto quanto se advoga pela inocência do cidadão mais recatado.
4. Pois, advogar para o crime – leia-se todo tipo de organização criminosa – constitui outro tipo de crime conforme a Constituição, o Código Penal e o Estatuto do Advogado. Afinal, advogar para o crime equivale a estimular a prática criminosa – como se bradássemos diante do juiz que “o crime compensa”; e, advogar para o sujeito (e que seja o pior facínora) é equivalente de se aplicar a lei ao caso concreto, buscando-se, por óbvio, a menor punibilidade.
5. Assim, se o político profissional recebe dinheiro ilícito em sua campanha, logo, como servente às teias do clientelismo criminoso (e que cobra em dobro), estará comprometido com seu fornecedor. Ao contrário do advogado, na condição de servidor da lei, o político que se imiscui em dinheiro podre (corrupto) torna-se cliente e devedor da fonte pagadora corrupta. Exatamente ao contrário do advogado, que recebe pela prestação de um serviço e não pela advocacia da “causa do crime”.
6. Então, pela lógica de Salomão, a cabeça boa de se cortar é a do político que abastece o Caixa 1 ou Caixa 2, tanto faz, com dinheiro desonesto. O político, no Executivo ou no Legislativo, pouco importa, não deve “dever satisfações” ao seu cliente, a não ser que seja o povo honesto.
7. O advogado desonesto deve satisfações à justiça, como qualquer pessoa: requerendo ou não aposentos de “Estado Maior“. O advogado honesto deve satisfação ao cliente honesto ou desonesto, que o pagou com dinheiro igualmente honesto ou desonesto – e não ao crime. Sua consciência e salvo conduto é a técnica laborativa aplicada nos limites da lei para não cometer outros crimes na defesa do criminoso ou do inocente.
8. O político profissional (ainda que não haja profissão de político), ao contrário, deve respeito e satisfação ao povo – e não ao doador do dinheiro podre, corrompido, comido pelos vermes da imoralidade. O político como representante do povo deve prestar contas de tudo: do que recebeu, de quem recebeu, como recebeu, para que recebeu, quando recebeu.
9. Um dinheiro nojento não torna mais legítimo um político. Ao contrário, revela quem é serviçal do crime – tanto quando o advogado desonesto.
10. Isto sim é conflito institucional. Na verdade, é a reversão da semântica da Política (interação humana ainda que em flagrante conflito de interesses) em prol da conturbação moral. O falso conflito institucional seria válido, como raciocínio, apenas e tão-somente, se algum outro advogado não conhece as artimanhas da retórica do direito.
III. Frisando-se, pois, que a diferença não é semântica e nem quantitativa entre a defesa justificada (por justiça) à pessoa criminosa e a, inapropriada, defesa criminosa do ilícito. De tal modo que é substancial – de gênero e não de grau – a distância entre advogar a causa criminosa e a pessoa humana. Advogados e políticos que defendem o crime devem estar presos.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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