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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Consciência de Facebook


 
Para entender o efeito da hermética blindagem ideológica no Estado de São Paulo – ninguém critica, menos ainda interpela, o Poder Executivo –, recorrer à consciência imagética pode nos ajudar. Um poderoso marketing político não permite que se fixe na consciência das pessoas qualquer visão, noção/menção críticas sobre a omissão ou os abusos. Neste caso, a imagem fixada no fundo do cérebro, no inconsciente coletivo, é a pura criação do marketing promocional. Vivemos em São Paulo o exemplo mais pós-moderno e bem acabado do culto à personalidade.

Tecnicamente, impede-se que imagens crônicas surtam efeitos revoltosos na (in)consciência política. Não se vê a Cantareira seca, as mil escolas públicas fechadas, a imposição do silêncio jurídico (sic) aos graves problemas da segurança pública, reeditando-se o AI-5 do regime militar, a ação seletiva da PM – com formação de grupos de extermínio institucionalizados –, os arroubos nas obras do Metrô e tantos outros. Por óbvio, o mistério público queda inerte.

Como diz o nome, a suposta consciência – na verdade, mera opinião – é formada pelas imagens que retemos. Como a opinião é formada pela(s) imagem(s), a “consciência imagética” é formada sem reflexão. Aliás, nem se pergunta se a imagem é montada ou retocada (Fotoshop). A retina impõe a rotina de aceitação e de deslumbre visual ao cérebro e à mente. Capturar a imagem é sinônimo de capturar a inteligência, a razão libertária, a consciência ativa, a verdade e a vontade política.

Uma foto real, sem montagem, de um deficiente físico quebrando barreiras pode ter mais de cem curtidas. Um texto sobre corrupção, de análise conceitual e epistemológica, não recebe 10 curtidas no Facebook. Ou seja, não lemos. Mas, adoramos imagens fortes e de superação, ou bucólicas e catastróficas. Assim é formado o típico raciocínio pós-moderno. A foto capaz de verter sangue se converte em lágrimas. Nos tempos da razão prática e da sua instrumentalidade, somos dobrados por emoções frágeis.

O jovem que parou a extensa fila de tanques na Praça da Paz Celestial, China, em 1989, e o soldado que freou o tanque de guerra para não esmagá-lo só foram punidos porque a imagem ganhou o mundo. A mesma China, de Confúcio, produziu o pensamento de que “uma imagem vale por dez mil palavras”. O que pode ser correto, desde que a tal imagem não seja fotomontagem para uma consciência indolente.

Assim, veja-se que Confúcio produziu um vigoroso pensamento e não uma imagem rarefeita – e só por isso a expressão atravessou milênios. A (in)consciência formada por imagens tem certeza curta, efêmera, como a própria imagem consumida na retina, uma vez que a interpretação dos fatos vai muito além das dez mil palavras não-ditas. Por seu turno, como a chegada do homem à Lua só foi registrada em imagens, sobretudo fotografias, há quem duvide da proeza humana. Os textos de validação nunca foram suficientes.

Hoje, os cinco sentidos resumiram-se a um: a visão inconsciente de quem vê – sem contar toda a carga preconceituosa que se abate sobre os deficientes visuais. No entanto, neste caso, a hipocrisia resolve o problema endeusando os deficientes físicos, ainda mais se forem visuais, porque desafiam as dificuldades e se projetam nas oportunidades. O que se esquece é o fato notório de que, sem consciência, a opinião é superficial, rasteira como a espessura de uma foto revelada e impressa em papel simples. Sem gramatura política, não há gramática do poder: o que é Razão de Estado?

Como diziam os gregos clássicos, sem “isegoria”, capacidade de livre expressão com fundamento político-filosófico, não há autonomia. E assim os adoradores de imagens perdem totalmente a liberdade, inclusive para se indagar sobre o real propósito de determinada imagem: por que razão teria sido veiculada apenas naquele instante e não em outro? Por que expomos imagens da intimidade dos outros na Internet?

Sagra-se o tempo da estética – a ciência da percepção, notadamente visual –, mas sem o vigor ético que permite indagar, duvidar, pensar. Não há consciência imagética, só opinatório, batibocando quase sempre vazio de argumentação. Afinal: “quem vê cara, não vê coração”. As fotos falam/valem pó si e também por isso há um profundo, solene, desconhecimento do que seja qualquer “dúvida metódica”.

Porém, a imagem é incapaz de promover um relevo, uma gramatura de impressões políticas reais. A imagem não permite, por si, formar um substrato consciente do plano concreto das ações e dos fatos. A imagem não permite ir além do epifenômeno, da aparência, da “coisa em si”.

Ao contrário do fascismo cultural que personifica e idolatra – pelo culto à personalidade – a imagem do vencedor e dos líderes salvadores, como se fossem memória visual, precisamos de uma iconoclastia política. Na forma de uma consciência política que “quebre” os ícones, as imagens de sucesso que os donos do poder querem nos incutir, em seu próprio benefício.

Conceitualmente, o empiriocretinismo não se desenvolve como empiriociticismo; pois, não ultrapassamos a coleção, o amontoado de informações visuais, para um nível de consciência crítica acerca dos fatos geradores da própria imagem que retivemos inicialmente. Portanto, “só temos olhos para nós mesmos”.

É este hermético efeito ideológico que não permite aos eleitores paulistas formar qualquer hermenêutica crítica, reinterpretando-se a política atual e colocando-se em perspectiva novas alternativas à mesmice do marketing político. Não há imagens suficientes dos “podres poderes”, não obstante pululem as ações petrificadas; mas, essas ações de poder, a viseira e o tapa-olho não deixam ver claramente. As fotos do Executivo em São Paulo não permitem ver a nebulosa, mal revelada, desfocada imagem real dos jogos de poder. Em tempos de alta tecnologia, fomentamos e nos abastecemos da consciência de Facebook.
 

Vinício Carrilho Martinez

Professor da Universidade Federal de São Carlos

Marcos Del Roio

Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília
 

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