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Vinício Carrilho

Contradições Políticas


AsContradições Políticas (como choque de consciências) provam que o homem é um ser em construção e, obviamente, suas fabricações políticas e jurídicas seguem o mesmo fluxo. Nem sempre o ritmo é inequívoco, regular, por vezes, é singular e implica em uma lógica especial.

Neste momento, vivemos um paradoxo politico – ainda que alguns verifiquem apenas as eternas contradições do sistema capitalista –, pois na era pós-moderna enfrentamos a eterna sensação de que nos governa o Estado de Exceção Permanente e Global. Formas de exceção político-jurídica – como a supressão de direitos fundamentais – tornam-se regra, supostamente, para garantir o restante das regras jurídicas. Por outro lado, há uma pressão crescente pela elevação do padrão civilizatório, algo evidente na construção dos direitos humanos.

Neste caso, não se trata de choque de civilização, uma vez que os dois fenômenos são próprios à modernidade ocidental, desde o Iluminismo, ao produzir a liberdade, a igualdade, mas que também instigou o Estado de Exceção. Inaugurado como mecanismo jacobino, uma clara reserva de poder absolutista, o Estado de Exceção (nem sempre como Estado de Sítio), permite ao Poder Político agir sem prestar contas à democracia, aos direitos fundamentais e, mais precisamente, refluindo os padrões civilizatórios de determinada região, país ou – como visto no século XXI – de praticamente do mundo todo. Tomaremos o Egito, mas é só um exemplo.

O Egito – no limbo constitucional entre assegurar o Estado Laico (primeiro passo na construção da tolerância, pois sem isto não se constrói a “oposição política”) e para manter o poder – acaba por ferir de morte a democracia. Criou-se um remédio antidemocrático para impedir a evangelização do poder: “O texto constitucional egípcio bane os partidos religiosos (negativando o Estado Teocrático), mas autoriza as Forças Armadas a nomearem o ministro da Defesa, com mandato de oito anos[1]”.

            Para assegurar a continuidade do Estado Laico – sem o que não haveria registro de contenção do poder central –, redimindo as cláusulas islamitas dos últimos governos civis, o Egito avança, mas, sem as regras do jogo democrático e do pensamento republicano, o resultado é um Frankenstein jurídico.

            Não se pode subsumir a rotatividade do poder, por exemplo, para garantir a separação entre poder secular, temporal e religioso ou eclesiástico. Não se sagra a democracia liberal se, ao mesmo tempo, se sangra a democracia política. Não se tem democracia sem separação dos poderes, na forma dos poderes clássicos e interdependentes.

É preciso separar os poderes e garantir que não se cometam abusos em nome de alguma pretensa conquista democrática. A democracia não “evolui” com menos democracia. O povo não será mais consciente e responsável com a negação da soberania popular. Do mesmo modo, um mandato de oito anos (sem interrupção para que a oposição formule alternativas) não tem os benefícios que se propunha a manifestar.

            Todo sistema de contenção do Poder Político exerce o controle por meio de freios e contrapesos. Não é possível um controle social, legítimo se o Poder Central permanece descontrolado, atuando como generalíssimo. Este é um ótimo exemplo, portanto, para indagarmos como elevar o padrão civilizatório por meio do direito.

            A democratização do direito, desde 1948 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinala a necessária judicialização democrática do poder. Neste caso, há uma constante, crescente judicialização da discriminação, da desigualdade e da perseguição, seja política, seja religiosa. O Egito assinala com a ironia de se promulgar (em poder constituinte) e autorizar o uso de leis de emergência a fim de se obrigar o Estado a cumprir a justiça. Todavia, será possível por este caminho? Há muitos exemplos históricos no sentido negativo.

            A ânsia pelo poder é atávica, visceral, coloniza a alma e a consciência humana (é o alfa e o ômega da Humanidade), porém, ao revés disso, diante do animismo político, requer-se mais e mais o ativismo judicial. Isto quer dizer que a justiça não é natural, inerente ao senso comum da humanidade? A epistemologia política clássica indica que não, mas a realidade atual não tem tanto apreço pela teleologia.

            No choque de civilizações (agora sim), o Estado Ético vem sendo entrincheirado desde Platão, como elevação institucional do “espírito e da consciência” política. Isto também poderia nos dizer que a “humanidade não se colocou problemas que não pudesse resolver”, ou seja, não haveria retrocesso, um passo atrás, na saga humana pelo desenvolvimento de sua consciência acerca de si mesma.

Contudo, nem a moral, nem a política e muito menos o Estado são entes absolutos, irretocáveis; pelo contrário, são avaliados diante das mutações sociais, culturais. Historicamente, vemos que o Estado pode caminhar para a Justiça Política – em que o Estado se alia à Justiça (Ética) – ou pode ceder às pressões da evangelização da política (como no exemplo tomado). O Estado pode aprofundar a democracia, resguardar e aprofundar a democracia popular ou pode, em nome da democracia, suprimir todo alcance da soberania popular.

No exemplo do Egito, de outro modo, se há uma crescente animação pelos direitos há, igualmente, um animismo político em que a pacificação social ocorre mediante a aceitação acrítica do controle jurídico e da injustiça social. O poder não tem alma, pode no máximo desenvolver uma consciência em torno de si. Neste sentido, a laicização da política é inerente à construção da razão a ser aplicada ao poder. Não só como Razão de Estado, mas sim como construção de mecanismos de controle racionais do mesmo poder. O direito, a consciência, a própria política são alguns desses meios.

            Este também é apenas um indicativo de que a soberania jurídica – iniciada com a Constituição Alemã, de 1949 – só será efetiva, legítima, mediante a construção e, posterior, submissão à ordem democrática. Não há direito fora da democracia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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