Quarta-feira, 14 de outubro de 2015 - 13h13
Corromper é destruir a essência, mas o senso comum associa a volúpia nacional pela corrupção às influências portuguesas. Primeiro que, nunca se apresenta nenhum dado específico ou traço cultural que assegure a afirmação. Segundo, a Tradição portuguesa nos leva ao raciocínio inverso. Por fim, a lógica econômica implantada por Portugal não era exclusividade dos patrícios; atendia-se ao modelo de capitalismo de colonização da época.
Há de se convir que as instituições portuguesas são muito mais estáveis do que as brasileiras, em que pese a grave crise econômica europeia. A Tradição castiça revela que, em Portugal, vereador era o sujeito que cuidava das cidades. “Vereador” era sinônimo cuidador. Como indicou o inesquecível Otto Lara Rezende, vereador vem de “veredas”, como um abre-alas que areja e mostra o interior das ações e permite a troca interior-exterior entre o público e o privado, sem a promiscuidade conhecida porque as veredas abertas permitem que se observe o interior das relações públicas manifestas.
A Constituição Brasileira de 1988 – excluindo-se o ranço militar que a poluiu – é inspirada, uma quase-cópia, da Constituição Portuguesa de 1976. O Princípio Democrático promotor da dignidade humana – como ensinou o jurista português Canotilho – é a ponta de lança do processo civilizatório. Ainda deixamos de fora a imposição do socialismo como direito constitucional, e que fora legitimado pelos portugueses. Ou seja, um país que produz uma cultura jurídica desse porte não pode exportar corrupção.
O que herdamos – e não foi exatamente de Portugal – é o típico capitalismo que desconhece as concepções burguesas básicas. Desde sempre pudemos combinar capitalismo com escravidão, ou seja, com o anti-liberalismo. Como o mercado de consumo era europeu e não nacional, a economia agro-exportadora era incentivada a manter o trabalho escravo. Sem a necessidade de consumo, o trabalhador livre/consumidor só chegou aqui no século XX.
O resultado é que fomos criados sob a lógica da Casa Grande e da Senzala, dos Sobrados e Mocambos: o negro liberto, “sem eira, nem beira” (sem teto), foi jogado nas periferias do sistema econômico e nas favelas. O que formatou a corrupção dos princípios básicos: liberdade, igualdade, equidade. Sem esta base liberal, cresceu o coronelismo, o patriarcalismo, o patrimonialismo. Desde sempre tivemos duas lógicas na cultura e na política: uma para a casa (amigos) e outra para a rua (inimigos).
Portanto, ainda esperamos uma Revolução que seja capaz de abolir a herança autoritária, absolutista. O Estado de Direito – ineficaz na definição e na prática – nunca foi realidade na “pátria de chuteiras”. Na prática, resta um antidireito, próprio do Estado de não-Direito, porque o ranço autoritário não foi banido da Lei Maior: lei de crimes hediondos, pacote legislativo anti-popular. Na prática, porque se forjou como Estado Autocrático – negador em essência da democracia popular –, criminalizador das relações e dos movimentos sociais.
Associou-se, historicamente, o direito dos proprietários à negação da equidade social: diferença abismal dos rendimentos entre homens e mulheres; lista suja do trabalho escravo, inclusive em empresas terceirizadas pelo Poder Público; perseguição policial e extermínio de populações pobres e negras; hipocrisia e cinismo que se escondem sob o Mito da Cordialidade.
Com o que criamos, ontem, a corrupção pública é uma obrigação cultural, pois o Estado é refém dos “donos do poder”. Com o que temos hoje, os donos da República são mantidos e atendem ao capital financeiro. Pois bem, sem nenhuma concepção originária, doutrinária, efetiva e legítima da coisa pública (res publica = República), somos o que fomos programados para ser: corruptos. Corrompemos as instituições porque a alma brasilis é corrompida na base dos seus valores. A Lei de Gérson tem “força de lei”, é a única regra de “direito positivo” que pega e não desgruda, sempre na cola do racismo, do machismo, do elitismo, do fascismo.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de