Segunda-feira, 5 de setembro de 2016 - 16h02
Neste país, movido pela troca de favores e pelo companheirismo (“aos inimigos a lei”) e pela cultura da corrupção (“rouba, mas faz”), é compreensível que sejam geradas tanto uma sensação de inferioridade – “a corda só arrebenta do lado mais fraco” – quanto um sentimento de revolta: diante da eterna impunidade dos abastados e apoderados do Estado.
A somatória dos dois assombros culturais/ilegais metamorfoseou-se em “cultura de exceção” protofascista. A Operação Lava Jato deu estímulo a um sentimento de vingança privada e pública, o povo anseia por penas cruéis e degradantes – contra os que foram seus algozes por séculos –, e o Estado responde com “populismo jurídico” e notório “primitivismo penal”.
Para alguns agentes da lei, por exemplo, as provas poderiam ser obtidas por meios ilícitos, desde que a sanha popular fosse contemplada. Juridicamente, equivale a dizer que o senso comum tornou-se fonte do direito. Sem o bom senso próprio do direito justo, o senso comum é vertido em “jurisprudência”; mas, sem a prudência que a nomenclatura traz desde o Direito Romano: iuris prudentia.
Como se vê, não se trata apenas de “pão e circo” (ainda que haja muito), nem de “Força e Honra” (dos gladiadores da Roma antiga); visto que se retrata a plena cultura fascista. Como antes, na gestão da cultura corrupta do coronelismo – “A lei é como uma cerca de latifúndio: se for dura, passo por baixo; se for mole, passo por cima” –, o povo, em sua ira de vingança secular, ecoa na voz rouca das ruas: “lei, ora lei”; lixe-se a lei.
Em seu desejo de vingança privada, o povo fornece munição aos grupos tomadores do poder. Tais Grupos Hegemônicos de Poder, em estridente “populismo judicial” fascista, ora violam princípios sagrados do Direito Ocidental (“não há crime sem prévia cominação legal”), ora aprovam legislação que desafia o bom senso e assim aniquilam a laicidade do Poder Público.
O povo, revoltado e ansioso por ver os “peixes grandes” na cadeia, empresta, sem o saber, os motivos para que verdadeiros tubarões engulam a democracia, o direito justo, o bom senso institucional.
Como a única lei dos mais fracos sempre foi o giroflex – sem lei ou presença do Estado em seu cotidiano: saúde, educação, lazer, esportes –, não apreciar a necessária legalidade na Operação Lava Jato ou no processo de impeachment (em decorrência daquela), dá no mesmo.
Por isso, cresce substancialmente o desapego ao Estado de Direito, à necessária legalidade do poder (“se estivesse lá, também faria”), e ressoa o descaso pela legitimidade no cotidiano sem direitos: o “conjunto da obra” agora é modelo típico (i)legal. A racionalidade jurídica não segue mais a lógica formal do Direito Ocidental.
A “nova” Revolta da Vacina, de 2016, abate, portanto, todos os remédios jurídicos. A cultura de exceção – além de instigada pela grande mídia – alimenta-se de um ódio histórico. Mas, engana-se quem vê aí o ódio da luta de classes. Há tão-somente a cultura fascista que se aninha no ventre popular.
O que faz o poder estabelecido é alimentar e se retroalimentar da mesma cultura que sempre granjeou as migalhas que caíam dos poleiros do poder. Não há consciência de classe. Só reverberação do “toma lá, dá cá”. A diferença é que o barulho já é ensurdecedor nas ruas, nas casas, no trabalho, nas escolas, nas igrejas, no Judiciário, nas instituições e, mais ainda, no Congresso Nacional.
O fascismo, alimentado pela corrupção endêmica e pelo ódio cego, verteu-se em cultura de exceção popular. Ou, dizendo-se de outro modo, o fascismo popularizou-se por meio da cultura de exceção. Emprenhada esta, que sempre fora, pela mais nítida negação do Estado de Direito Democrático. De certa forma, a ação das elites de poder geraram por séculos a cultura de exceção que engolimos todos os dias, especialmente em 2016. Não há clarividência nisto, há história.
Mas, que também não se engane neste ponto: esta mesma ação alimentou bocas miúdas desejosas de menos probidade. O “mais-poder” de todos incrustou-se no “mais-valor” dos mesmos. E o menos valorizado, como vemos claramente no impedimento de 2016 – sob a batuta da Ditadura Inconstitucional –, é o culto ao Direito Ocidental.
Instituidores de poder, jovens e velhos, nos três poderes, agradecem, manipulam, corroem o que restava de bom senso. A partir de 2016 não mais vigora o direito justo, uma vez que não há justiça no senso comum.
Na nau do poder, sem timoneiro (Kibernets), estamos à própria sorte no meio da “tempestade perfeita”. À deriva, sem vento de popa, sem a direção do Norte, sem teleologia – juridicamente só com efeitos ex tunc punitivos –, retroagimos e adornamos a estibordo.
Por definição e retrato das escolhas e dos recolhos históricos, as saídas pela direita são fascistas e sempre se dão com menos direitos. Basicamente, porque se requer um “menos-povo”: o “mais-valor” não é “republicano”, mas pertencente ao capital e às hostes do poder.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de