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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Decisionismo Jurídico Cesarista



O Decisionismo Jurídico Cesarista pode ser resumido a partir de uma interpretação do ordenamento jurídico de acordo com os interesses do poder que se (contra)hegemoniza, pois a decisão é do soberano e este é quem monopoliza os meios de exceção (Schmitt, 2006).

Neste caso, a própria Lei Maior deve ser adaptada ao suposto realismo dos fatos, no que se inclui a deslegitimação de direitos fundamentais, como o direito de ir e vir e a negação de habeas corpus patrocinado em situação de prisão preventiva e que é uma ação cautelar, isto é, de per si, uma exceção ao procedimento ordinário.

No entanto, o pior é que, mesmo antes da revisão legal/jurisprudencial, as normas em vigência deverão ceder à interpretação restritiva de direitos – e ainda que se saiba que as reformas jurídicas (ou meramente interpretativas) não podem ser in pejus, apenas in mellius, ou seja, para desagravar a condição do acusado/detido.

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou pedido de Habeas Corpus e manteve a prisão preventiva do empresário Marcelo Odebrecht [...] Em seu voto, o relator afirmou ainda que, devido às dimensões da "lava jato", é necessária uma releitura da jurisprudência, sendo necessário estabelecer novos parâmetros interpretativos para a prisão preventiva [...] "A singularidade do presente caso está a exigir que se estabeleça um novo standard quanto à aplicação do instituto da prisão preventiva e das demais medidas cautelares [...] A originalidade e dimensão do caso impõem que todos os operadores do Direito — e de um modo especial os julgadorespassem para uma compreensão singular, sem olvidar dos direitos fundamentais", afirma o relator (grifo nosso)[1].

Negar provimento de habeas corpus, contra uma medida excepcional (prisão preventiva), alegando-se uma mudança necessária no foco judicial, portanto, implica em aplicar uma interpretação de exceção (e que viola a jurisprudência) a uma restrição de direitos que é de exceção em sua natureza (prisão preventiva).

Acontece, na prática, que negando a soltura, sob uma “necessária” reinterpretação da jurisprudência, há evidente cerceamento de direito fundamental e, neste caso, decide-se judicialmente com o manejo de uma exegese de exceção: a lei infraconstitucional é reinterpretada para obstruir preceitos constitucionais (presunção de inocência e ampla defesa). É notória a adoção de perspectiva judicial que invalida direitos fundamentais, com violação da Carta Política, e isto é uma das medidas excludentes do Estado de Exceção. Contra qualquer punitivismo, e em favor da Justiça, não se pode aplicar o antidireito.

A legislação abrange, sempre, em maior ou menor grau, Direito e Antidireito: isto é, Direito propriamente dito, reto e correto, e negação do Direito, entortado pelos interesses classísticos e caprichos continuístas do poder estabelecido (Filho, 2002, p. 08).

Sob o condão do Estado Penal (Wacquant, 2003) – em nome do moralismo político e do oportunismo jurídico, em que se exige indiferença ao Estado de Direito sacramentado nas jurisprudências dos tribunais superiores –, a Constituição será invocada para se prestar a uma futura revisão de parâmetros legais consagrados por décadas.

Primeiro mudamos a jurisprudência – que segue a CF/88 – ao sabor do nosso senso de oportunismo/populismo jurídico – para depois, como efeito consagrador da política que inoculou a exceção no direito, mudar, definitivamente, a Constituição já violada pelos atos de reinterpretação judicial autocráticos. Não é possível usar o direito para mitigar os Princípios Gerais do Direito; não há lógica jurídica – a não ser a da exceção –, alegando-se a defesa da liberdade futura, negando-se a liberdade presente.

O inevitável estado-maior das liberdades de 1848 [...] as liberdades [...] receberam um uniforme constitucional que as fez invulneráveis. Com efeito, cada uma dessas liberdades é proclamada como direito absoluto do cidadão francês, mas sempre acompanhada da restrição à margem [...] Como resultado, ambos os lados invocam devidamente, e com pleno direito, a Constituição: os amigos da ordem, que ab-rogam todas essas liberdades, e os democratas, que as reivindicam [...] isto é, liberdade na frase geral, ab-rogação da liberdade na nota à margem (Marx, 1978, p. 30 – grifo nosso).

Na decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal, da 4ª Região, a liberdade não só está negada por “restrições à margem da lei” e que seguem a disciplina do direito patrimonial, como também vem em seu socorro – como excesso de “Força da Lei” – as interpretações judiciais/anticonstitucionais produzidas pela visão de mundo prenhe de antidireito. Pois que se nega a consagrada jurisprudência (a prudência com foro de lei), a fim de se atender ao interesse estacionado na mentalidade de quem não pode interpretar os direitos fundamentais para menos.

Neste processo de exceção, no passado e no presente, o Poder Constituinte Derivado deve ser interpretado à luz de um futuro processo constituinte. Numa espécie de teleologia ao contrário, do futuro para o presente, a lei deve ser reavaliada sob uma exegese de poder que quer desesperadamente se legalizar. No caso em tela seria buscar as regras do recall político ou judicial – inexistente no Brasil – para obter os efeitos do impeachment.

Certamente, os efeitos dessas manobras sacramentariam uma fantasmagoria político-jurídica. Por isso, esta é a fase em que, de fato, a exceção está em vias de se tornar regra definitiva, com natureza jurídica de Poder Político, legitimando-se diante do poder soberano em atos de constrição da própria legitimidade democrática que supostamente foi alardeada em sua origem.

O fato de estar em “vias de se legitimar”, no entanto, é suficiente para que o “cesarismo regressivo” (Gramsci, 2000, p. 76-77) declare o fim das instituições democrática e republicanas – com a exceção, evidente, do modelo republicano/bonapartista instaurado pelo Federalista estadunidense (Losurdo, 2004).

Como exceção, este “novo” pensamento (anti)jurídico já presente nos tribunais muito em breve será regra constitucional. Isto é, se seguirmos – no ritmo em que já estamos – a Lei de César. O que também não deixa de ser uma requintada contribuição para a já consagrada Lei de Gérson.

Bibliografia

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). Volume III. Nicolau Maquiavel II. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2000.

LYRA FILHO, R. O que é direito. 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 2002.

LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de Janeiro : UFRJ, 2004.

MARX, Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

SCHMITT, Carl. Teologia Política. Belo Horizonte : Del Rey, 2006.

WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.     

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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