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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Democracia e Paranóia: uma metamorfose


“­­ESTRAGON – Nascemos todos loucos. Alguns continuam.”

Samuel Beckett

 

Bruno Moreira de Souza[1]

Ulisses Machado[2]

 

Há alguns anos passamos a ouvir alguns boatos sobre possíveis e sérias limitações à democracia, às liberdades individuais e, ainda que pareça bem absurdo (e na época soou como paranoia), um possível golpe que nos levaria a um novo regime de exceção. Confessamos que até mesmo nos demos ao cômico, não porque seria impossível existirem correligionários de tais ideias, existem, e em profusão. É que para uma ideia ou ação se efetivar, para o bem ou para o mal, não basta a filiação de vários indivíduos ou mesmo instituições, faz-se imperativo um contexto que permita ou facilite, sem grandes resistências, o surgimento de qualquer movimento. Não é demais lembrar que o regime implantado em 1964 no Brasil não foi mero fruto das mentes de políticos e militares brasileiros; o regime se encaixou ou foi encaixado pela já admitida operação Condor, que de tupiniquim não teve mais que a adesão, assim como no Chile, na Argentina, Uruguai etc..

E que contexto seria esse, em termos bem práticos, que permitiria o surgimento de movimentos, pelo menos, semi-fascistas?  São várias as respostas, mas todas elas podem ser resumidas em uma: a bagunça. A bagunça gerada pela desorganização das instituições públicas, a corrupção que às aflige, o medo, a descrença geral nos poderes públicos como salientou Manuel Castells[3]em entrevista à Folha de São Paulo no dia 03 de junho do corrente, quando diz que afora a Escandinávia, em todos os países do mundo o descontentamento da população com o parlamento é quase unânime, nas palavras do sociólogo espanhol “Se os cidadãos pudessem, mandariam todos embora”.

A derrota, quase sistemática e deliberada, na luta contra o crime e a violência é um fator que trás sempre à tona o desejo irrefletido e equivocado, embora justo e inteligível, de um aumento de rigor e repressão, e, não raro, leva a saudosismos apavorantes com relação aos militares. Apesar de não haver bons motivos para crer que o mundo era o melhor dos mundos quando a caserna era o país todo. Qualquer bagunça é bem melhor que qualquer ordem à ferro, melhor dizendo, uma falsa ordem, pois opressão alguma, supressão de direitos, censura, regulação alguma terá o condão de conformar uma sociedade quem tem problemas muito mais profundos e crônicos que os que aparecem ao assunto do dia, aos fatos visíveis e noticiados.

Não entendemos como seria possível pensar em golpes, militares ou não, como solução para resolver tais problemas em uma democracia em desenvolvimento como a nossa (e qual não está?). Em hipótese alguma ideias totalitaristas podem ser postas na mesa para aprovação, mesmo que moral. Raros foram seus benefícios para a sociedade, (dizemos ‘raro’ para não sermos totalitaristas também). Um sistema que tira das escolas matérias de cunho crítico (filosofia, sociologia), que desvaloriza a educação, sendo uma das raízes dos problemas que temos hoje, e que suprime direitos básicos não pode nem sequer ser pensado.

O advogado e ex-ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos, deu um tom ainda mais palpável à dimensão dessas suspeitas “paranóicas” embora em outra frente, mas que nos transmite na exata medida o crescimento de um ânimo punitivo que tanto poderá nos levar a esdrúxulas fórmulas legais, ao gosto de uma mídia sensacionalista, quanto à ideias de repressão, digamos, mais institucionalizadas:

Não é de hoje que o direito de defesa vem sendo arrastado pela vaga repressiva que embala a sociedade brasileira. À sombra da legítima expectativa republicana de responsabilização, viceja um sentimento de desprezo pelos direitos e garantias fundamentais. O “slogan” do combate à impunidade a qualquer custo, quando exaltado pelo clamor de uma opinião popular que não conhece nuances, chega a agredir até mesmo o legítimo exercício da “liberdade de defender a liberdade”.[4]

            Ora, para nós, é justamente nos momentos de crise que se faz necessário uma reflexão mais ponderada; uma análise fria da história dos homens, da consciência do mundo e tentar absorver algo para o presente e o futuro. É neste sentido que poderemos observar a crítica sensacional de Adorno e Horkheimer ao ferirem a inteligência bem vestida, e não paranóica, dos que diziam antes da ascensão de Hitler, que seria impossível os nazistas atingirem o poder:

Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente. Quantos não foram os argumentos bem fundamentados com que os judeus negaram as chances de Hitler chegar ao poder, quando sua ascensão já estava clara como o dia!  Tenho na lembrança uma conversa com um economista em que ele provava, com base nos interesses dos cervejeiros bávaros, a impossibilidade da uniformização da Alemanha.  Depois, os inteligentes disseram que o fascismo era impossível no Ocidente. Os inteligentes sempre facilitaram as coisas para os bárbaros, porque são tão estúpidos. (...) Hitler era contra o espírito e anti-humano. Mas há um espírito que é também anti-humano: sua marca é a superioridade bem informada.[5]

            Talvez seja demais pensar em tanto, com tanta “paranóia” e construir sistemas de mega conspirações em uma teia nefasta que, embora plausível, não seja lá muito provável. Mas vai que...!



[1] Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Rondônia e membro do Grupo de Pesquisa Minimalismo Penal.

[2] Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Rondônia e membro do Grupo de Pesquisa Minimalismo Penal.

[5] ADORNO, Theodor W. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento, Fragmentos Filosóficos. 1947, HTTP://antivalor.vilabom.uol.com.br.

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