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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Direito-fim e direito-meio entre a democracia e o fascismo



Para onde vamos, se é que já não estamos, cometendo crime de espionagem contra a Presidência da República e monitorando o Supremo Tribunal Federal?

Em que pese a urgência de se atender aos reclamos da voz rouca das ruas para o devido combate à corrupção e, assim, atender à necessidade urgentíssima de se salvaguardar a coisa pública, é preciso ter a cautela do direito como guia.

A cautela do direito traz a lição, entre outras, de que não constrói a justiça pondo fim ao próprio direito que a sustentava em suas teses. Entre a democracia (direito-fim) e o fascismo (direito-meio) não pode haver escolha: “não se escolhe entre o bem e o mal”.

O direito-fim é esse da justiça de que se proclama e se requer, e não o Estado como miríade do poder (direito-meio). O fim está no direito como porta-voz da Justiça Social e, por isso, o direito como fim tem encontro com a dignidade humana.

O direito-meio é aquele que abusa, sem cautela alguma, dos meios para se atender a um “suposto” fim ampliado. O todo se sobrepõe às partes, sem os indesejados direitos das minorias já excluídas do poder.

Em uma expressão tomada de empréstimo do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), a cautela jurídica equivale ao preceito de que, no direito, “os fins não justificam os meios; mas sim, os meios interpõem-se aos fins”.

Juridicamente, a cautela obriga a que o direito não seja meio, e por mais graves que sejam os problemas institucionais do poder. (Pune-se “o abuso de poder” por normativas da Carta Política e outras previsões infraconstitucionais, a exemplo da Lei de Segurança Nacional, dos regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Código de Ética da Advocacia e da Lei Orgânica da Magistratura).

Observe-se que não há que se falar em República, na modernidade, sem os cuidados regulatórios do Estado de Direito. O direito-fim da justiça, portanto, deve sempre prevalecer e sujeitar o direito–meio (poder a todo custo); especialmente por meio de leis e de mecanismos de controle institucionais e populares do poder.

Dito isto, pode-se averiguar como questões políticas e jurídicas da atual conjuntura do país equivalem-se em termos de exceção. A excepcionalidade da crise atual, para os adeptos do direito-meio (poder) levaria, inconteste, à subversão do direito-fim: injustiça. Porém, é óbvio, para termos justiça, não é possível corromper o direito!

A Força Tarefa da Polícia Federal, a Operação Lava Jato, os pedidos de impeachment ou de intervenção militar, a proposta do Senado Federal de um regime semipresidencialista, limitado ou representativo, as várias medidas de restrição do Estado Laico, a deslegitimação dos direitos fundamentais, o enquadramento e a criminalização dos movimentos sociais, o grampo violador da Presidência da República, são algumas pontas de lança do processo de desconstrução do direito-fim.

Ou, em outros termos, todas essas ações político-judiciais, executivas e legislativas visam contornar ou desregulamentar o Estado Democrático de Direito. Para manter ou (re)tomar o poder, com uso do direito-meio, valem as regras de um jogo qualquer de vale-tudo.

Cada um a seu modo, servindo a seus próprios senhores da política, declaram guerra ao direito, propugnam pelo direito-meio (serviçal ao poder) e se subtraem à nomologia: a razão e a ciência de ser das leis democráticas, do Princípio do Contraditório, da Justiça Social, da República, da socialização do direito.

Para os operadores do poder, valem de fato as regras de um direito que se manuseia a bel prazer; notadamente ocorre a deslegitimação do Estado de Direito que se construiu epistemologicamente, na origem de seu sentido, e como fruto do debate/embate político entre as várias classes sociais nacionais.

Quem não se apercebe que na Constituição esse arcabouço é gnosiológico – como matriz da validação e do reconhecimento dos institutos jurídicos –, injustamente/ideologicamente, já se subtraiu à obrigação ontológica (historicamente evolutiva do processo civilizatório) e se coloca a mercê do sofisma excepcional de que, para defender a República, é preciso barrar o direito-fim e a democracia.

Para esses, o direito-meio (confundido levianamente com a Razão de Estado) pode ser invocado livremente, de forma irresponsável ao alcance do próprio Estado de Direito, e que malversa o intuito alegado de se reconstruir.

O direito-meio é instrumental do poder, portanto; ao passo que o direito-fim equivale à justiça popular. Nessa briga pelo poder, a voz rouca das ruas, expandida pelos escaninhos do poder ou do contra-poder (oposição), e a consideração dos juristas subsumidos pelos grupos dominantes e hegemônicos (nas suas várias frações de classe), perde totalmente a legitimidade ao confundir o “destino do país” com o direito-meio.

Esse também é um dos mecanismos da psicologia de massas do fascismo (W. Reich) e da política de resultados: o poder a todo modo é um Poder Nu, sem as vestimentas da civilidade (Einstein).

Desse modo, a obrigação, a tarefa que cabe ao jurista de bem, ao indivíduo politizado, ao homem médio em sua vida comum (não-absurdamente alienado por interesses mesquinhos), é bater-se pelo direito a todo custo.

Porque, se nossa encruzilhada revela que o Estado está contra a sociedade (na situação e na oposição), é preciso ver que hoje, talvez como nunca ocorrera em nosso país, o direito é movido contra o Político, ou seja, contra todos. Triste e delicado momento este em que, os meios do direito (poder) se colocam contra os fins (justiça).

Por isso, também avança a passos largos a edificação de um Estado Policial – no dizer do jurista José Afonso da Silva –, como sustentáculo de um Estado Total, em que a sociedade é emparedada, as liberdades fundamentais violentamente negadas e seus defensores perseguidos, calados ou eliminados do Político.

O período atual, ainda que vejamos o desenrolar dos fatos de camarote ou nos sintamos como parte ativa da história nacional, é dos mais graves e ameaçadores à integridade do bom senso e à dignidade de todo o povo.

É difícil dizer – pelo andar da carruagem, em que posam de justos os nobres do poder – o que virá antes, se o Estado Fascista ou a guerra civil como estertor da luta de classes; antes abafada pelo direito mediador, agora liberada pela política do confronto final, fatal. Nosso fatalismo nunca foi e não é, em suma, de bom convívio.


Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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