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Vinício Carrilho

DISTOPIA PÚBLICA – o que não queremos


 DISTOPIA PÚBLICA – o que não queremos - Gente de Opinião

Políticos e autoridades – bem como cientistas políticos – estão tentando entender a dimensão, o significado, o alcance dos últimos movimentos sociais que abalaram a calmaria e a letargia polÍtica nacional. As respostas anunciadas são muitas: luta contra a carestia social; um não à brutalidade da polícia; insatisfação com os gastos públicos; revolta contra os serviços públicos (expressos nos R$3,20 da passagem em São Paulo). Para mim, sintetizo como distopia pública. Além de vivermos em um estado de distopia pública há tempos – com nuances de regime de exceção, a exemplo da ditadura legislativa –, agora temos uma parcela bem grande do povo se manifestando contra a distopia pública no sentido moral (gritar contra a corrupção faz bem à saúde mental) e institucional (exige-se a melhoria dos serviços, como saúde, transporte, educação). De certo modo, os 250 mil que foram às ruas, que cercearam o direito de ir e vir de outros tantos que queriam chegar em casa, ajudaram-nos a ver que a distopia pública gerou o caos social e a guerra civil: a insegurança generalizada é apenas um sinal. Esse estado de caos levou as pessoas para a rua, em marcha pela democracia e moralidade pública, e apenas ajudou a aumentar a nossa percepção da distopia pública que está na origem de tudo. O caos social, ao contrário do que veem os leigos, não foi provocado pela marcha dos descontentes e sim pelos governantes, autoridades e servidores públicos. O povo esteve e estará nas ruas contras os incompetentes, corruptos, letárgicos, pequenos empoderados, e todos eLes sentiram um pouco a vulnerabilidade que o povo sente todo dia. A imensa maioria dos manifestantes (não chegam a ser ativistas, por falta de ritmo e de clareza nas prerrogativas) é formada por estudantes. Mas, atingido violentamente em sua vida comum, o homem médio, também está se envolvendo. Fala-se agora de uma possível greve geral. Neste caso, o movimento realmente ganharia uma dimensão mais utópica, isto é, com algum horizonte mais bem talhado. Até este momento em que escrevo o mote de tudo é a distopia, o negativo, o nefasto que não queremos mais. Ainda não se formulou a utopia, aquilo que se quer, a positividade das relações sociais. Até agora, os próprios partidos políticos estão sendo vaiados, pois a estrutura política é toda considerada como parte do MESMO vício político – não se faz muita distinção entre as lideranças: farinha do mesmo saco. A ausência de uma liderança profissionalizada no movimento nacional reforça esta análise. O que, em todo caso, não impede que alguns desses venham a se candidatar futuramente, aproveitando as franjas de seu movimento político espontâneo. O espontaneísmo é outra característica do movimento do inverno brasileiro; pois, ainda que tenham lideranças organizativas, as pessoas estão aderindo mesmo sem pauta ou ideologia clara. As pessoas aderem porque se cansaram da distopia nacional e outro exemplo vem da relação custo-benefício aplicado aos impostos pagos: 721 bilhões (quase um trilhão) de reais para que? Há muito que foi feito, mas muito mais do que seria suportável se perdeu no ralo da corrupção e da incompetência. Estamos craques em distopias, o que não queremos, mas qual é mesmo a utopia possível para todos nós? Pois é, o fato de puxarmos pela memória é bom indício de que há décadas não falamos sobre isso. Trocamos a letargia, as facilidades do consumismo e os apelos do niilismo, a apatia do “analfabeto político” de Bertold Brecht pela marcha nas ruas. Hoje, para o bem da consciência e da vida comum, trocamos o Facebook pelo espaço público. Saiam e digam com clareza o que vocês querem. Dessa vez, o mundo olha para o Brasil por causa de algo bom, positivo. Não quebrem nada, mas saiam e gritem o mais alto que puderem.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

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