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Vinício Carrilho

Ditadura lato senso - Por Vinício Martinez


          

Estudiosos do Estado de Exceção e de suas estruturas, no futuro-próximo, encontrarão material vastíssimo nos dois últimos anos da história política no Brasil, dado que há ramificações diárias. Também seremos um celeiro imbatível, para governantes que queiram promover golpes institucionais sem represálias jurídicas.

Devemos lembrar, ainda, que esta modalidade de tomada do poder substituiu os golpes militares do século XX. Se os quartéis promoviam a “ditadura estrito senso”, hoje abrimos as portas do que chamaremos de “ditadura lato senso”: técnica, a serviço do consumidor, com rapidez e baixo custo, coisa de especialistas.

Porém, para desenvolver esta afirmação, tratemos de exemplificar com uns poucos fatos dos últimos momentos. Veremos que a operação oscila no varejo e no atacado: nas prateleiras está o direito e a Constituição.

Depois do “ápice” em 2016, não é sintomático que um governo não se aplique aos direitos humanos? Isto determinaria sua configuração política, seus ideais, suas práticas e seus valores. Mas, e quando há um Ministério preparado, com estrutura, gente habilitada, selecionada, concursada para “fazer fruir os direitos dos humanos” e este governo extingue a pasta[1]? Teremos um Ministério do capital? Precisa de outro?

            O diretor-geral da polícia federal (nomeado pelo presidente) é instado a se reportar ao Supremo Tribunal Federal (STF) por ter declarado que – sem que o inquérito tivesse chegado ao fim – “nada consta” de participação do presidente da República em medidas provisórias irregulares e tonificadoras de interesses específicos[2].

A Comissão da Verdade foi criada para investigar – ainda que sem punir – os crimes cometidos por civis e militares durante a ditadura militar do pós-1964. O comandante do exército, após a decretação da Intervenção Federal no Rio de Janeiro, pediu, exatamente, segurança jurídica para que “possíveis excessos” não justifiquem outras comissões da verdade no futuro – e que tais excessos não sejam, obviamente, considerados crimes[3].

O general reformado Augusto Heleno também pediu ulterior respaldo jurídico: “O exército precisa de Poder de Polícia e flexíveis regras de engajamento[4]”. Significa: o oficial da cena específica tem poder de matar quem tiver ato ou intenção hostil. O que é hostil? Só ele saberá julgar – sem que ele próprio seja julgado.

O Conselho da República foi consultado depois de expedido o decreto da Intervenção Federal. A Constituição foi atendida com três dias de atraso: um vacilo. Mas, o mais interessante é que, dos presentes, 16 são investigados no STF (50%)[5].

            A população afetada diretamente, com alguma razão, receia que tudo não passe de jogo de cena eleitoral com muita maquiagem[6]. Alguém já advertiu que os militares podem ser reduzidos à condição de porteiros de favelas[7].

No entanto, o contrário seria mais ação, bombardeios, ataques generalizados das forças armadas contra traficantes entrincheirados no meio de crianças, idosos e trabalhadores[8]? Curioso notar que advogados definam o episódio com um “necessário indesejável”, como se não recaísse sobre nós as ataduras do Estado de Exceção[9]. É curioso porque o direito constitucional assim o define. O que se passou?

            Enfim, há uma escalada: Garantias de Lei e Ordem pelo país afora; militares devem responder só perante o código militar, em casos de ação letal contra civis; Intervenção Federal; “possibilidade de mandado coletivo de busca e prisão” (“Holocausto do direito”[10]); o alto comando militar quer mais “segurança jurídica” para não enfrentar julgamentos por matar inocentes. Qual o próximo capítulo desse código?

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)

Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH


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