Sábado, 4 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Do Egito para o Brasil


 

O Direito no Estado de Sítio Político

do Golpe de Estado ao Estado de não-Direito

 

 

Ratio publicae utilitatis, ratio status

Cícero

 

Quem vive pela espada,

Morre pela espada

adágio popular

 

Na atualidade, os golpes de Estado, denominados golpes institucionais, a exemplo do que perpetraram Honduras (2009), Egito e Paraguai (ambos em 2012), retomam temas políticos clássicos. Mais do que um problema jurídico, se cometidos dentro ou fora do Estado de Direito, implicam envolvimentos políticos muito mais profundos: uma intrínseca relação entre a Razão de Estado e o capital (não é a toa que os EUA enviam bilhões de dólares anualmente ao Egito: interesse estratégico). O golpe militar perpetrado no Egito, em 2013, com a deposição do presidente Mohamed Mursi ligado à Irmandade Muçulmana, é  um típico de Golpe de Estado militarizado com apoio popular. No Egito, é claro, há muitas variáveis e nuances a serem analisadas, mas é certo que o golpe serviu para abalar a incidência de movimentos muçulmanos mais radicais e intransigentes – um golpe em defesa do Estado Laico. Em todo caso, assim como em muitos outros casos, trata-se de Golpe de Estado que serve como antessala para impor um Estado de Sítio Político.

No golpe institucional, tal qual ocorre desde a chamada Comuna de Paris, em 1791, e mais recentemente no Paraguai, esquece-se que o medium-direito precisa ser entendido como parte da luta do “mundo da vida” ao requerer/enfrentar o monopólio legislativo e coercitivo, em benefício da globalidade dos interesses sociais, exigindo-se muito mais legitimidade do que a mera legalização.

O Estado de Sítio tem uma origem eminentemente política, como analisara o pensador Karl Marx a partir de 1848, na França e na Europa insurreta contra a Comuna de Paris. Sua forma jurídica foi instituída na Revolução Francesa, num decreto de 8 de julho de 1791; portanto, na análise de Marx, já era instrumento jurídico de defesa do poder absoluto.

O nazismo é outro grande exemplo desse instituto, perdurando por 12 anos. O ponto fulcral é a referência ao uso constante dos meios de exceção e do chamado Estado de Emergência. Neste caso, trata-se de emergência política e, no nazismo, de emergência econômica, pois foi a crise econômica que motivou a Solução Final.

Esta mesma modalidade de regimes de exceção ainda se expressam Estado de Emergência Econômica, como visto em países de terceiro mundo, e a exemplo da guerra civil no Mali, país africano. Neste caso, pode-se ter na economia a justificativa para a decretação da suspensão dos direitos democráticos fundamentais.

Contudo, conceitualmente, Estado de Sítio significa um regime jurídico excepcional a que uma comunidade territorial é temporariamente submetida à negação de direitos fundamentais. As circunstâncias perturbadoras que costumam dar lugar a tal situação são geralmente de ordem política, podendo também advir de acontecimentos naturais, como terremotos, epidemias. Ainda que aqui o mais correto seja denominá-lo de Estado de Emergência, como condição análoga à “calamidade pública”.

O Estado de Sítio pode resultar em simples “medidas de polícia” (por exemplo: suspensão de reuniões) ou em soluções cautelares mais contundentes, como na “suspensão de direitos civis e políticos”. O Estado de Sítio assume configurações diversas, mediante as condições reais em que tenha lugar: distinguem-se sobretudo os casos de guerra explícita (externa ou guerra civil) de outras situações de emergência interna. Não se confunda, entretanto, com o chamado estado de alerta, decretado pela Defesa Civil em casos graves de “intempéries” ou outros problemas de origem natural e que ameacem seriamente à população civil.

Na prática, as diferenças entre o Estado de Sítio Político e o Estado de Necessidade (e que deveriam ser de espécie e de gênero) acabaram reduzidas ao grau — no lugar da qualidade, a “quantidade de tempo” em que os direitos fundamentais sofrem de irrestrita mitigação. É como se a Razão de Estado e o Estado de Exceção fossem o lado quente e o lado frio do poder, respectivamente. Em nome da salvaguarda do Estado, vê-se a sociedade ser vitimada em suas garantias básicas e sem “garantia ao próprio direito à vida”.

O Estado de Sítio Político será a espécie, o próprio processo de transformação da Razão de Estado. Os efeitos naturais são intencionalmente politizados e assim o Estado de Sítio Político acaba pouco diferenciado dessa condição de necessidade: a calamidade natural se avizinha da calamidade política. Historicamente, a necessidade foi “naturalizada”, naturalmente transformada em Estado de Necessidade.

Por sua vez, a Razão de Estado está presente na formação da primeira modernidade, nos séculos XV e XVI, sob a justificativa das lutas pela autoconservação – de lá para cá, para se debelar a guerra civil foi instituído um “novo” regime jurídico em que se nega, exatamente, o direito. Na versão mais atualizada, o Estado de Exceção tanto se vê nos séculos XVIII e XIX, quanto é válido o sentido adotado contemporaneamente do golpe institucional e na ditadura militar egípcia.

O Estado de Sítio Político, como Estado de Exceção,é, portanto, uma atualização desse antigo lastro da soberania do Estado: em virtude da rigidez do poder, não há gozo e fruição de direitos essenciais. Com a perda da autoridade ocorre que se movimentam forças subterrâneas que buscam impor o poder soberano de forma incontestável, agindo com poderes de exceção. O Golpe de Estado nada mais é do que o Estado de Sítio clássico fora (além) dos limites jurídicos (judiciais) estabelecidos anteriormente.

A possível controvérsia jurídica reside no fato de que, no Estado de Sítio Político, é a política que impõe claramente a exceção como violação da liberdade, da democracia, da própria segurança jurídica de todo cidadão. Do ponto de vista institucional hegemônico assim se opera a transformação da Razão de Estado na legalidade pretendida ao Estado de Exceção. Por isso, diferentemente do Golpe de Estado, o Estado de Sítio Político não é uma ilegalidade, uma vez que tem previsão legal.

Nunca é demais lembrar que, uma das máscaras mais comuns ao Estado de Sítio Político é exatamente a alegação de que se age com poder brutal, em decorrência das necessidades de preservação do poder e do status quo e, por fim, como tábua de salvação amparada pelo ordenamento jurídico. O que é estranho, portanto, ao caso egípcio de Mursi, uma vez que a Constituição foi rasgada pelos militares tão logo ascenderam ao poder central.

Já o Estado de Exceção, tomado como Estado de Sítio Político permanente, atua como se fosse uma força especial de ataque, que se mostra e agride e, em seguida, procura o subterrâneo para se refugiar. O Estado de Exceção vive nas sombras da razoabilidade, da racionalidade e se vale da incerteza e da angústia da indefinição que se abre no agredido para triunfar.

O Estado de Sítio Político, enfim, é este estado latente da metamorfose do poder absoluto e que mantem um sobrenome na suposta regularidade jurídica. No Egito, o Golpe de Estado levou ao Estado de Sítio Político (“amparado em lei”) e, no fundo, é apenas o eterno retorno do Estado de Exceção, revelando suas forças subterrâneas e extenuantes, autocráticas, intransigentes. Ironicamente, no Egito, contra o fascismo da Irmandade Muçulmana – que quer impor sua religião pela violência –, o Exército age como mandante de uma força político-militar que é igualmente fascista. Todo Golpe de Estado e, a posteriori, o Estado de Sítio Político, é avesso à ordem jurídica democrática e, é lógico, não podem ser democráticos.

            Por tudo isso, sempre são válidas as lições de Cícero, o maior jurista do mundo romano:

  1. A maior necessidade é a virtude
  2. A política não decorre da necessidade, mas sim da sociabilidade.
  3. Deve-se proteger o Estado contra o furor.
  4. O sucesso repousa na longa sucessão de bons cidadãos.

 

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSábado, 4 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Sábado, 4 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)