Quinta-feira, 23 de setembro de 2021 - 12h12
Houve um Tribunal de Nuremberg no pós-Segunda Grande Guerra Mundial, para o julgamento dos nazistas presos. Os vereditos foram da absolvição, por falta de provas, à condenação ao enforcamento. Houve, portanto, a instituição do chamado Devido Processo Legal.
O que não se tinha, à época,
era uma base jurídica como a que se verifica atualmente no Tribunal Penal
Internacional – este que condenaria, por exemplo, Saddam Russein à pena de
antecipação da morte – também por enforcamento, em 2006.
No entanto, como definiríamos o Tribunal de Nuremberg? De muitas formas, dependendo da visão de mundo que carregamos – vejamos as básicas:
Tribunal de Exceção – este primeiro modelo estaria, idealmente falando, em contraposição à Constituição Federal de 1988: “Não haverá juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, XXVII).
Tribunal de Exceção (igualmente falando), porém, a serviço da Humanidade, do povo oprimido, da classe trabalhadora massacrada em direitos e em dignidade.
Um tipo de “tribunal excepcional” – muito além da excepcionalidade de seu marco histórico, e que, entre 1945 e 1946, enfrentou o enorme desafio de julgar os priores crimes de guerra e contra a Humanidade.
Um tipo de “tribunal
excepcional”, do mesmo modo, todavia, com o principal intuito de basilar novos
caminhos ao Direito Internacional, em acolhimento aos Direitos Humanos – como
excepcional valor humano a ser perseguido e, logo em seguida, declarado sob a
bandeira da Organização das Nações Unidas (ONU - 1946) e sua, nossa, Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948).
Muitas outras afirmativas poderiam/deveriam ser acrescidas. No entanto, nosso objetivo é uma ideia básica do que foi o Tribunal de Nuremberg e como seria se viesse a ocorrer algo assim no Brasil, de 2021.
Antes dessa “especulação”, por sua vez, é interessante entender o que chamamos aqui de Estado de Exceção. Também há muitas formas de avaliar e validar o conceito e nós traremos duas, por sinal, antitéticas, opostas:
O Estado de Exceção está contido no Ordenamento Constitucional e serve como uma reserva de força em defesa da sociedade (art. 137 da CF88) ou da Razão de Estado: veja-se, especialmente, a antiga lei de Segurança Nacional.
O Estado de Exceção que se impõe ao arrepio da Lei Constitucional, por meio de golpes de Estado, por exemplo: ditadura, autocracia. Especialmente quando ocorre a supressão total dos direitos fundamentais populares e se aniquila a separação dos poderes – ou seja, decreta-se o fim absoluto do Estado de Direito Democrático.
E haveria um terceiro tipo, ou subtipo, uma vez que foge à análise jurídica. Essa terceira nomenclatura teria a pauta da história – notadamente a história contra a opressão popular – e seria bem menos limitada ao idealismo ou à retórica jurídica: tem muito a ver com a “justiça ou vingança histórica”, o acerto de contas contra os opressores, os fascistas, os nazistas e todo o gênero de genocidas ou praticantes do Democídio: aniquilamento de camadas populares antifascistas, por exemplo.
Vamos, então, a uma brevíssima interface com esse terceiro tipo:
A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Neste momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo (Benjamin, 1987, p. 225-6 – grifo nosso).
Qual é a regra geral? É essa que em único exemplo se auto esclarece: os brasileiros pobres são livres para viver e morrer embaixo de pontes (menos na capital paulista) ou em bueiros. Essa é a regra do nosso Estado de Direito e corresponde à exceção da dignidade de todos ou pobres e famintos, negros e negras. É a regra que se abate sobre o conjunto da classe trabalhadora. Mire-se no exemplo da única reforma trabalhista, na história humana, em que não se criou sequer um mísero direito trabalhista. Pelo contrário, centenas de regras foram desfeitas da noite para o dia. Essa é a regra que impôs a exceção do direito à vida para 20 milhões de famintos, famélicos, quase esqueléticos como as vítimas nazistas nos campos de concentração. Essa é a regra que transformou a própria Constituição Federal de 1988 em mera exceção jurídica – chamamos isso de Transmutação Constitucional.
Pois bem, qual seria afinal o
“estado de exceção” real, verdadeiro? Seria, segundo Benjamin, aquele que
transformasse essa disparidade jurídica, ética, conforme o genocídio e o
Democídio, em ação política revolucionária, capaz de punir “exemplarmente”
todos os que cometem ou cometeram graves crimes – como gravíssimas violações
dos Direitos Humanos – contra o povo brasileiro.
Não é difícil, portanto, supor
quem estaria no banco dos réus e na corda esticada do “nosso” Tribunal de
Nuremberg. Não daremos nomes aos bois por razões óbvias: o povo sabe de quem
falamos e, se mais falássemos, contra nós se voltaria o Estado de Exceção atual
(brasileiro) e sua perversa Transmutação Constitucional. Como dissemos, o
Estado de Exceção burguês é o que se volta contra a democracia, contra os
opositores do Fascismo. E, além disso, respeitemos a inteligência de quem nos
lê – superior, em todos os sentidos, à inteligência dos que seriam enforcados
no Tribunal de Nuremberg brasileiro.
Referência
BENJAMIN, W. Obras escolhidas - Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. (3ª ed.). São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
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