Domingo, 30 de agosto de 2015 - 15h36
O cineasta brasileiro José Padilha (de "Tropa de Elite") agora desvela segredos e enredos da história do narcotraficante colombiano Pablo Escobar. A série Narcos é uma produção da Netflix, e tem dez episódios. Como foi com Tropa de Elite, deve ser um sucesso de audiência. E aí começa o problema (ideológico).
No lançamento da série, entrevistado, revelou (carisma) que não acredita em ideologias: nem socialismo, nem Escola de Chicago. As teorias sociais não explicam muita coisa. Apontou ainda que acredita na investigação isolada de determinados fatos históricos (por isso, a própria história deixaria de ser uma metanarrativa).
Isto nos interessa ao menos por um bom motivo: o tráfico de drogas é um poder aberto (nu), sem controle e muitas vezes recebe revestimentos do mesmo sistema que supostamente o combate. Nessa linha de argumentação ideológica, muitos defensores da descriminaização do uso de drogas dizem, inclusive, que se elevariam as receitas utilizadas no tratamento de saúde aos dependentes químicos.
Com o que também se vê que o sistema jamais combaterá o capital gerado e financiador do tráfico. A luta nunca foi contra o capital “espúreo” (porque não há capital limpo de sangue), mas tão-somente contra os sonegadores, por não repartirem seus lucros com o sistema. No fundo, todo diamante é vermelho, sujo de sangue, e não porque um lote financiou a guerra/guerrilha na Serra Leoa.
Na América Latina, realmente "o realismo mágico é documental" e Gabriel Garcia Márquez foi o gênio que percebeu com mais clareza o absurdo como protagonista do realismo político: no melhor estilo de uma vaca comendo o tapete do ditador. Agora, enterrar as metanarrativas em um inventário supra-ideológico, como se fossem inexistentes, não é apenas pós-moderno, é retrógrado. Ou seja, não é protagosnismo de "cinema de autor", é pré-moderno.
Ao dizer que não se tem ideologia (revelando-se a própria ação ideológica), dá para entender porque Tropa de Elite teve um efeito ideológico reverso (e perverso) às pretensões do autor: o Capitão Nascismento acabou eternizado e eternizou a exceção. O formato BOPE é exceção. Mas, como se acredita no fim da ideologia, tornou-se a própria regra, a máxima dos que acreditam no fim da mentira do sistema.
Ironicamente, revelou-se ainda o absurdo do senso comum: combater ideologia com outra ideologia – Tropas Especiais especializadas em contra-ideologia (faz algum tempo que abandonamos a contra-inteligência). Porém, como a ideologia não tem fim e o sistema não acaba, a série Tropa de Elite esgotou seu repertório.
Desse modo, aprendemos que o realismo é controverso, perverso (muito pior do que as ideologias), vingativo e cobra tributos muito caros – especialmente para quem acredita ser possível acabar com a(s) ideologia(s) com passe de mágica. Esse talvez seja o melhor conteúdo do realismo mágico revelado por um romance como A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile, do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez[1].
O trágico, no entanto, é que o realismo mágico não faz trocadilhos, apenas apresenta cruamente o realismo dos fatos – sendo que o mais ilusório deles é crer no fim ou na superação da ideologia e que não seja por meio da Ciência Social, isto é, uma metanarrativa. Assim, percebemos que, quando há ausência de conhecimento científico, teórico (ou metanarrativa), as ideologias fervilham como essa aposta na crença pós-moderna de que o local explica o global.
Se houvesse Ciência Social saberia que esse pensamento é herdeiro do puro positivismo de Auguste Comte, seguindo-se o caminho funcionalista de Emile Durkheim (e os sistemas de Talcot Parsons). Não há nada de revelador e nem de anarquismo combatente. É pura ideologia de quem não se sabe positivista/sistêmico.
O que ainda desvela (no combate à ideologia sistêmica) parte do momento atual em que as elites sem tropas inteligentes fazem uso reiterado de tropas de assalto. Por fim, este é o sistema que não se combate, perdulário da Realpolitik e que se revigora nas forças de exceção.
Além da pequena análise – do fato pequeno, isolado em si mesmo – esconder o “julgamento de realidade”, nao vislumbra os conteúdos de classe, de relação social, do poder que se hegemoniza na “lavagem do capital”.
Não embarquemos nesse sonho irrealizável e tão bem contado para as crianças do tráfico: imortalizadas no fogueteiro entregue aos lobos do capital. Definitivamente, não é possível combater o crime com outro crime ainda pior: o de esconder a realidade na fantasia do fim da ideologia.
Ainda que possamos entender ideologia como “conjunto de ideiais ou de ideais” (Karl Mannheim) ou visão de mundo, quero uma pra viver. Não suportaria a ideia de pensar que tenho a cabeça vazia de sentidos.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de