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Vinício Carrilho

ESCOLA SEM NOÇÃO


ESCOLA SEM NOÇÃO

ou incapacidade cognitiva

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

Para meu desgosto, como fui instado a ler o Projeto Escola sem Partido (PL$ 193/2016), sei que terei problemas estomacais no resto do dia. Em todo caso, já que mergulhei no lodo da “escola sem noção”, abro aqui o inciso I, do artigo 2º: “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”.

Bom, se o Estado não fosse cordame da Bancada Evangélica e quetais, com proposituras recebidas do ator pornô Alexandre frota, até que valeria a recomendação inerente ao Estado Laico. Será que o autor do projeto sabe o que isso significa e representa?

            Quanto a ter uma neutralidade política do Estado, é o mesmo que esperar do direito uma função que não seja legal. O direito pode ser imoral, ilegítimo, injusto e mesmo assim terá uma conotação legal. O Estado pode ser financiador de terrorismo ou de pacifismo, zelar pelo povo ou se voltar contra ele.

Portanto, o Estado nunca será – por absoluta concordância lógica – neutro politicamente. Se os legisladores prenhes de sabedoria no Poder Legislativo, e o nome já diz que é um poder, estudassem o mínimo, saberiam que o Estado corresponde ao Poder Político. Ou seja, como imaginar que possa haver um poder sem ser político?

            Alguns pensaram desse modo no século XIX; mas, sem sucesso diante da realidade, estão relegados ao esquecimento do mundo real. Pois bem, como se não bastasse, o tal PL – de quem nunca estudou qualquer assunto a sério, a não ser a contabilidade dos donativos que não pagam tributos – ainda tem a capacidade de propor uma neutralidade ideológica do Estado ou do Poder Político.

            Sem muitas conjecturas sobre o que seja ideologia – se é uma mentira, uma névoa sobre o real, uma tomada parcial, disforme, distorcida da realidade –, basta-nos pensar em dois sentidos bem “neutros”: “conjunto de valores” (Karl Mannheim); “visão de mundo” (Michel Löwy). Acaso existe uma visão de mundo que não seja parcial?

Além disso, como ressalta Löwy (1975), não há nem mesmo “um trabalho empírico neutro”; pois, é “como se a escolha das questões não determinasse, em larga medida, as respostas mesmas!” (p. 16).

            De todo modo, retomemos com os não-marxistas (de Karl Marx), para ver que também são sábios – quando estudam de verdade. Em Mannheim: “Os objetivos educacionais da sociedade não podem ser adequadamente entendidos quando separados das situações que cada época é obrigada a enfrentar e da ordem social para a qual eles são formulados” (1979b, p. 89-90 – grifo nosso).

O sociólogo Antony Giddens (1998), segue a trilha de Max Weber (1979) e de Mannheim (dois sociólogos clássicos): “O ato de fundar é uma “teorização política” precisamente porque os princípios inferidos a partir do trabalho dos fundadores legitimam dimensões básicas da atividade intelectual” (p. 14-15 – grifo nosso). Como se lê, não há ato que não seja político. Aliás, já dizia Aristóteles (2001).

Agora, como querem os marxistas: “estudar profundamente a teoria em suas fontes originais e não em fontes de segunda-mão” (Hobsbawm, 1991, p. 21). O recado é simples e direto: estudar quem e o que presta!!

            Nunca pensei que cairia tão bem a recomendação clássica: “o próprio educador deve ser educado” (Marx, 1984, p. 126). Do que decorre outra, deixem a educação para quem estudou. A conclusão, igualmente óbvia, neste item, é que não se explica a um jumento que ele é jumento. Quem não frequenta a escola não pode falar de educação.

Para o jumento que se propõe a tratar da educação, em todo os sentidos, é preciso dizer que o clássico é altamente especializado, mas o que impede sua miopia é esta disposição para ver(sem medo) de uma posição privilegiada, mas não do alto em postura insípida, inodora arrogante, superior.

O clássico ultrapassa seu tempo porque está aberto e sensível à visão longitudinal e latitudinal da realidade. O clássico reinventa os significados, os sentidos e enfrenta as conclusões muito alusivas, lendárias, óbvias ou até levianas (PL 193/2016), em algo surpreendentemente inovador, transformador, quase fantástico.

Todo clássico tem o holos como referência porque quer saber de tudo um pouco, sabendo muito de algo em especial e, por isso, o clássico tem os olhos abertos para o futuro. O resto – como resto mesmo – é pura ignorância. Ou como disse de forma célebre e objetiva, o físico Isaac Newton: “Se vi mais longe, foi porque estava sobre os ombros de gigantes”.

Por fim, resta dizer (igualmente como resto) que se o projeto não passa na análise do primeiro inciso, não há que se gastar mais tinta com defunto ruim. Essa é nossa contribuição para os soberbos que o propõe. Mas, se alguém quiser debater, é só chamar. Tem muito mais de onde veio esse breve texto. Apesar de não me dedicar a explicar o que seja burrice solene.

Bibliografia básica

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo : Martins Fontes, 2001.

GIDDENS, Anthony. Política, Sociologia e Teoria Social. São Paulo : Editora Unesp, 1998.

HOBSBAWM, Eric J. Introdução. IN : Formações Econômicas Pré-capitalistas. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1991.

LÖWY, Michael. Método dialético e teoria política. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1975.

_____ Ideologias e Ciência Social: elementos para uma análise marxista. São Paulo : Cortez, 1989.

MANNHEIM, Karl. Funções das gerações novas. IN: FORACCHI, Marialice M. (org). Educação e Sociedade. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1979.

_____ A educação como técnica social. IN: FORACCHI, Marialice M. (org). Educação e Sociedade. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1979b.

MARX, Karl. A ideologia alemã: Feuerbach. São Paulo : Hucitec, 1984.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1979.

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