Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Espírito Público


            Dois grandes julgamentos seguidos trazem à tona a história das “penas duras”. A pena de antecipação da morte, bem como as penas cruéis e degradantes são proibidas constitucionalmente no Brasil. Nenhum projeto de emenda constitucional ganhará êxito porque o direito à vida, como direito fundamental, garante que essas penas sejam afastadas do cotidiano jurídico nacional. Mas, o que garantiria que as próprias cláusulas pétreas são sofreriam mudanças em sua substância a fim de que essas garantias fossem removidas e, em seu lugar, fossem incluídas as tais penas duras e finalizadoras?

            Ao contrário do que se debate em termos de impedimentos legais a essas mudanças profundas na ordem constitucional, o que garante o direito à vida é o nível de profundidade republicana que já alcançamos. Este alicerce republicano, estampado na defesa de um mínimo de moralidade e de racionalidade evolutiva impediria que déssemos um passo atrás. O Brasil já conheceu a pena de morte na época do Império, então, voltar a esta pena seria o equivalente de retroagir. Juridicamente, republicanamente, seria um processo involutivo.

            A moral republicana, descontados os debates ideológicos inesgotáveis, pode ser sumariada como uma fase de amadurecimento dos valores públicos em que o Estado não mais se resume a um aplicador da vingança pública. O Estado Republicano não mais se vê como refém da cultura popular, como um microfone aberto ao queixume e ao senso comum. O Estado Republicano é um profundo indutor de cultura pública, modificando o direito e a atividade política. Este pensamento republicano tem um extenso papel modificador da sociedade, movido por um princípio educativo. Este tipo de Estado tem um aporte civilizatório, socializador. Herdeiro do jusnaturalismo, do Iluminismo, o Estado da República é elucidativo, esclarecedor da condição humana. Não é, portanto, um mero extensor das práticas institucionais focadas no controle social.

            O Estado repressor – hoje aplica-se a pena de morte, amanhã haverá redução nos níveis de liberdade política, sindical, social – é o oposto da perspectiva propriamente republicana da política. Ao contrário de se estimular a inclusão social por meio do fortalecimento da autonomia, invoca-se a heteronomia a ser impulsionada por esse tipo de Estado Penal. Um Estado Penal que, como se estampa no nome, conhece sua sobrevida na paralisia e no represamento do esclarecimento e da extensão da responsabilidade social. Essas penas, obviamente, não motivam a consciência republicana, não aprofundam o senso de responsabilidade pública, logo, não concorrem para a inclusão social.

Neste sentido, o Estado Penal lastreado nas penas cruéis e degradantes é um Estado de Exceção, uma vez que são penas que seguem a lógica da exclusão social. Ninguém será humanizado com a prática da tortura pública, do mesmo modo que ninguém será incluído pelo banimento social ou pela execução autorizada pelo Estado. As penas definitivas, cruéis são uma degradação da moralidade pública, constituem uma depreciação dos ganhos civilizatórios e evolutivos que a duras penas conseguimos alcançar. Permitir este retrocesso seria pouco inteligente e um desserviço à Humanidade. Essas penas são uma degradação moral do ponto de vista do aprofundamento dos pressupostos do pensamento e das práticas sociais e institucionais republicanas.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia

Departamento de Ciências Jurídicas

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

O terrorista e o Leviatã

O terrorista e o Leviatã

O que o terrorista faz, primordialmente?Provoca terror - que se manifesta nos sentimentos primordiais, os mais antigos e soterrados da humanidade q

Direitos Humanos Fundamentais

Direitos Humanos Fundamentais

Os direitos fundamentais têm esse título porque são a base de outros direitos e das garantias necessárias (também fundamentais) à sua ocorrência, fr

Ensaio ideológico da burocracia

Ensaio ideológico da burocracia

Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de

O Fascismo despolitiza - o Fascismo não politiza as massas

O Fascismo despolitiza - o Fascismo não politiza as massas

A Política somente se efetiva na “Festa da Democracia”, na Ágora, na Polis, na praça pública ocupada e lotada pelo povo – especialmente o povo pobre

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)