- judicialização da política
- politização do Judiciário
Neste momento de grave instabilidade institucional pelo qual passamos, com o chamamento cada vez mais iminente do Poder Judiciário a fim de solucionar crises políticas, jurídicas, morais, é preciso distinguir duas questões básicas.
A “judicialização da política”, tão requerida nas ruas e nas redes sociais, implica que a falta de ética na política, com o cometimento de crimes diversos contra a Administração Pública, infelizmente, parece essencial.
A regra deveria ser o zelo diante do erário, da coisa pública, mas a regra da corrupção se impõe. O Legislativo, fiscal regulador do Executivo, certamente é o baluarte nessa condição de exceptio.
Basta ver que o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, é réu há quatro meses, sem julgamento, no STF (Supremo Tribunal Federal). Sem contar as centenas de acusados ou de réus que persistem no Congresso Nacional: Câmara e Senado Federal.
Se somarmos todos os postos do Executivo – federal, estadual e municipal –, investigados judicialmente, a outras centenas de deputados estaduais, distritais e vereadores, então, a soma chega sem dificuldade à casa dos milhares entre investigados, condenados e presos.
Pois bem, aqui se retratou sumariamente a questão da “judicialização da política”, ou seja, quando a política vira caso de justiça e de polícia. Se em toda cultura moderna há corrupção, vemos que lá fora figura como exceção.
Ao passo que neste país é regra; diz-se, enaltecendo, que: “rouba, mas faz”. Impõe-se, assim, a regra da exceção, naturalizando-se a corrupção. O verbo que indica apodrecimento também revela que: o eleitor não se distingue do representante do povo.
Nesta soma-zero, o povo elege quem mais o oprime e vilipendia em interesses e direitos. Sob esta regra da exceção, a regra da boa conduta é que é a exceção. Isto é, a exceção à regra é o justo; e o injusto é a regra.
Aqui, a cultura do apodrecimento das relações sociais e formais apresenta-se como regra que tem na corrupção o meio e a guia: como exceção no mundo ocidental, a corrupção é regra quase absoluta na cultura política nacional.
Se não bastasse, o Judiciário que eventualmente pune os políticos profissionais é, por sua vez, cada vez mais diretamente afetado pelas mesmas forças políticas que avalia. O efeito se denomina de “politização do Judiciário”.
Além do fato de que o direito, em definição óbvia, está para o poder – lembremo-nos de que o Poder Legislativo produz o direito –, agora observamos como o poder se apodera facilmente do direito.
De tanto chamar a política para si, o Judiciário acabou por politizar suas decisões. Ora se partidariza, ora imiscui-se em declarações voluntariosas e ideológicas em torno de questões que, na imensa maioria do ocidente, seriam problemas técnicos.
Exemplo notável dessa politização do Judiciário está na permissão – por omissão – de que o presidente da Câmara (réu no STF) presidisse o processo de impeachment da Presidência da República.
Por omissão, o próprio STF permitiu que a exceção (réu em processo crime contra a República) se tornasse porta-voz e condutor das regras de “moralidade pública”. Se o Judiciário toma partido, por óbvio, a própria justiça resta como exceção.
Afinal, na prática, um réu presidiu o julgamento de outro réu – e sem contar que o primeiro réu (Cunha) tinha interesse imediato neste processo, uma vez que se consagrou como vice-presidente não eleito para este cargo.
Por esta articulada relação entre judicialização da política e politização do Judiciário, em análise simplificada, soa evidente a condição do Poder Político nacional. Estamos em total Estado de Exceção.
Frisando-se que o Estado de Exceção é muito mais sofisticado do que a mera previsão constitucional do Estado de Sítio. O pior dos casos combina a corrupção e a injustiça como regras, impõe a exceção como “justiciamento” e a justiça como exceção.
Resumindo: somos presas fáceis de dois problemas gravíssimos e evidenciados pela democracia ocidental: a judicialização da política e a politização do Judiciário. Pela judicialização, vemos os políticos profissionais nas barras da justiça, mas bem poucos são presos; na extremidade da politização do justo, vemos o Judiciário tomar partido diante das barbas da mesma política formal anteriormente investigada. Uma leva à outra e vice-versa, em condição excepcional; bem como uma eleva a outra a uma potência inimaginável de corrupção ou de acomodação ao status quo. Meandros e escaninhos judiciais e políticos, imorais e antipopulares, encontram-se no infinito paralelo do poder hegemônico.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH