Terça-feira, 7 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Estado de Exceção burlesco, brutal e surreal


 
 
- judicialização da política
- politização do Judiciário
 
Neste momento de grave instabilidade institucional pelo qual passamos, com o chamamento cada vez mais iminente do Poder Judiciário a fim de solucionar crises políticas, jurídicas, morais, é preciso distinguir duas questões básicas.
 
A “judicialização da política”, tão requerida nas ruas e nas redes sociais, implica que a falta de ética na política, com o cometimento de crimes diversos contra a Administração Pública, infelizmente, parece essencial. 
 
A regra deveria ser o zelo diante do erário, da coisa pública, mas a regra da corrupção se impõe. O Legislativo, fiscal regulador do Executivo, certamente é o baluarte nessa condição de exceptio. 
 
Basta ver que o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, é réu há quatro meses, sem julgamento, no STF (Supremo Tribunal Federal). Sem contar as centenas de acusados ou de réus que persistem no Congresso Nacional: Câmara e Senado Federal.
 
Se somarmos todos os postos do Executivo – federal, estadual e municipal –, investigados judicialmente, a outras centenas de deputados estaduais, distritais e vereadores, então, a soma chega sem dificuldade à casa dos milhares entre investigados, condenados e presos.
 
Pois bem, aqui se retratou sumariamente a questão da “judicialização da política”, ou seja, quando a política vira caso de justiça e de polícia. Se em toda cultura moderna há corrupção, vemos que lá fora figura como exceção. 
 
Ao passo que neste país é regra; diz-se, enaltecendo, que: “rouba, mas faz”. Impõe-se, assim, a regra da exceção, naturalizando-se a corrupção. O verbo que indica apodrecimento também revela que: o eleitor não se distingue do representante do povo. 
 
Nesta soma-zero, o povo elege quem mais o oprime e vilipendia em interesses e direitos. Sob esta regra da exceção, a regra da boa conduta é que é a exceção. Isto é, a exceção à regra é o justo; e o injusto é a regra.
 
Aqui, a cultura do apodrecimento das relações sociais e formais apresenta-se como regra que tem na corrupção o meio e a guia: como exceção no mundo ocidental, a corrupção é regra quase absoluta na cultura política nacional. 
 
Se não bastasse, o Judiciário que eventualmente pune os políticos profissionais é, por sua vez, cada vez mais diretamente afetado pelas mesmas forças políticas que avalia. O efeito se denomina de “politização do Judiciário”.  
 
Além do fato de que o direito, em definição óbvia, está para o poder – lembremo-nos de que o Poder Legislativo produz o direito –, agora observamos como o poder se apodera facilmente do direito. 

De tanto chamar a política para si, o Judiciário acabou por politizar suas decisões. Ora se partidariza, ora imiscui-se em declarações voluntariosas e ideológicas em torno de questões que, na imensa maioria do ocidente, seriam problemas técnicos. 
 
Exemplo notável dessa politização do Judiciário está na permissão – por omissão – de que o presidente da Câmara (réu no STF) presidisse o processo de impeachment da Presidência da República. 
 
Por omissão, o próprio STF permitiu que a exceção (réu em processo crime contra a República) se tornasse porta-voz e condutor das regras de “moralidade pública”. Se o Judiciário toma partido, por óbvio, a própria justiça resta como exceção.
 
Afinal, na prática, um réu presidiu o julgamento de outro réu – e sem contar que o primeiro réu (Cunha) tinha interesse imediato neste processo, uma vez que se consagrou como vice-presidente não eleito para este cargo. 
 
Por esta articulada relação entre judicialização da política e politização do Judiciário, em análise simplificada, soa evidente a condição do Poder Político nacional. Estamos em total Estado de Exceção. 
Frisando-se que o Estado de Exceção é muito mais sofisticado do que a mera previsão constitucional do Estado de Sítio. O pior dos casos combina a corrupção e a injustiça como regras, impõe a exceção como “justiciamento” e a justiça como exceção. 
 
Resumindo: somos presas fáceis de dois problemas gravíssimos e evidenciados pela democracia ocidental: a judicialização da política e a politização do Judiciário. Pela judicialização, vemos os políticos profissionais nas barras da justiça, mas bem poucos são presos; na extremidade da politização do justo, vemos o Judiciário tomar partido diante das barbas da mesma política formal anteriormente investigada. Uma leva à outra e vice-versa, em condição excepcional; bem como uma eleva a outra a uma potência inimaginável de corrupção ou de acomodação ao status quo. Meandros e escaninhos judiciais e políticos, imorais e antipopulares, encontram-se no infinito paralelo do poder hegemônico.
 
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
 

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 7 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Terça-feira, 7 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)