Sexta-feira, 25 de março de 2016 - 13h07
Estado Esquizofrênico
Um ataque frontal à liberdade
É uma tarefa bastante complicada definir o momento atual pelo qual passamos; todavia, se procurássemos um nome para conceituar o poder, poderíamos dizer que se trata de um Estado Esquizofrênico.
Em todo caso, o que é esquizofrênico? Há inúmeras acepções científicas e/ou ideológicas que recepcionam o termo: na antropologia, psicologia, sociologia, ciências políticas ou na filosofia. Além de suas implicações jurídicas, tentaremos um sentido propriamente político.
Inicialmente, partimos da ideia de que se trata de doença psíquica. Logo, aproximando-se os sentidos, teríamos uma doença psíquica com efeito multiplicador nas relações políticas e humanitárias.
Os efeitos são especialmente amplos a ponto de inferir significados políticos fora da “normalidade”, do bom senso, da condição regular que rege a vida comum do homem médio. Suponha um sistema de saúde inteiro contaminando quem passa por seu atendimento. Imagine o Poder Judiciário que se nega a servir ao direito.
Nesse modelo, o legalismo e a burocracia tornam-se valores dominantes com uma velha mentalidade da administração rígida e presa a formalismos, e que obstrui a autonomia e a liberdade necessárias ao Estado Moderno. Utilizando-se, para tanto, do manto da legalidade.
Paradoxalmente, defende-se uma gestão pública engessada que dê conta de exercer suas atividades em um mundo inovador e flexível, denominado “Era da Informação” (CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. São Paulo : Paz e Terra, 2000. v. 1. ); mas que, continua empregando os mesmos meios de controle de séculos passados.
Se este caos – pois, toda doença traz implicações de desarranjo, desordem na rotina das coisas mais óbvias e regulares –, avolumando-se para o Político, chega a entortar, corromper, apodrecer a originalidade dos princípios, podemos ver em que condições forma-se um Estado Esquizofrênico.
As consequências, ou diríamos sintomas, dessa doença crônica se espalham por todo o Estado: as instituições estão paralisadas aguardando portarias que as autorizem a agir. Obras estão atrasadas enquanto se discutem detalhes da confusa Lei de Licitações, sendo que sequer as instituições que lidam com ela no dia-a-dia possuem o mínimo de segurança quanto a sua interpretação.
Enfim, quase tudo tem se tornado proibido sob a elegante desculpa da legalidade, ao passo que se privilegia o formalismo exacerbado e a desconfiança.
No entanto, não é tudo. A esquizofrenia política aqui esboçada revela um duplo sentido para as próprias ações do poder: ora age como santo apaziguador das relações sociais convulsionadas, ora atua como provedor de golpes no destino do próprio poder.
Normas constitucionais, absolutamente claras, perecem obscuras quando confrontadas por portarias e resoluções emitidas (in)justamente por aqueles que deveriam combater o uso particular das instituições públicas.
Doença semelhante já acometeu a Itália no pós-Operação Mãos Limpas, na década de 1990: ao combater a máfia, o crime altamente organizado e enraizado na cultura política e popular, a ação do Judiciário trouxe e reforçou a máfia dentro do Estado.
Realmente, trata-se de um sentido bastante “louco” para as coisas públicas: quer dizer, o Mal que deveria ser combatido se torna ainda mais forte a ponto de contaminar todos os tecidos do organismo que, anteriormente, tinha pelo menos alguns órgãos sadios.
Uma das possibilidades, talvez a mais aceita, indica que se empregaram meios (remédios) errados ou em doses cavalares que colocaram o enfermo em estado terminal. Outra aponta para os fins: realmente queriam abalar a Máfia?
Voltando ao Brasil: por aqui ninguém se entende. Os Poderes não se acertam entre si, ainda que seja ensinado nas faculdades de direito que os mesmos devem ser harmônicos, na verdade, na maioria das vezes, são repelentes.
O Executivo exerce sua atividade tutelado e fragilizado, sob a batuta dos Tribunais de Contas; obrigado que é a optar entre “não fazer algo”, ou “fazer algo”, correndo o risco de ter graves problemas futuros, o gestor cada dia mais se acovarda e “nada faz”. Não fazer nada é a melhor maneira de manter a “ficha limpa” e garantir a sobrevivência política.
O Judiciário legisla por portarias e resoluções que chegam a se contrapor ao texto constitucional. Quando chamado a exercer a nobre tarefa hermenêutica, não raramente prefere a facilidade da submissão passiva à jurisprudência vinculante, ou exageram na dose, literalmente legislando. Ou, como diria o jurista Luis Alberto Warat, aplicam as “regras” do jogo em que há somente há uma regra: não há regras.
Correndo por fora, o Legislativo busca cotidianamente julgar ou executar tarefas administrativas que lhe garanta manchete no próximo jornal das oito.
De todo modo, aprendemos com a história latina do direito que os fins são condicionados e resultantes dos meios atualizados. Assim, o combate à corrupção – diagnosticado como remédio judicial – não pode exalar a exata anulação de outros remédios jurídicos já prescritos. Este é caso do prognóstico dos direitos fundamentais.
Nenhum médico que se preza receita um remédio que anula os efeitos de outros medicamentos, especialmente os que sejam ainda mais caros à saúde do paciente. Menos ainda se o segundo remédio, de efeito imediato, traz consigo inúmeros efeitos colaterais. O mesmo se dá com os remédios jurídicos: o combate à corrupção não pode ter efeito avassalador sobre o Estado de Direito.
Enfim, quando isto ocorre, no exemplo deste país, afirma-se cambaleante, nauseabundo, contaminado, quase-morto, um Estado Esquizofrênico. Ou pior, afirma-se trazer a justiça e a verdade política; quando, ao contrário, trata-se de um Estado Esquizofrênico provocador de imoralidades, ilegalidades, mentiras e deturpações jurídicas.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
Daniel Casella
Mestre em Direito, advogado em Direito Público e professor universitário
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