Domingo, 24 de novembro de 2013 - 13h08
O Estado Democrático de Direito Socialé uma complexa estrutura política e jurídica de empoderamento e de segurança institucional, reafirmando-se a qualidade de uma Constituição em que os direitos sociais serão cumpridos com eficácia e eficiência jurídica e social. Sinteticamente, pode-se dizer que o Estado Democrático de Direito Social incorporou os Princípios Gerais do Direito (desde a Roma antiga), a essência do ideal republicano (no pós-Revolução Francesa), a estrutura federalista (que se seguiu à Revolução Americana), a regulação normativa do chamado Estado de Direito (século XIX).
No século XX foram impostos ao Estado Constitucional, efetivamente, os direitos sociais e trabalhistas e, no século XXI, os direitos coletivos e difusos foram incrementados ao ideário humanista. As sucessivas conquistas político-jurídicas e institucionais foram absorvidas e, assim, elevaram o quantum de energia civilizatória acrescida ao próprio Estado originário.
Como se vê, a ideia de direitos imutáveis (ou direitos naturais que foram positivados como direitos ou garantias fundamentais) refere-se à defesa da sociedade diante de um Estado que tende à centralização. Desde que se assegurou o direito de restrição ao arbítrio, o fluxo de conquistas tornou-se inolvidável. Guardar o Direito que impede o arbítrio é o objetivo de toda cláusula de pedra. Portanto, neste caso, a proteção da cláusula pétrea é uma garantia democrática e a cláusula a ser resguardada é a que verifica serem os direitos sociais também direitos fundamentais. É um Estado Garantista[1] versado em assegurar que a Justiça Social (equidade e legitimidade) seja uma das qualidades Éticas do Estado e da sociedade, como conquista e promoção da Justiça Política[2]. Tratar-se-ia de um Estado em estreito compromisso com a Ética e não sumariamente submetido à lógica de dominação da eficácia econômica.
Dito dessa forma, por Estado Democrático de Direito Social entende-se a organização do complexo do poder em torno de instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (tendo-se por a priori o Poder Constituinte), no exercício legal do monopólio do uso legítimo da força (violência organizada), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos), sob a égide constante da cidadania democrática, regulando-se pelo princípio da supremacia constitucional e na vigência plena das garantias, das liberdades e dos direitos individuais, sociais e coletivos, estabeleça o bem comum, o ethos público, em determinado território, e de acordo com os preceitos da Justiça Social (a igualdade real), da soberania popular e consoante com a integralidade do conjunto orgânico dos direitos humanos, no tocante ao reconhecimento, defesa e promoção destes mesmos vetores humanos. De forma sintética, pode-se dizer que são elementos político-jurídicos que denotam uma participação soberana radical e profunda, como consciência que se enraíza nos problemas e decorre das responsabilidades sociais[3].
Mas, o que é o Estado Pós-Moderno?
O Estado Pós-Moderno é um tipo que aqui chamaremos de Estado Mundi.
Contudo, iniciemos pelo sentido lato de pós-modernidade. Trata-se de um período, uma determinada era, em que as categorias consideradas clássicas, tradicionais – as mais fortes, como a estatalidade, a estabilidade, a previsibilidade, a razoabilidade e a proporcionalidade –, viram-se abaladas senão destruídas em virtude de fatos/fenômenos de intensa instabilidade, fragmentação, insegurança, indeterminação. Entre o cristal e a fumaça, entre o certo e errado, intermediando a fortaleza e a vertigem, pode-se definir nesses termos, inicialmente, o período em que nos encontramos. Por isso, também chamado de Modernidade Tardia, é um tempo em que se margeia um deslocamento bastante rude ou grave das instituições, do Estado e do Direito. Entre o sólido e o fluído, nesta fase não se distingue com certeza, clareza, as diferenças/distinções entre móvel ou o movediço e a própria areia movediça. É assim que nos sentimos, meio perdidos, sem contar as respostas tradicionais, acomodadas nas experiências pretéritas. Também não sabemos as perguntas certeiras que devemos fazer. Estamos (ou somos) atônitos; alguns atordoados.
O Estado Pós-Moderno, portanto, seria uma forma-Estado em que todas as características do Estado Moderno (formadas no século XVII) deveriam desaparecer, sendo a modernidade política ultrapassada por uma estrutura política que seria, digamos, completamente internacionalizada (sem delimitação territorial), indefeso diante da sedição (visto que não haveria nacionalidade) e repleto de cidadãos do mundo (elitizados ou não). Enfim, teríamos um Estado Mundi que desconheceria todo tipo ou efeito de argamassa social. Isto é, por definição, para não-reinar uma contradição entre-os-termos, um Estado Pós-Moderno não poderia reconhecer o povo, o território e a soberania como partes integrantes de sua grandeza política e natureza jurídica. Outra visão do Estado Pós-Moderno, de fractalização dos elementos clássicos, ainda equivaleria a um conglomerado político completamente tomado, refém da lógica de dominação da eficácia econômica. Neste caso, nem Estado (como viemos entendendo sua configuração, desde a Suméria, no Vale do Ür) haveria, uma vez que o Capitalismo Monopolista de Estado seria absolutizado, de tal forma que o Estado e a política subsumiriam diante do capital. Seria, em verdade, um tempo de total capitalismo monopolista, mas sem Estado: realmente como um grande escritório a serviço da burguesia[4] monopolista. Todo Estado sólido se desmancharia no lucro econômico.
Assim, em sentido estrito, não há e nunca haverá nenhum Estado Pós-Moderno; por outro lado, em sentido lato, comparando-se o Estado Atual ao Estado Moderno (um clássico do Renascimento) e ao Estado de Direito (de von Mhol), então, as estruturas políticas e jurídicas foram realmente transformadas. De bases sólidas, assentadas na segurança e na soberania, muitas hastes enrijecidas de poder foram subsumidas por teias jurídicas incontroláveis, ilimitadas pelo monismo jurídico. Da liberdade negativa, restritiva, avançamos inexoravelmente à liberdade positiva; do direito de autocontrole (como dever de não-fazer do Estado) fluímos para as liberdades dos cidadãos e até às garantias públicas. Como força centrípeta capaz de anular a autonomia e se impor como força irresistível (heteronomia), a força coagulante do Estado Moderno (o poder mais intensivo que já se conheceu na história humana), converteu-se em força abrangente, em poder expansivo, dispersivo, disruptivo[5].
De Estado Legal de Direito, restrito ao império da lei que obrigava ao pacta sunt servanda, modificou-se como Estado Garante; de justiça material, converteu-se em Justiça Política; de Polis, como Poder Político centralizado, viu-se em metamorfose para um estado de justitia. A mesma força centrípeta foi a parir de então convulsionada para avançar além-mares, para colonizar as mentes já-colonizadas ou colonialistas. Como força centrífuga, o Estado Democrático de Direito Social ultrapassou todas as dificuldades culturais e linguísticas, barreiras políticas e jurídicas, e dinamitou a maioria dos desafios econômicos e ideológicos para se afirmar como modelo ideal.
Pois bem, o Estado Democrático de Direito Social, como modelo ideal europeu e latino-americano, conseguiu recuperar as bases do Estado Moderno: povo, território, soberania. Na União Europeia e no Mercosul (ampliado pela UNASUL[6]), o território tende a ser compartilhado, com redução dos entraves jurídicos e facilitação da diplomacia. Aqui também não há nada mais clássico do que o sonho integralizador de Simón Bolívar[7]. Tendem, projetivamente, a atuar como Federação, no plano interno, e como Confederação, no plano internacional. Em que pese a xenofobia crescente, e que se deve muito mais à crise social do que à recusa em compartilhar os direitos e as garantias comunitárias, o eidos de povo é singular como nunca foi na história humana. Há a ideia de um ideal dividido, mas convivido por bilhões e não milhões de pessoas.
Do Estado Liberal, o Estado Democrático de Direito Social soube agrupar a importância efetiva do espaço do indivíduo, da privacidade, dos direitos civis, da emulação da capacidade do Homem Moderno. Depois, não se furtou à modernidade, abraçou-a motivado pelas lutas em defesa da tolerância religiosa e política, já no século XVII. Sob o Estado Laico enfrentou a Revolução Francesa e viu que a luta pelo direito tinha muito caminho pela frente. Como modelo ideal, diagnosticou-se nas crises sociais europeias de 1848 a oportunidade de fazer avançar as conquistas de uma parte do mundo moderno, em paridade. Foi com muita luta política, sangrenta por vezes, a começar da Comuna de Paris (1781), mas disso saiu o direito de greve, como herdeiro do ius rebelli diante do governo inóspito. O saldo jurídico estava garantido. O Estado traria organização jurídica, controle social e normalização política[8].
No século XIX, já mergulhado nos desafios e entrechoques entre Estado e sociedade (profundamente modificada pelas anomias e antinomias[9] do industrialismo), o Poder Político precisava ser um bastião de segurança institucional aos grupos sociais mais significativos (leia-se burguesia). Como Estado de Direito, governo regulado por leis e que atua mediante leis, os bastidores do Poder Político foram limitados em suas alcovas e de sua juridicidade obtivemos as primeiras primazias do Poder Público. Este movimento institucional é definitivo, pois somente sob o Estado de Direito se pode visualizar mais claramente a diferença/transformação do Poder Político em Poder Público.
Entende-se o Poder Político, preliminarmente, como o poder centralizado e organizado sob a forma-Estado, e ainda que o sentido amplo de Poder Político se aproxime mais de um organismo político inaugural do que do próprio Estado Moderno. O objetivo, a justificativa do Poder Político é a própria Razão de Estado. Por outro lado, o Poder Público deve ser compreendido na fórmula de um Estado per leges e sub lege, em que o poder ex parte princips sofra uma inversão irreversível como poder ex parte populi. Assim, o objetivo e as configurações do Poder Público obrigam a que o Estado Político sirva à sociedade e não se sirva dela.
No século XX, como Estado Social inaugurado pela Constituição Mexicana (1917) – seguindo-se pela “Declaração dos Direitos do povo trabalhador e explorado" (1918) e da Constituição de Weimar (1919) – os direitos sociais e trabalhistas seriam apenas a antessala dos direitos difusos e coletivos, e que se veriam como direitos que detonaram os limites do individualismo jurídico.
No pós-2ª Guerra Mundial, o Estado Moderno teria de assegurar que a soberania popular jamais voltaria a ser violada – em razão da clássica soberania constitucional e da Razão de Estado que a manipulava – e assim os golpes constitucionais, a exemplo do Estado Nazista, deveriam ser evitados a todo custo. A Constituição de Bonn (1949), a Carta Italiana (art. 3º)[10], a Constituição Espanhola e a Carta Política portuguesa são marcos definitivos neste sentido. Todos estes documentos constitucionais são marcos de um Estado embalado pelo Princípio Democrático. Lembramdo-se que este princípio é demarcado, assegurado pelo ideal de justiça compartilhada – o Estado de direito democrático[11].
É daí que vem nossa maior inspiração a fim de hoje podermos comemorar 25 anos de democracia constitucional. É óbvio que há muitos problemas constitucionais, como a baixíssima permissibilidade legal de participação popular. Quase limitada aos plebiscitos e referendos de interesse do poder de plantão, por exemplo, a iniciativa popular não pode ser utilizada como mecanismo promovedor de emendas constitucionais. Mas, é por isso que nada presta? É claro que não, apenas o bebê precisa de água limpa para ser lavado; pois nunca se justificou jogar o bebê com a água suja.
Hoje, diante dos desafios humanitários, socioambientais da “pós-modernidade”, o novo/velho desafio é consagrar os direitos da humanidade, os direitos de solidariedade internacional, a reserva de valor moral e jurídica em defesa dos mais desprotegidos – dentro e fora de cada Estado-Nação. O Estado Democrático de Direito Internacional (ou como se queira: Estado Democrático de Terceira Geração[12]), por definição de seu próprio título, não pode se restringir às necessidades internas.
Muito além disso, fala-se de uma responsabilidade pública internacional, em decorrência, por exemplo de uma cota-parte, de um quantum de participação correspondente a cada país industrializado no impacto ambiental global. As pegadas ecológicas[13] devem atribuir responsabilidade direta e objetiva a cada país capitalista. Por este caminho, concluindo, é fácil de se perceber o quanto nos distanciamos da soberania clássica de Hobbes[14] e do Estado Moderno. A soberania profunda ou democrática[15] coíbe o Estado Democrático de Direito Social de afugentar-se do cumprimento dos direitos fundamentais (como Estado Garantista), bem como lhe atribui responsabilidades para além de suas fronteiras e imaginários nacionalistas.
Desde que Kant formulou as regras de uma Paz Perpétua[16], nós imaginamos, com mais ou menos ponderação, a possibilidade de uma integração juridicamente global e realisticamente interativa. A Liga das Nações (1919), a ONU (1946) e agora a coletivização das necessidades ambientais são destaques desse novo/velho sonho de integração humana. Ou seja, não há nada mais moderno do que sonhar com a integração da Humanidade, como queriam os Iluministas em sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), e nada é mais pós-moderno do que pensar o Estado organizado para além dos limites territoriais de sua soberania igualmente limitada. Para o bem ou para o mal, continuaremos falando do Estado por mais duzentos anos; acima de tudo porque é uma fabricação humana[17], como o é a cultura, o direito, a técnica e a tecnologia (e que tanto ameaça este Estado que ainda tem cara de moderno).
Então, o Estado Democrático de Direito Social é uma construção clássica ou se trata de um Estado Pós-Moderno? Nosso imaginário, tendo a Democracia, o direito, a Justiça, a Paz e a Ética como modelo típico ideal[18], e a realidade premente (o futuro-presente, como se diz), deverão responder a esta indagação.
De qualquer modo, já se colocou um grande problema de epistemologia política para a Teoria Geral do Estado. Afinal, contraditoriamente, o Estado Pós-Moderno é uma forma-Estado quase disforme, pois fora de seu imenso território há poucos territórios não-desejados. Na verdade, fora do raio de alcance desse Estado Mundi há apenas espaços geográficos e não territórios e/ou soberania jurídica. Ironicamente, o Estado Pós-Moderno equivale à extinção do que hoje – e há cinco séculos – se acostumou a chamar de Estado. Veremos o que acontecerá daqui a duzentos anos.
[1]CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. 2ª ed. Campinas-SP : Millennium, 2006.
[2]HÖFFE, Otfried. Justiça Política. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
[3]MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo : Scortecci, 2013.
[4]MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis-RJ : Vozes, 1993.
[5]MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Boitempo Editorial ; Editora da UNICAMP : São Paulo : Campinas, 2002.
[6]A União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) é formada pelos doze países da América do Sul. O tratado constitutivo da organização foi aprovado durante Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Brasília, em 23 de maio de 2008. Dez países já depositaram seus instrumentos de ratificação (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela), completando o número mínimo de ratificações necessárias para a entrada em vigor do Tratado no dia 11 de março de 2011 (conf. Ministério das Relações Exteriores: http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracao-regional/unasul).
[7]MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. O general em seu labirinto. 9ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2007.
[8]JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. México : Fondo de Cultura Económica, 2000.
[9]DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia: a Moral, o Direito e o Estado. São Paulo : T. A. Queiroz : Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.
[10]Como traz Bobbio (1995, p. 121): “Todos os cidadãos têm paridade social e são iguais perante a lei, sem discriminação de sexo, raça, língua, religião, opiniões políticas, condições pessoais e sociais. Cabe à República remover os obstáculos de ordem social e econômica que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do país”. IN : BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo : Editora Unesp, 1995.
[11]CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Lisboa: Almedina, [s.d.]
[12]Sendo a primeira demarcada na década de 1920 e a segunda que se inaugurou com a Constituição Alemã, de 1949.
[13]GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas, São Paulo : Papirus, 1991.
[14]HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.
[15]FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
[16]KANT, I. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa : Edições 70, 1990.
[17]DELEUZE, Gilles & GUATARRI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. V. Rio de Janeiro: Editora 34, 2005.
[18]WEBER, MAX. Ciência e Política: duas vocações. 9ª ed. São Paulo: Cultrix, 1993.
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