Sábado, 21 de maio de 2016 - 15h01
O homem vive entre dois paralelos atrelados, duas motivações insaciáveis e um desejo soberano, inquisidor. Seus paralelos trilham a consciência e a inconsciência dos fatos, da realidade, de si mesmo. São movimentos concomitantes, apegados um ao outro como unha e carne. São paralelos que se unem no infinito de cada ser.
Em muitas ocasiões “achamos” que estamos certos, quando estamos absolutamente errados, absurdamente equivocados. Em outros casos, são as vozes externas que perturbam nosso juízo. Talvez por isso estejamos mais inclinados ao engano e às manipulações, cooptações.
As motivações reforçam o ter e o ser: ter posses, propriedades e, só depois, ser feliz. O desejo incontido, incontrolável nos mantém no reino do poder. Esse conjunto permite definir o homem como predador de si mesmo, no alto da cadeia alimentar: Homo homini lupus (diria Hobbes, filósofo do Renascimento).
Pode-se dizer que sempre há expectativa de se alcançar a felicidade, movido pelo desejo do sexo, do dinheiro (capital) ou motivado pela ânsia de poder. Na verdade, o poder leva aos demais desejos de consumo. O poder consegue tudo. Na fórmula simples: poder = dinheiro (capital) + sexo (prazer). Certamente, confundimos prazer com felicidade e assim segue inalcançável.
Porém, não se conhece nenhuma associação humana que tenha se firmado, intencionalmente, para provocar o Mal a si. De modo concreto, desde Epicuro – filósofo da Grécia clássica – e seu hedonismo, até o Direito à felicidade como diretivo da Constituição Americana, temos mais clareza desses fatos.
A busca da felicidade é uma rotina humana; todavia, é preciso ver se os meios adotados e os caminhos escolhidos de fato nos levaram a essa conquista. Para o homem, tudo é conquista (poder) e ainda que se conquiste apenas para exibição pública. Aliás, a forma prevalecente de poder e de satisfação no mundo atual é algum exibicionismo.
Assim, satisfazendo-se tais desejos (sexo, capital), é de se supor que o homem faça tudo (ainda que por compulsão) para obter satisfação. Esta satisfação, mesmo que fugidia, fugaz, passageira, proporciona momentos de prazer. Não de felicidade.
Mesmo aqueles viciados, doentiamente aprisionados por sexo ou capital, mesmo esses, alcançam esses momentos de satisfação (prazer). E ainda que depois advenha a frustração e logo o desejo de possuir mais. O sexo também é posse ou propriedade.
O dependente do poder (sexo/capital) é equivalente ao viciado, dependente de drogas: sempre quer mais. É da insatisfação que advém o desejo e aí segue num ciclo sem fim. Por sua vez, deve-se ressaltar que o homem em sua incompletude sempre almeja mais, é da condição humana.
A natureza humana, em determinadas condições, como esta que se verifica atualmente na sociedade capitalista, sinaliza que aquele que não tem é profundamente infeliz. E outra vez se confunde prazer com felicidade.
Assim, trata-se de uma condição humana (insatisfação, perenidade) sabotada, violentada, metamorfoseada diuturnamente pelos valores capitalistas: desejo de ter como essência da natureza humana capitalizada.
Não há o humano fora das condições sociais gerais que o produzem, o homem não é uma mônada indiferente ao seu redor, às imposições de condições e de situações daqueles que conseguem impor suas vontades aos demais. Isso é poder.
Somos todos imperfeitos, instáveis, alguns mais do que outros. Nas imperfeições algumas falhas são perdoáveis, porque inerentes à nossa falibilidade, como ter pares de sapatos ou até onze relógios.
Entretanto, há falhas graves, veniais, causadoras de morte e de sofrimento, a começar do pecado da usura e pelo latrocínio (matar para roubar), agindo-se para o crime ambiental, ou cometendo graves violações dos direitos humanos.
Outro pecado da gula, da ânsia despudorada, e que se segue a esses, é tentar ser o que não se é; forçando a barra para agradar alguém ou olhando a obtenção de alguma outra fonte de lucros. Porque aí voltamos ao reino das aparências supérfluas, enganosas.
Vivemos em tempos capitalistas em que sobejam a estética, o controle, a ilusão (ideologias, falseamento), e uma alienação programada ou bem aceita em troca de pequenas satisfações comezinhas. Alienados, literalmente, perdemos o controle. Não se vive desiludido, antecipa-se a morte e, por isso, ilusão não é sinônimo de alienação.
Esteticamente, importa muito mais parecer do que efetivamente ter ou ser. E assim, em definitivo, esquecemo-nos do ditado popular tão antigo quanto o poder: “À mulher de César não basta parecer honesta”.
Sob o controle dos outros ou na mira do poder do reino, é essencial que não tenhamos auto-controle: nesta fina ironia, abdicamos de nós para sermos algo perante outros. Do consumo necessário, somos instados ao consumismo obrigatório.
Neste caso, estamos falando de poder. O poder de uns sobre outros, dos que tem e sempre querem mais, sobre os que desejam ter; como se fossem seguidores dos primeiros que detém o poder de impor seus desejos aos demais.
O poder da cura social e individual está no conhecimento
Para chegar a este entendimento fora do círculo vicioso – que teima em não se abrir a um círculo virtuoso – é preciso ler pensamentos de outros, ou seja, estudar. Não há cura fora da educação.
Porque é a educação, quer seja física, intelectual, quer seja de reposicionamento na vida social, que produz o (auto)conhecimento. A razão de ser da felicidade está, pois, no primeiro passo e só depende de cada um.
O conhecimento capitaliza a ironia e inibe o cinismo. A ironia é a desconfiança necessária para se inquirir o conhecimento; o cinismo é a desconsideração com a realidade. A ironia é a arma do cientista; o cinismo é o modus operandi dos psicopatas.
O conhecimento retira a indiferençae nos aproxima da ação. O conhecimento não é garantia da ação, mas é seu guia. Um guia que pode retirar do individualismo, da apatia, da contemplação insignificante, isto é, sem significado relevante, da fala proverbial e vazia, cheia de provérbios e sem impacto dentro de si.
O conhecimento traz significado ao discurso. O conhecimento atrela conteúdo à linguagem, redireciona a retórica para o convencimento com fatos. Não é conhecimento o saber que inibe, castra, amofina a consciência e a liberdade dos outros, é ideologia, demagogia, mentira, usurpação da verdade.
E onde está a opção, a livre escolha nisto tudo? Está, exatamente, no conhecimento. Quando se conhece o que o outro deseja pode-se avaliar seu poder. Especialmente o poder que teria sobre nós. Portanto, a análise do poder é essencial. Porque é o mesmo poder que traveste o desejo de uns em razão de ser dos demais.
Por sua vez, a razão (que não é imune ao poder) pode ser aperfeiçoada pelo conhecimento: consciência. Se haverá consciência que dirija nossa vontade isso é outro ponto. Ou melhor, se o conhecimento será aplicado na direção da ação, é outra questão. Posto que entre a consciência e a vontade, continua a agir o desejo de poder.
Entre ter a consciência do fato e o não-agir, quando se deve avançar (omissão), ou, ao contrário, não cessar a ação (refrear obrigatório) quando se deve parar, é o limite entre a consciência e a vontade de (não)fazer.
É o que provoca tantos acidentes de trânsito. A falta de educação e a consideração de que se pode tudo, neste país, violando leis e normas, ocasionam uma perda estimada de 10 bilhões de reais todo ano em acidentes de trabalho.
Como se vê, o poder manifesta-se na vontade, mais ou menos altiva, determinada, quando a consciência é o guia. Mas, este guia também é perturbado pelo desejo e este não se importa com a razão. É por isto que fumantes fumam mesmo conhecendo os malefícios do cigarro, tal qual o homem mais rico ambiciona mais posses e propriedades.
Ainda que saiba que jamais irá gastar toda sua fortuna, nem nas suas gerações futuras (plano da razão), sua consciência é oculta, obnubilada, pelo desejo incontido: como se fosse um caminhão carregado com toneladas de carga, sem freio na ladeira.
O primeiro passo é adquirir o conhecimento, perceber com clareza, cientificidade do que se trata, afastar as facilidades sobre o tema, para aí mediar o desejo em polvorosa com outras ações fora do contexto compulsivo.
Estudar é começo. Substituir a rotina do poder (sexo/capital) será o desafio, e para isso o viciado, dependente, terá de produzir outras zonas erógenas em sua vida. Compensar com outras fontes de prazer o desejo compulsivo que fora traído, negado.
Fazer esportes, trabalhar horas do dia em outras causas, como na preservação da natureza ou dar assistência às crianças com câncer teria efeito benéfico. Sair da zona de conforto (poder/sexo/capital) é o ponto da questão, mas é o mais difícil de se produzir.
A luta diária pelo direito de si e dos outros, com interesse ou desinteressadamente nos bônus, sempre provocará mudança no sinal de alerta (agora ligado) naquele que usurpou do mesmo direito.
Deixar de ser um mero “cidadão do sofá”, para adotar práticas políticas transformistas, não-fascistas, libertárias, coletivas, é um caminho óbvio. Tomar partido diante dos fatos, ser partidário com conhecimento aprofundado. Isso também é poder.
É uma luta difícil. Contudo, não se trata de uma batalha perdida; sobretudo, se pensarmos na substituição de um prazer (compulsivo, indomado) por outro mais consciente e real (e sob júdice do autor da ação). No entanto, é preciso por a mão na massa, transformar a si, reinventar-se, recolocar-se diante de si e do mundo.
Se fosse fácil todos fariam, a qualquer hora, do modo que quisessem, e não haveria opressão, violência e infelicidade generalizada. Não é fácil; aliás, além disso, é muito difícil. Porém, o mais difícil é o primeiro passo, como em tudo na vida desde que nascemos: o primeiro passo.
Não é à toa que primeiro andamos, para depois falar: emitir juízos. Para que a emissão de juízos não seja julgamento de valor (que cada um pode ter o seu) é, por óbvio, necessário construir julgamentos de realidade – e com os pés no chão.
Diz o ditado jurídico que o requerente da ação tem uma versão dos fatos, assim como aquele que é acusado tem outra versão. Cada cabeça uma sentença e entre as duas há a verdade dos fatos. O que a descobre? Notadamente o “processo de conhecimento”.
O valor com os pés no chão chama-se Ética. O resto é senso comum, superficialidades de prazer encomendado por quem tem o controle e o poder sobre a forma como a realidade, a verdade dos fatos, apresenta-se aos passageiros dormentes do mundo real.
Por isso, ainda que titubeante, o primeiro passo é decisivo. E o primeiro passo é o conhecimento: “conhece-te a ti mesmo”. Porque, com tudo isso, vemos que mudar a si, radicalmente, sem a pressão dos que nos querem reféns de suas vontades, isso sim é poder. Esse é o poder de verdade. Um poder baseado na verdade do conhecimento.
Não há maior felicidade do que poder dizer a si o que se quer, sem provocar o Mal. O poder é a verdade que nos liberta quando temos o poder (potência e capacidade) de controlar o poder (majestas) que nos escravizava como viciados, entumecidos em brumas de ilusão e dependência.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de