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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Forçosamente Cidadão


            É possível ou positivo forçar alguém a realizar alguma coisa, ainda mais se for contra sua vontade ou se contrariar seu estado de inércia, ou seja, a natural vocação de nada-fazer? O corpo em repouso tende a permanecer em repouso; se nada for feito, se nenhuma força agir a fim de que se movimente, pela lei da inércia, não há indicação de que possa se colocar em ação.

            Esta lei da física é uma das que se aplica, metaforicamente, à análise social e à compreensão da qualidade da cidadania. A outra lei da física clássica bem aplicada à realidade social, especialmente a realidade brasileira, é a entropia. Por esta dedução, o corpo em repouso não produz entropia – ou pouco afeta o seu movimento. No caso da sociedade brasileira, os corpos em repouso são os nossos, nós, os cidadãos de bem. Mas, ao contrário, a entropia, a confusão, o caos social são formados, forçados por aqueles que querem privatizar, se apossar do que é público, de tudo o que o povo outrora era o verdadeiro proprietário.

            Uma conclusão possível, ainda que nem tão positivista, mas lógica, é de que o cidadão do sofá, o cara, a pessoa que acessa o mundo real unicamente pela TV – mudando de canal toda vez que sua consciência é afrontada – deve, urgentemente, movimentar-se para mudar a qualidade das relações humanas ao seu redor. Sem isto não há como mudar a qualidade da política.

            Sem que o cidadão do sofá saia de sua zona de conforto, sem que se sinta a indignação diante do malfeito, não há sociedade que se organize para ser menos caótica e problemática. Nossos problemas, como cidadãos ativos, são os mesmos problemas que se verificam na sociedade como um todo. Estamos todos interligados. Na verdade, o que sofremos como cidadãos decorre da quantidade de tempo que passamos no sofá, contemplando a vida lá fora.

A chamada vida comum do homem médio, a vida da maioria esmagadora dos leitores desse texto, é marcada, quando não definida, por todos aqueles que detestam a política. Para a infelicidade geral, se não gostamos da política, há os que a adoram, que têm fascínio pelo poder. Infelizmente, para os que se sentam complacentes no sofá, há os que manipulam o mais famoso dos “analfabetos políticos”. Quem é esse sujeito? É o cidadão do sofá. Porque, ao contrário, da apatia e da inércia do passado, o cidadão do sofá ainda é antissocial, quase um cínico-social porque a vida “lá fora” pouco lhe interessa. O máximo de interação que conhece passa pela telinha e pelo plim-plim. A cidadania ao controle do zapping; depois do intervalo as considerações finais sobre o sentido da vida; o jogo democrático que se parece com um game; a vida pública no Brasil é um quase over-game; o cínico-mentiroso retoca a maquiagem, emposta a voz como na locução de rádio e ainda pinta as unhas das mãos para fechar sua aparição de caras e bocas na TV.

Então, neste caso específico, em que a inércia de alguns provoca o mal-estar global, não é legítimo que se force o indivíduo a se transformar em sujeito de direitos? Para deixar sua condição negativa, de não-ser-cidadão-efetivo, entretanto, o Estado não pode tudo sozinho. No Brasil, o Estado obriga ao voto, como direito-dever de exercício do poder, mas isto não é suficiente. Aliás, há algum tempo, a obrigatoriedade do voto tem levado a inúmeras distorções como a venda de votos e a contratação de cabos eleitorais mercenários, sem nenhuma identificação ideológica e partidária.

Enfim, o cidadão desperto também precisa fazer seu papel, precisa acordar aquele amigo, companheira, familiar, conhecido que ainda não abandonou a comodidade do sofá ou que assiste a cidadania desfilar na tela plana ou de plasma. Quem está pasmo é o cidadão que não se conforma em ser plasmado pela inatividade. Ao contrário de apenas assistir, placidamente, a vida pública ser corrompida, é preciso ser testemunha da mudança de alguns, porque ainda que poucos, aos poucos, os cidadãos acordados serão muitos.

Por isso, é preciso forçar a suposta liberdade dos que não-querem-ser, para que a dignidade de todos seja uma realidade.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

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