Terça-feira, 29 de janeiro de 2013 - 16h36
A tragédia em Santa Maria tem de ser tratada com muita seriedade para que nunca mais se repita algo parecido; todos os brasileiros estão consternados e eu mesmo já escrevi sobre o assunto. Porém, por que o Brasil não lamenta as vítimas da seca no Nordeste brasileiro? Por que a presidente Dilma e seus ministros não foram prestar o serviço público aos jovens, velhos, homens e mulheres que estão morrendo um pouco todos os dias?
A indústria política da seca no Nordeste brasileiro, para a vergonha de todos, bate recordes de insuficiência social e de gestão pública. Contudo, recuso-me a gastar tempo com o óbvio, que é descrever as cenas de morte e o descaso do poder público em atender esta tragédia mais do que anunciada, pois que é uma tragédia programada. Minha modesta contribuição ao tema tem apoio num dos maiores escritores brasileiros: Graciliano Ramos. Autor do clássico Vidas Secas, também produziu crônicas que recuperam o dia a dia desse povo. Por exemplo, na crônica A Propósito da SecaGraciliano traz uma narrativa em que os personagens principais são os pobres nordestinos nas décadas de 1930 e 1940. Além da seca e da miséria, há o despotismo dos coronéis que levava os pobres à total indigência:
A figura do retirante, celebrado em prosa e verso, inspirou compaixão e algum desprezo, compaixão porque ele era evidentemente infeliz, desprezo por ser um indivíduo inferior, vagabundo e meio selvagem [...] Essa gente prolífica e tenaz, amontoada numa terra pobre, de agricultura rotineira e indústria atrasada, naturalmente vive mal (Ramos, 2005, pp. 186-190).
No contexto histórico lemos os subterrâneos da luta da civilização e da organização pública, o avanço do capitalismo contra as tradições e os arcaísmos. A pobreza e a indústria da seca produziram, secularmente, o coronelismo e o mandonismo e seus derivados: a injustiça social, a fome, o crime e a criminalidade social, o cangaço, o êxodo rural.
No entorno antropológico, primeiro contabilizamos o legado da escravidão e os quilombos fomentaram a miscigenação, formando o cafuzo (Norte/Nordeste); depois, o êxodo rural nordestino praticamente concluiu esse processo. Há muito de nordestino em cada um dos brasileiros.
O principal personagem de Graciliano Ramos é, certamente, o povo nordestino em sua eterna luta pela sobrevivência, servindo de mão de obra barata para a colonização da região Norte e à urbanização da região Sul. Também temos dois personagens nomeados de cangaceiros: Jesuíno Brilhante e Lampião.
O legado que nos chega, como notícias à modernidade, é a indicação inequívoca de que há problemas de longa data que herdamos dessa cruzada colonizadora, desde os idos de Portugal, e uma das principais parece ser a estrutura de poder cultural que sempre impingiu aos brasileiros uma perversa dualidade. Temos no interior de nossa cultura uma clivagem quase insolúvel pelos caminhos de mudança tradicionais. Na alma do Povo Brasileiro, infelizmente, há os que se crêem colonizadores/superiores e os que são submetidos à condição cultural, social, econômica de colonizados, inferiorizados. Como se se quisesse que o Povo viesse a se conformar e a acreditar que realmente é inferior em toda a ordem da vida social.
Quem ocupará o governo brasileiro em 2030? Não há como saber, mas é certo que a seca nordestina estará no cenário político nacional.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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