Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Guerra Civil - Por Vinício Martinez



Qual é a sensação da guerra? Da guerra convencional, não sei. A sensação da Guerra Civil que enfrentamos é compartilhada por dois terços da população brasileira: a sensação de extrema insegurança e vulnerabilidade da vida civil. Mas, o mais grave é que um de cada três brasileiros conhecia a vítima de homicídio ou de latrocínio: roubo seguido de morte[1].

Há muito tempo se diz que morrem, violentamente, mais nacionais por ano do que os soldados estadunidenses em toda a Guerra do Vietnã. É fato, os EUA perderam cerca de 47 mil soldados ao longo de sete anos, nós mandamos para o barqueiro mais ou menos 60 mil pessoas em um único ano.

Nossa Guerra Civil, que é imemoriável, tem algumas conotações similares e outras diversas de uma guerra como a da Síria, por exemplo. Salvo as Forças Especiais já instaladas na Amazônia, não temos invasão de outro exército. Porém, temos em comum o fato de que matamos por dinheiro. Além das mortes do machismo, nos crimes passionais contra as mulheres.

O crime organizado nos mata muito, enquanto povo. Mas, a grande batalha é desorganizada: alguns matam pelo crack, muitos só para ver o sofrimento de quem vai. O que se chama de “banalização da violência” – um eufemismo para justificar algum tipo de morte atroz – esconde o fato gravoso de que a nossa Guerra Civil opõe “marginalizados” (expulsos do mercado de trabalho e da vida civil) e proprietários.

Diz-se que as mortes de latrocínio estão cada vez mais violentas. É verdade. Porém, isso não é banalização. É o cerne da questão. O ser agora abjeto, mas que poderia ter sido objeto na roldana capitalista, vive em condição de ódio. As vítimas, antes de serem vítimas, já lhe desejavam todo o ódio do mundo. Os que ainda não foram vitimados não desejam sentimento melhor do que o ódio “por sua mísera existência”.

A crescente violência dos crimes de latrocínio, então, revela um forte traço de sadismo. Não basta roubar, matar. É preciso impor humilhação terrível e dor aguda. É difícil saber o que há de “racional” nesses atos. Mais correto talvez fosse diagnosticar que os já aniquilados no mercado de trabalho e de consumo – sem encaixe algum no sistema produtivo – passem a sentir o mesmo desprezo que sempre lhes é dirigido. Ainda há nisso tudo o recorte racista: pobres e negros sequer são entrevistados, porque não são aceitos[2]. É óbvio que a recusa do emprego fomenta o ódio e a violência. 

Uma das escolas explicativas do surgimento do Estado, o Contratualismo, identifica o “medo à morte violenta” – na Guerra Civil – para justificar determinadas instituições e mecanismos de segurança que contenham o “ódio sem fim”. Pois bem, o Estado brasileiro é incapaz de ofertar segurança e estabilidade, inclusive porque seu real objetivo é garantir a posse e a propriedade daqueles que temem pelo pior.

Penso que o melhor seria abandonar o eufemismo militarista (“guerras assimétricas”) para se dar nome aos bois, com base no realismo político e assim promover mudanças sociais que interrompessem a produção da violência alimentada em ódio de classe social. Contudo, como isto não virá, continuamos a consumir nomenclaturas de especialistas que nada resolvem.

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

O terrorista e o Leviatã

O terrorista e o Leviatã

O que o terrorista faz, primordialmente?Provoca terror - que se manifesta nos sentimentos primordiais, os mais antigos e soterrados da humanidade q

Direitos Humanos Fundamentais

Direitos Humanos Fundamentais

Os direitos fundamentais têm esse título porque são a base de outros direitos e das garantias necessárias (também fundamentais) à sua ocorrência, fr

Ensaio ideológico da burocracia

Ensaio ideológico da burocracia

Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)