Quarta-feira, 8 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Indignação restritiva



Essa forma cínica de evitar alguns problemas e de superfaturar outros é típica do fascismo tupiniquim. É pior, mais grave, lamacenta, do que a prima-irmã: a indignação seletiva. Neste tipo, o sujeito (sujeitado) vê apenas o que lhe interessa e massacra quem o acusa de seleção imoral e de imolação do correto, justo ou direito.

Na indignação restritiva se pratica o racismo, não se registra empregado(a) doméstico(a), mas se arvoram de defensores da República: a todo custo, inclusive. Defende-se a intervenção militar, mas se desculpa a corrupção municipal. Perdoa-se o fato de que as velhas elites (hoje mais empobrecidas de dinheiro e de valores) fabricaram o primeiro presidente da era moderna a sofrer impeachment: Collor.

Claro que também não se considera a sonegação de impostos e a evasão de divisas como crimes contra o Povo. Tudo isso é bem ruim, mas o pior é o fato de que, sob o fascismo cultural, o(a) indignado(a) restritivo(a) não admite e ainda impede (sobretudo com o uso da lascívia, da intimidação e da força física) que os normalizados pela crítica ampla possam se indignar contra a seletiva do mal-público.

Portanto, restritivamente, esses indignados de meias-verdades são intolerantes, incapazes de suportar o peso da verdade de que, no fundo, são incapazes de se indignar contra os verdadeiros males que os geraram e que degeneram a sociedade atual.

Em especial, os praticantes da indignação restritiva não suportam aqueles que se indignam com o proto-fascismo que, os seus pares seletivos, plantam todos os dias em sua miopia política: só têm olhos para os outros. A “trave”, a sujeira nunca se revela na visão distorcida, de “esgueia”, que lançam sobre os lucros que deixaram de obter – porque não foram convidados para o butim.

Têm, evidentemente, um olhar atravessado sobre a República; desconfiam, sobremaneira, quando se diz que a coisa pública é de todos, pois equivale a colocar os pobres de riqueza material ou despossuídos de poder diante das lentes republicanas. Os eletivos usam lentes bifocais: reservam pra si o perdão de quem só olha o próprio umbigo.

Na linguagem popular, jamais admitiriam que “pau que bate em Chico, também bate em Francisco”. Por si, consideram-se donos da via de mão única e, não por acaso, são críticos do típico “pensamento único”. Monotemáticos, criticam apenas a corrupção dos outros. Não é, por certo, uma questão de tolice ou de analfabetismo político, uma vez que sabem perfeitamente “recortar o real”, pinçar o que lhes interessa.

Na melhor das hipóteses, é oportunismo. Pode-se, assim, defender show de pagode ou sertanejo – custeado com dinheiro público – mesmo havendo falta de merenda escolar adequada. O restritivo – de crítica dócil – pouquíssimas vezes insurge-se contra o nepotismo, por exemplo; afinal, sempre há a possibilidade de lá chegar ou, se for o caso imediato, de lhe cair no colo um cargo comissionado.

Se na evolução das espécies o maior mérito deve ser premiado, de acordo com a indignação restritiva, o jeitinho brasileiro deverá colocar as coisas em seu devido lugar. Daí o senso propalado de que o ser honesto é tolo, idiota, ao fazer as escolhas erradas e não se juntar à indignação imoral e seletiva. Praticantes de uma política tosca, para os restritivos, Direito é sinônimo de privilégios; se têm prestígio, então, a lei deve ser privatizada para “contornar” outros problemas criados pela mesma lei.

O ser imoral é aquele que se insurge porque, na retribuição de favores, o pacto da canalhice foi quebrado e um outro qualquer (ainda mais “esperto”) levou suas benesses. Se você leu o texto até aqui, pode apostar que acabei de fazer muitos inimigos sem sequer os conhecer – e que o deus da política permita que seja sempre assim, que eu jamais os conheça.

Vinício Carrilho Martinez

Professor da Universidade Federal de São Carlos

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 8 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Quarta-feira, 8 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)