Domingo, 20 de março de 2016 - 10h58
- São apenas privilégios de classe?
- Ou traços profundos de uma cultura torpe?
Começo dizendo que conheço, assim como todo mundo, pessoas conservadoras: nos hábitos, nos pensamentos, nas relações, na política, na economia, na religião, no casamento.
Nos cursos de direito, mas não só ali, é o que mais tem. Falam – ou falavam – com extrema cautela, aplicando-se do modo mais tradicional possível às relações judiciais em que têm parte.
Nada de teses abusadas, alternativas, propriamente sociais ou convulsivas do status quo e da jurisprudência. Até esse ponto, eram, e alguns ainda são, pessoas idôneas, respeitosas do direito e da humanidade. Como conservadores, defendiam abertamente os direitos civis, individuais.
O problema é que, dentro e fora do ambiente jurídico, os mesmos liberais-conservadores de ontem, em parte pelo acirramento da luta política (luta de classes), revelaram o lado obscuro do reacionarismo. Este que, talvez, seja o traço social e psicológico que nunca se desentranhou completamente das elites nacionais.
Não me refiro exclusivamente aos que ainda lamentam o fim da escravidão, porque são puramente fascistas. Em todo caso, este país foi um dos únicos, certamente o melhor exemplo, de uma perfeita comunhão entre capitalismo e escravidão.
Por isso, as elites sempre foram aburguesadas e racistas. Desde a colonização, o negro nunca foi visto como trabalhador, consumidor e menos ainda cidadão. Como o mercado de consumo ficava na Europa, o capitalismo colonial baseava-se na exportação.
Logo, o capital convivia com a escravidão, sem necessidade de mão-de-obra livre que se tornasse consumidor da própria produção. No século XXI, é um ranço não-eliminado que vemos, inclusive, em obras públicas exploradoras do trabalho em condições análogas à escravidão.
Em todo caso, analiso mais precisamente o conservadorismo que, na hora da luta política, esquece e vilipendia todo e qualquer direito, sobretudo, daqueles que não-professam a mesma linguagem política manipulada pela mídia oficial.
Pelo lado do fascismo, conversor do liberal no reacionário, essa explicação - além das vaidades em disputa -, parte da ira, do racismo, do classismo, típicos da burguesia nacional que ainda não se conforma com a liberdade dos negros.
Vejamos os xingamentos: “Lula lixo”, “Lula molusco”, “balança que a vadia cai” (Dilma, é claro) e outras tantas. A raiva vem com asco, deboche de se falar errado, e nunca se aplica aos erros políticos. São ofensas dirigidas à pessoa.
Em outros casos, dizem que a Polícia Federal, na busca residencial, achou o dedo de Lula arrancado no torno. Também postam que Jean Wyllys (deputado declaramente homossexual) fará visita íntima ao ex-presidente.
O que é evidente, mais do que a carapaça racista do fascismo ou do liberal-reacionário traveste, é o fato de que esse componente de classe tem a torpeza como marca e meio cultural.
A crítica política, que exige conhecimento da conjuntura além das informações midiáticas, igualmente fascistas e deturpadas, nunca se avoluma. As informações são dirigidas para que se tenha “ausência de pensamentos”.
Exatamente porque uma análise com mais rigor – e que não está ao alcance de todo o público leigo – exige conhecimento: inteligência aplicada à causa, à origem, e não restrita ao fenômeno classista de massas.
O outro lado da perversão e da torpeza, se é que pode haver algo mais perverso, traz como sujeitos do racismo outros tantos indivíduos pobres e negros. São perdoados apenas “os negros de alma branca”.
Inoculados de fascismo resiliente, de fácil adaptação na base mental do racismo, ou obrigados pelo trabalho, instrumentalizados na escola ou oprimidos pela ação da polícia, negros e pobres são avaliadores racistas de outros pobres e negros.
Nessa condição avaliativa, para ricos e pobres, os famélicos estão lá porque querem. A indigência e a indignidade são formatadas ideologicamente pela escravidão que nunca saiu da mentalidade nacional e, portanto, são descritas como opção de vida.
Na mesma trilha da menoridade da consciência, trabalhadores de sol a sol elegem candidatos que prometem acabar com a proteção “excessiva” das leis trabalhistas.
É fato que, para a mentalidade escravocrata, a legislação trabalhista sempre será abusiva de seus privilégios nobiliárquicos. Tanto quanto a liberdade proporcionada pelas redes sociais é uma ameaça ao seu poder de conquista.
Também nos diz a antropologia de Roberto Damatta que o país é feito de “bandidos e heróis”. Pois bem, a burguesia nacional, salvo exceções, apresenta-se profundamente racista, mas é profundamente hipócrita: "sonegar não é crime".
Ao mesmo tempo em que enviam milhões/bilhões de dólares ao exterior. Isto é, no caldo liberal-conservador que se reverbera liberal-reacionário (fascismo nacional), bandidos e heróis vestem a mesma roupa de grife.
Não se vê isso, mais claramente, porque a cultura nacional mescla hipocrisia com torpeza. Para se ter um melhor alcance sobre a gravidade de nossa questão cultural, é necessário recordar que a “torpeza” é um agravante da punibilidade penal.
Para este liberal, antes comedido e agora transverso em ser social reacionário (fascista, sem o saber), qualquer mudança social é tida como afronta, crime contra o Estado, e nem se trata aqui da distribuição forçada de renda.
Pois, basta que tenham de dividir os aeroportos com o povo que já querem derrubar o governo. Também não importam os meios, seja com Golpe de Estado, seja com a ilegal e inescrupulosa manipulação/aniquilação dos direitos fundamentais.
Ainda lembra-nos o caso do juiz que aceita placidamente o "auxílio paletó", de 50 mil reais por mês, além do salário superior a 20 mil reais, mas que ataca o programa do Bolsa Família: 100 reais mensais.
Há ainda a negação do jornalismo, como é o caso patente da Rede Globo e suas aliadas; contudo, pode-se/deve-se somar a defesa de interesses externos, como a Chevron, além da cobrança na adoção de políticas que emanam diretamente dos antigos eleitores de Regan e Bush.
Quantos indivíduos, grupos e empresas dos EUA financiam os brazucas de verde-amarelo? Uma pesquisa no Google é suficiente.
Em suma, os “velhos” liberais, antes adoradores da liberdade – talvez como adornos de etiqueta –, envelheceram diante do pacto reacionário pela manutenção de seus privilégios.
A situação atual – fascista e reacionária – é chocante e preocupante, mas reveladora das reais intenções: os antigos liberais-conservadores nunca perderam direitos, posses e propriedades. Recorde-se que a atual política econômica só deu migalhas aos pobres.
É, portanto, uma burguesia de traço fascista e anti-popular.
O que perturba a burguesia liberal-reacionária, realmente, é dividir o espaço público com essa gente desdentada, de parca cultura letrada, de pele parda ou preta – e que se chama de povo.
Sua morte, como os liberais-reacionários expressam todo dia, é decretada pela obrigação de não ser racista em público. Apenas porque é crime hediondo.
Produzimos, portanto, um “novo” tipo sociológico: o racista liberal-reacionário produtor e promotor da cultura da torpeza, e que se agiganta e agita profusamente em mentalidades e práticas fascistas.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de