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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Liquidez jurídica de 16 anos



O senso comum não tem legitimidade moral, intelectual, cultural e científica para se posicionar, sobretudo, diante da hipótese de se remover direitos. Sem reconhecermos o significado, o alcance e as diferenças entre direitos, garantias e liberdades, não temos condição intelectual de debater com propriedade e muito menos de querer retirar direitos e suas garantias institucionais. Para os leigos, é bom que se esclareça desde sempre, direitos fundamentais são cláusulas pétreas. De acordo com a Constituição Federal são direitos, garantias e liberdades não-negociáveis. São direitos consagrados pela Humanidade e estão livres do jugo do populismo jurídico que nos abate como clamor público solicitante de mera vingança. Que seriedade há em substituir o direito pela vendetta?

Portanto, debater o rebaixamento da maioridade penal é uma discussão vazia. Com a aparência líquida de uma reflexão turva, réplica vazia da Teoria da Aparência, vamos sempre copiar o Tio Sam. Porque somos incompetentes. Daqui a 20 anos vamos rebaixar a maioridade penal para 14, depois 12. Quem sabe 10 anos. Por quê? Porque não temos inteligência social e nem capacidade jurídica. Condenados estamos ao estágio da cópia barata, estragada.

Nossa liquidez jurídica é tão pífia que discutimos com cientificismo como enfiar mais pessoas na cadeia, bem no fundo do esquecimento, e não em formas sociais dignas e capazes de retirá-las desse destino. País miserável em que o Destino é a masmorra medieval. Nós somos medievais na cultura, na vida social, nos pastiches que queremos a todo custo importar. Somos o país das baboseiras e das grandiloqüências de juristas não togados: escribas das ideologias mais predadoras e do fascismo.

É incrível como se discute o direito sem nada saber dele. Ao menos na matriz de cultura legalista, os cidadãos podem dizer: “É a lei”. Aqui só se sabe da lei para aplicar a negros e pobres – e agora aos jovens. Onde está a prova da ciência jurídica e social de que a prisão minimiza a violência e reconduz à pax capitalista? Realmente, temos muito que estudar. Nosso direito é feito com casuísmos: Perez (crimes hediondos), Richthofen, Friedrenbach.

Um exemplo sempre tomado de empréstimo é do Champinha (e que não é meu), para a exigência de termos leis “duras”. Porém, isto apenas denota a tese central de que todo esse opinatório sobre leis especiais é anti-jurídico. Há que se lembrar que Champinha não está preso, mas, especificamente, porque foi declarado “incapaz” por uma junta médica – sendo esta especialmente constituída por psiquiatra e psicólogo e que são, de fato, os que conhecem (em respeito à ciência) os distúrbios da mente. Falamos aqui da Psiquiatria Forense, ciência médica auxiliadora do Direito Penal. Do mesmo modo, frise-se, não há legitimidade na Vitimologia que quer naufragar a ressocialização e negar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Além do mais, o senso comum corrosivo nunca se lembra do Silva, do Amarildo. É óbvio, mas não vemos que liquidado está esse pragmatismo copia/cola que herdamos faz 50 anos, exatamente de um regime e de uma visão (sem perspectiva) de que “o social é caso de polícia”. Liquidada está é a sociedade em que a maioridade cultural não passa dos 16 anos.

A bitola estreita nos impede de olhar para o horizonte em que a reincidência dos aprisionados é de 10,15% - como na Suécia, Holanda, Dinamarca – e assim, mais uma vez, preferimos o militarismo criminal estadunidense, em que os jovens não apenas são dragados pelo sistema, como sua revolta se manifesta nos 60% de reincidência criminal. Isto, sem dúvida, é efeito de uma longa noite mal dormida de colonização cultural dos penduricalhos. Além do aprisionamento que, literalmente, virou febre e fábricas (privatização da segurança pública), o Tio Sam ainda tem a nos oferecer (na venda, é claro) os modelos culturais do Pateta.

O Brasil todo é feito com casuísmos, consumismos e tonterias. Por quê? Porque assim todos se desincumbem de responsabilidade política e social: joga-se para o povão, como se diz. Discutimos novas leis – e cada vez mais aguçadamente. No país sem educação, a saída para a miséria humana (diga-se, brasileira) está na fabricação de leis. Mas, o que é lei? Será que encontramos um sábio do senso comum que nos responda? Outros povos dedicaram-se a fabricar o comércio, as artes, a política (a Polis: a própria noção de civilidade), as ciências e a filosofia.

Segundo a tese central desse texto, devemos estudar todo e qualquer assunto (muito mais o Direito Penal, que trata da liberdade e da vida das pessoas) antes de termos alguma mísera impressão formada. Do contrário, trocaremos a própria Ciência do Direito pelas salivas corrosivas do senso comum. Ou seja, é preciso deixar a medicina a cargo dos médicos – vamos decidir em referendo popular se o melhor é o parto normal ou a cesariana? Então, em nome do bom senso, deixemos o direito sob a guarda de quem pelo menos sabe definir o que é direito. Ou, o seu inverso, para aqueles que reconhecem o anti-direito e assim afastam as teses populistas eivadas de injustiça e de forças de exceção.

O problema é que não agiremos desse modo. Nós nos bastamos com a criação de leis chinfrins e tupiniquins: porque “aqui a lei não pega”. Um povo de leis que não sabe especificar o que é uma lei: a não ser pelo dicionário. Se ao menos fosse um dicionário jurídico, já teria falido a tentativa. Porém, preferimos uma Teoria da Aparência (sem lógica ou racionalidade) em que o real não é sua referência. É algo realmente incrível o que a mídia nos faz: preferimos a lei, à civilidade. Pois então aproveitemos, está em liquidação.

Vinício Carrilho Martinez

Professor da Universidade Federal de São Carlos

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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