Sábado, 7 de dezembro de 2013 - 17h16
A morte de Mandela leva junto mais um ícone da modernidade. O líder sul-africano representa a modernidade em muitos pontos: luta contra o racismo; luta armada contra a opressão do Estado; dedicação da vida pessoal a uma causa coletiva; supressão do individual diante do altruísmo. Nos tempos chamados pós-modernos tudo isso anda em baixa, se é que se encontra em algum lugar.
Aprendemos na escola liberal que a liberdade é a fonte da existência; com Mandela, vimos que é preferível sacrificar a liberdade, pela dignidade. Esta é uma lição impagável da modernidade. Pois bem, precisaremos de alguns séculos para que esses valores sejam retomados. Até lá, com o nível da barbárie do capital, vamos padecer pela perda ou exaurimento dessas qualidades humanas. A não ser, é claro, que a luta política seja legitimada.
Do contrário, teremos quase que esquecido de ler qualquer referência da modernidade clássica para, em meio ao Estado de Exceção, adivinhar que os monopólios econômicos e políticos são a morte da sociedade civil. Foi contra isso tudo que lutou Mandela – e, é óbvio, milhares de anônimos a seu lado. Escreve-se sobre ele porque capitaneou esta luta contra o Apartheid, nos 27 anos em que esteve preso e acorrentado pela ignorância sacra e branca.
É preciso lembrar que o regime de segregação na África do Sul fora instituído sob a bravata iluminista de que deveria levar civilização e racionalidade aos negros indóceis. Indóceis por não aceitarem a escravidão. Enfim, era o resto do resto da colonização, até que os embargos econômicos e diplomáticos da ONU (Organização das Nações Unidas) colocaram fim ao estapafúrdio regime proto-fascista.
Que não se enganem os mais ingênuos, vestidos de otimistas, porque o racismo é um rasgo na cultura “moderna” em todo o mundo. A extrema direita racista, intolerante, cínica, revive dias de euforia na Europa. No Brasil, o racismo nunca foi tão denunciado, assim como todas as formas de intolerância e desassistência humana.
Quem duvida da proliferação do racismo brasileiro deveria ler a Constituição, aí saberia que é crime inafiançável e imprescritível, ou seja, ocupa a tipificação de grave violação dos direitos humanos e demanda contra as regras de convivência e mínima interação social. O crime de racismo significa que alguém de bom senso acredita no direito de não sermos ultrajados. Para entender o que foi a luta de Mandela poderíamos retomar a história brasileira. (Aprenderíamos a investir contra a negação da verdade). Em todo caso, mesmo se pensarmos assim, ainda teremos muito que fazer contra a inutilidade moralista.
Com Mandela, vimos que não há luta pela liberdade e tolerância apenas com palavras, é preciso ação política, investimento das energias sociais para debelar todas as formas de corrupção da cultura da inclusão. Mandela acenou para a luta política e, portanto, perdemos uma parte da teleologia – o que também significa menos esperança.
Como dizem os velhos sábios, junto ao corpo de Mandela, enterra-se uma biblioteca da cultura humana. Porém, também pudemos ver a olho-vivo que tudo está ao nosso alcance, bastando querer fazer. A luta contra o racismo e todas as formas de intolerância nos ensina que a história tem nome, cor, endereço e uma vocação para a política. Por isso, ainda nos diz que a história é nossa morada.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO
Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ
Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais
Doutor pela Universidade de São Paulo
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