Domingo, 8 de setembro de 2013 - 17h21
É interessante pensar o Brasil em confronto com as teorias clássicas. O estudante inicial percebe rapidinho que “a teoria na prática é outra”. Se bem que, se a teoria não se aplica na prática, é porque se trata de uma ideologia e não de teoria social. A teoria – cotidiana na vida comum do homem médio – diz que o país cresceu, mas sem ter infraestrutura. Logo, também é carente em desenvolvimento. Bons exemplos são os números das companhias aéreas e o IDH abaixo do Suriname.
Em todo caso, como meu voo, pela Azul, foi cancelado e só embarcarei amanhã, resolvi aproveitar o tempo. Aliás, pelo que pude assuntar – como se diz no interior – isso vem acontecendo durante toda a semana. Alguém ainda disse, na fila do desespero, que anteontem um passageiro voou no pescoço da atendente. Espero que seja apenas um exagero. Porém, é certo que a Azul, no dizer de alguns passageiros, está no vermelho: não financeiramente, mas sim em qualidade na prestação do serviço.
Hoje à tarde, ao meu lado, num calor absurdo, com quase uma centena de pessoas irritadas, imaginando o pior, uma senhora simplesmente apagou. Pouco antes, falava-nos que tinha sofrido três cirurgias na coluna e que não poderia ficar muito tempo sentada ou em pé. Para amenizar sua dor e desconforto, contou, havia tomado remédios. Possivelmente tomou relaxante muscular, porque disse que iria se escorar no guiché e antes de chegar foi dobrando os joelhos...indo...indo, quase caiu com tudo. Outro passageiro, atento à conversa, e que olhava para ela, deu um salto e a amparou. Pegou-a no colo e colocou naquelas cadeiras de plástico e duras. Todos gritavam “Chamem o médico!”, mas confesso que não vi médico algum. Até quando saí de lá, uma hora depois, a mulher estava com seu marido e que àquela altura já voltara para a fila.
No mesmo andor, falando, gesticulando, chorando muito e tremendo-se toda, outra senhora dizia a quem quisesse ouvir que estava no aeroporto – à espera de um mínimo de respeito – desde quinta-feira. Deveria ir para o interior de Goiás, à procura de uma audiência – se é que entendi bem – para buscar uma aposentadoria. Esta senhora tem duas brigas bastante inglórias, uma na previdência e outra diante do tratamento indesejado na companhia Azul.
Foi-me dito que nenhuma outra empresa poderia me levar para Cuiabá – só amanhã cedo. Também não me deixaram adiantar o checkin– o que vai provocar mais filas amanhã cedo. Ao sair do aeroporto, para pegar um taxi que eu pagaria – sem contar o de amanhã cedo que eu também pagarei –, vi a mulher da previdência. Estava com uma moça mais jovem, perto do cinzeiro, batendo uma bituca de cigarro. A moça que a acompanhava também deveria ter embarcado na Azul.
A jovem estava com ar atônito, muito surpresa com tudo, certamente abalada pela ansiedade da outra. Mas, o que percebi é que era passageira de primeira viagem. Ao notar isso, disse-lhe para aguardar a checagem da empresa, pois teriam de levá-la ao hotel, com as refeições incluídas e conduzindo amanhã de volta ao aeroporto. Não deveria gastar com nada. Espero, pelo menos, que a empresa tenha convênio com hotéis dignos, de qualidade, confortáveis.
Na fila, para ser atendido, ainda conheci e conversei com um senhor – físico de profissão – e que procurava embarcar para o mesmo destino: Cuiabá. O curioso é que sua esposa, antropóloga, é professora da Universidade Federal de Cuiabá, no curso de Ciências Sociais. Exatamente com quem terei reunião amanhã e terça, na comissão de avaliação e reconhecimento de curso designada pelo MEC. Coincidências à parte, enquanto conversávamos, vi pela porta entreaberta da sala atrás da esteira de bagagens que havia um quadro de anotações na parede. Um quadro pequeno, com letra de mulher, bem redonda e caprichada, trazia a seguinte inscrição: “Que Beleza!”. Mostrei ao marido da professora e a mais um com quem conversávamos. O acaso da ironia foi o único refresco que ganhamos da Azul. No mais, todo mundo estava vermelho de raiva. Uma beleza mesmo.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO
Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ
Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais
Doutor pela Universidade de São Paulo
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