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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Mein Kampf Liberar ou não?


 
            Quando se aborda a liberação do uso doméstico (medicinal ou não) da maconha ou da legalização do aborto, põem-se em destaque vários princípios: a vida é o primeiro.

            Quando se trata da retirada da censura para a publicação do livro Mein Kampf, de Hitler, não é diferente; pois, aparentemente, muitos princípios estariam em colisão.

            Quando se pensa em colisão de princípios, no senso comum, imagina-se ter de escolher um para si, sempre em desproveito de algum outro: liberdade x segurança. Censura ou “é proibido proibir”?

            No fundo, trata-se de um debate muitas vezes simplificado. No caso do livro que faz apologia aos piores crimes contra a Humanidade, não há colisão alguma. Os valores, os princípios, as liberdades, as garantias e os direitos pretendidos são os mesmos.

            Na Constituição Federal de 1988, e muito antes dela, a vida só tem sentido se for amparada na dignidade humana. Quem vive fora da dignidade, não vive, sobrevive, rasteja, encolhe-se.

Quem tolera a indignidade pratica, obviamente, uma intolerância negativa (fascismo). Assim, tudo faz sentido se o eixo da discussão for a dignidade sobre a qual repousa todo o resto. Ou seja, juridicamente, não há colisão possível entre o digno e o indigno.

            No caso específico do livro Mein Kampf – em que pese liberais, incluindo judeus, defenderem sua liberação –, o indigno é que será nomeado precursor da liberdade; especificamente, a liberdade de livre expressão. Isto é, em nome da liberal liberdade, liberte-se o indigno para atacar a própria liberdade que lhe deu origem.

            Em essência, este é o núcleo do pensamento de exceção que vigora no livro e nas teses fascistas: a mesma que levou Hitler ao máximo poder da exceção. O nazismo foi alçado ao poder absoluto prometendo defender a democrática Constituição de Weimar - 1919.

Utilizando-se do artigo 48, Hitler fechou os poderes e os pensamentos adversários e críticos porque, segundo os nazistas, ameaçavam a democracia. Desse modo, o indigno se tornou poder e aí sucumbiu a democracia e a liberal liberdade.

            A liberdade com igualdade, a democracia, os direitos fundamentais não podem ser ameaçados/enfrentados – pelo indigno –, se queremos realmente que prospere a dignidade. Para a intolerância fascista, todo o rigor da intolerância democrática: perda ou restrição de direitos.

A exceção (fascismo) não pode se utilizar, outra vez, do argumento da regra (liberdade) para se tornar a exceção com força de regra comum: ameaçando-se a dignidade dos outros.

Ao contrário, deve ser liberado tudo que se aplique contra a indignidade, inclusive a exceção (prisão) que combata a tolerância negativa: o avanço fascista sem restrição moral, jurídica, política eficiente. A liberdade não é o vale-tudo.

            A regra é a dignidade, e não a liberdade de publicizar a exceção prevista no fascismo. Aliás, é crime contra a Humanidade. A regra é a liberdade; mas, sob a ameaça do indigno (fascismo), deve-se aplicar a exceção: a censura da obra e dos atos fascistas.

Neste caso, aplica-se a exceção (censura) contra a exceção (indignidade). O fascismo não titubeia em aplicar a exceção (aniquilamento) contra a regra da liberdade e da vida social.

            A diferença está em que os regimes de exceção anulam/aniquilam as regras da dignidade; enquanto seus combatentes, ainda que se utilizem de meios de exceção, voltam-se à anulação dos efeitos das regras da indignidade.

A diferença, neste caso, está nos fins e não nos meios. Por aqui andou o Tribunal de Nuremberg e a condenação de Eichmann – o contador de corpos, em Israel.

            Para os fascistas (e seus livros), aplique-se a regra (que é exceção) de que “não se deve tolerar o intolerável” (intolerância positiva). No caso, intoleráveis são os intolerantes ou os fascistas.

Para as vítimas ou combatentes do fascismo deve-se instituir a regra comum à vida do homem médio, palco em que a liberdade tolera tudo (tolerância positiva), exceto aqueles que a querem desfeita.

            Em nome da liberdade, não podemos patrocinar a promessa de escravidão.

 

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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