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Vinício Carrilho

Na ilha de Crusoé, não há sexta-feira - A cartografia da Ditadura Inconstitucional


Fui instigado por uma leitora, em uma carta náutica da política atual. Nesta sua cartografia política do absurdo em que vivemos, sugeriu que navegássemos como as correntes marinhas, remexendo o lodo.

Vi nessas cartas marinhas a tortuosidade das verdades prontas, mas sem abrir o Google. Minha viagem tem sido um pouco pela literatura, agora releio A Peste, de Camus. De Kafka guardei A Metamorfose.

Minha convicção - e a cada dia sobram provas disso - é a de que estamos em tempestade perfeita. O motor de popa pifou. Adornamos a estibordo, à direita. Poderíamos ter ido a bombordo (boroeste).

No entanto, nosso caminho vem sendo traçado desde Honduras (2009), depois Paraguai (2012). De todo modo, entre nós, o Mensalão forneceu o combustível de que precisavam.

Assim, se somos o filho pródigo do que nos acerta – a Lava Jato e a corrupção que de fato existe -, ocorre que o vento lateral nos fez adornar e, pior do que isso, hoje temos uma criatura que só sabe consumir o criador.

Não me surpreenderia se provas robustas fossem ofertadas, até penso que elas existem de sobra, mas o que se faz agora é apenas e tão-somente metamorfosear as regras (as cartas náuticas do direito) em exceção.

O que o cartógrafo da política não viu, mas veremos, e obrigatoriamente, é a profundidade das fossas abissais. Não me refiro à corrupção, que é endêmica, assim como a cultura é nossa segunda pele; trato aqui do fascismo que nos absorve em ondas de maremoto e tormentas do bom senso.

Diante desse “nosso” tsunami de exceções, as críticas e as ações motivadoras por mais “descobertas da civilização” - do mesmo modo que em 1500 e também na regra histórica – vão se virando apenas com remos. Não há novidade nisso, a não ser que as ondas do retrocesso no processo civilizatório vêm em golfadas, ondas gigantes.

As mesmas ondas que assistimos embaixo do garga-sol. No meu caso, apesar de não gostar de sol, nessa hora penso que é preciso sair da sombra. Não quero capitão nenhum no meu navio, deploro o Mito do Salvador – pela pequenez intelectual.

Por isso, ainda que me perca no mar sem fim, vou como cigano que também não acredita em canto de sereia. Mas vou...não me permito ficar encalhado. Para um cigano-anarquista bater em rochas é a morte.  

Diante do paredão que fulmina os incrédulos do poder, com sua força magistral e soberana, prefiro, de longe, a porosidade do calcário. E mesmo sabendo que a política derreteu o direito nesse país, é pelos poros que se respira.

Nosso trabalho, penso, está em continuar respirando e provocar em outros o desejo de ar puro – principalmente onde se acreditava não haver mais oxigênio. Pois, se hoje estamos cobertos de algas venenosas que se alimentam da falta de nutrientes da vida pública, nosso dever de sobreviventes é descobrir onde se possa navegar, ensinar a pescar, e cultivar uma lua de esperança na praia que hoje parece deserta.

O sol vai se por, isso é certo. Porém, antes e depois disso, sempre houve e sempre haverá uma luz de farol. Fraca, titubeante, tímida, quase a apagar à distância, a luz do farol cresce em volume na proximidade da embarcação democrática.

A diferença, como disse, é que não espero pelo timoneiro e sempre que se apresentar desconfiarei de suas cartas náuticas. O que não me impede de navegar. Porque “navegar é preciso” – se não como precisão matemática, porque a política não permite uma aventura assim, que seja pela necessidade de andarmos.

Se não há porto seguro, que ao menos seja uma rota escolhida por nós e não pelos “senhores dos mares”. Desses, sempre desconfiei do destino apontado, e não os quero perto do meu por do sol. O problema, no entanto, é que nunca haverá ilha deserta para desembarcar. Ou vamos todos ou ficamos entulhados nos recifes que se alimentam da política podre.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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