Terça-feira, 22 de dezembro de 2015 - 13h03
O desembargador Sérgio Coimbra Schmidt, do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que os jovens ocupantes das escolas públicas paulistas “estão aprendendo cidadania”.
O juiz foi ativista quando adolescente, na vigência do regime militar. Ficou entrincheirado dentro da própria escola pública em que estudava, aos 13/14 anos. Filho de pai químico e mãe dona de casa, fez direito no Largo São Francisco e não aprova juízes do establishment. Em sua decisão, foi ainda mais enfático:
E por experiência própria, haurida no longínquo 1968, quando aluno do 3º ano no Ginásio Estadual Vocacional Osvaldo Aranha, posso afirmar tratar-se de experiência gratificante quando bem conduzida e respeitado princípio basilar da democracia que vem a ser o pluralismo subjacente à liberdade de opinião [...] O juiz é uma pessoa humana que também passou por experiência semelhante[1].
O jurisdicionado é um cidadão politizado, militante e requisitador na luta política pelo direito. Não é um “vândalo”, terrorista, criminoso. São crianças – com ajuda intelectual ou não – que lutam pela confirmação de direitos básicos e democráticos.
Trata-se de exemplo acadêmico de como a "visão de mundo" é formada pela experiência cotidiana da luta política e, por fim, como ambas têm reflexo direto no direito. É um recorte acadêmico, mas em sintonia com a vida de todos nós.
A luta social é uma luta por direitos essenciais, básicos, fundamentais, como é a garantia do acesso à educação. Mas, a luta pelo direito é também uma luta política, pois contrapõem-se visões de mundo antagônicas, contraditórias, opostas. E este sentido político que orienta a ação política revela um forte conteúdo de classe, a partir de perspectivas distintas, refratárias entre os sujeitos envolvidos.
Para alguns, trata-se do aprendizado político, da conquista da profundidade epistemológica que se constrói na luta social; bem como a conquista de direitos e da cidadania. Para outros, o espaço público é reduto dos apoderados, dos grupos de poder dominantes e, assim, crianças e jovens (ou não), não têm o direito de estender suas ações para além dos muros escolares. E, mesmo intramuros, não podem tornar a escola um verdadeiro local público.
De certo modo, isto está nas entrelinhas do magistrado. O juiz aponta, na decisão que garantiu a liminar de não-uso da força física em ação policial de reintegração de posse, para o legado que a política deve deixar aos jovens. Todavia, trata-se um legado construído pelos próprios jovens que desafiaram o establishment na ocupação das escolas públicas em São Paulo.
Aliás, o mesmo legado que faz parte da vida do desembargador, enquanto ainda era um jovem homem médio em sua vida comum de estudante, e consciente dos afazeres políticos contra a autocracia encastelada nos palácios do poder.
A política pode ser a construção de um hábito contra pensamentos e ações de poderes pré-estabelecidos, hierarquizados e hegemônicos. O habitus[2]que se projeta do establishment, por sua vez, demonstra a história incorporada pelos agentes do poder na posse que promovem dos espaços sociais, como se fossem exclusividade sua.
O que precisamos, de fato, é de novos hábitos republicanos, seja do magistrado que procura o caminho da luta pelo direito (como luta da descompressão jurídica), seja dos meninos e das meninas que batalham para ter um lugar saudável para estudar e vivenciar as primeiras lições práticas da política com liberdade.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
[2]Conceito dehabitus: constitui-se “em um sistema de estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes. Em outras palavras, princípios de geração e de formação de práticas e de representações que podem ser objetivamente reguladas e regulares sem serem fruto estrito de obediência a regras ou obedecerem à ação orquestradora de um regente. Espécie de social introjetado e recriado pelo aparelho mental de cada indivíduo, o "habitus" é um entroncamento entre a coerção do social que estrutura e é estruturado por cada ser humano” (grifos nossos).Veja-se em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132006000200013&script=sci_arttext&tlng=pt. Ou ainda, definindo-se habitus como a contradição entre o analógico e o dialético.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de