Terça-feira, 7 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

O direito-poder em Benjamin


 
Em tempos de terrorismo avançado, de Estados ou de “lobos solitários”, é preciso pensar o poder, o direito, a política, o Político fora/além dos paralelos do domínio político-jurídico (potestas) ou da dominação racional: lógica, “processo civilizatório”, ética, teleologia.

Em tempos de profunda recessão dos padrões civilizatórios, especialmente a orquestra badalada pela Bancada BBB (boi, bala, bíblia), é urgente pensarmos o direito que nos cerca e que advirá. Neste exato momento, até mesmo a rotina do Congresso Nacional é regulado por uma mentalidade fascista.

Portanto, a formulação política de Benjamin (2013) volta-se contra o capital e o Estado repressor, especialmente os movimentos retrógrados que sentia sob o avanço do nazismo. O fato é que se movimenta largamente uma cultura da exceção.

As ações só se transformam em violência quando interferem em relações éticas, ou seja, quando são designadas como Direito e Justiça. A etimologia germânica para o conceito de Direito é expressiva: KRITIK - "delimitação de limites". Sendo ainda derivada do verbo KRINEIN (grego) para expressar os sentidos de "critério" e de "crise".

O poder-direito (GEWALT) com origem na violência (fonte privilegiada do direito), e no bojo da luta política pelo direito, transparece na oposição entre Estado e lutas sociais (na requisição de direitos políticos); na contradição inaugural do Estado de Direito, entre o "poder-como-violência"- do Estado ("monopólio jurídico do uso legítimo da força física") e do Direito (Poder Extroverso: gestão dos aparatos administrativos, ideológicos e coercitivos do Estado) - e a "violência-como-poder" (Poder Constituinte; greve geral).

Neste último sentido, GEWALT personifica o verbo-conceito arcaico WALTEN (imperar, reinar, "ter poder sobre"): no processo civilizatório equivale à passagem da dominação patriarcal à dominação racional-legal. Na forma de POTESTAS (GEWALT), refere-se à dominação pelo Poder Político, também perceptível no substantivo composto STAATSGEWALT (autoridade ou poder do Estado); como VIS, implica no uso/abusivo da força/violência.

Desse modo, trata-se da crítica do poder como violência, retratando-se a crítica do Estado (KRITIK, GEWALT) e do Direito (a coerção como VIS). É uma crítica que recupera a tradição clássica de que "direito é poder"; pois, referencia-se no poder fundamental instaurador.

Sob o Poder Constituinte - poder instituinte da "violência organizada" (Poder Político) - deriva o Direito como ordenamento jurídico que corresponde ao Estado (POTESTAS). Portanto a origem do poder (GEWALT) e do Direito (VIS) é a violência inaugural (URSTAAT).

Diz-se que o Estado de Direito deve regular a violência: controle social, império da lei. Contudo, se o Estado de Exceção é parte integrante do Estado de Direito (pois, a exceção figura como regra de direito) – e se a exceção é a pura violência (GEWALT) – não se apresenta aí uma contradição nos termos?

Afinal, se o direito é a violência (“direito sem coerção é como arma sem munição”), e se o Estado de Direito está inoculado de meios de exceção, é de se concluir que o direito não é o meio mais adequado para conter a violência (dada sua origem: KRITIK).

Diante dos pressupostos anunciados nas questões, como definir (juridicamente) um sentido para o Estado de Direito que esteja livre dos meios de repressão/coerção? Se de fato houver um conceito válido juridicamente de Estado de Direito – submerso na exceção –, por outro lado, não será a contraprova de que o direito é capturado pelo realismo político designado pelo próprio Estado de Exceção que lhe assegurou a origem ou sobrevida?

E, nesse caso, não será concludente o fato de que não haverá direito de exceção (ainda que sob a marca legalista do Estado de Direito) que possa ser legitimado? Em conclusão, pode-se admitir que toda exceção serve ao poder (realismo político) e que, por definição, é ilegítimo e injusto – posto que serve tão-somente aos Grupos de Poder Hegemônico?

O Estado de Direito guarda as ferramentas do poder adicional requerido pelo Estado de Exceção e, após sua decretação (Lei Marcial), instaura-se outro tipo de Estado de Direito (tutelado, juridicamente, é claramente regressivo quanto às garantias dos direitos fundamentais) e, assim, submerso em regras típicas e precisas do Poder Político que se torna absoluto no manejo do direito (retraindo-se, portanto, a ação do Legislativo e do Judiciário, suspende-se a autolimitação do poder), o Estado de Direito define-se como repressivo (politicamente).

Validado como Estado de Direito de Exceção (para além do Estado de não-Direito: lastreado por leis injustas), o medium que daí decorre comprova o fato de que o direito responde à violência dominada pelos grupos de poder hegemônicos; o direito exarado corresponde ao embate sob o manto do realismo político. Por fim, estabelece-se a natureza da lógica jurídica do Estado de Direito: submerso em regras constitucionais (anteriores) e em leis de exceção (positivadas posteriores).

Ou, dito de outro modo: a natureza jurídica do Estado de Direito responde ao comando do soberano que edita leis de exceção. Esta é a precisão de uma lógica jurídica exarada da lógica política de conquista ou de manutenção do poder absoluto. Sob o (co)mando da exceção, o Estado de Direito é absolutista – e talvez esta tenha sido a maior engenhosidade do liberalismo político: conter os reclamos populares por participação política com a recuperação e o manuseio dos meios de controle social editados pelo Absolutismo (ou cesarismo).

De toda forma, resta convicta a conclusão de que o Estado de Direito não é uma fórmula vazia, pois, preenchida de poder de exceção, não interroga ao poder que lhe deu vida e manifestação pela via forma absolutista. A única regra absoluta no Estado de Direito de Exceção é, (in)justamente, a obrigação de o Estado de Direito não admoestar o Poder Político (STAATGEWALT).


...

Bibliografia

BENJAMIN, W. Para a crítica da violência. IN : Escritos sobre mitos e linguagem. São Paulo : Editora 34, 2013.

...


Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH


 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 7 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Terça-feira, 7 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)