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Vinício Carrilho

O 'Estado Judicial' na pauta do Cesarismo de Estado


 
Realmente, posta-se fora da curva histórica (ontologia) rediscutir a formação e o manuseio de tipos de Estado já abandonados pelo processo civilizatório. Ou deveria estar fora de moda, não fosse a involução verificada no atual estágio do processo civilizatório. Vivemos a tutela de um Estado de Direito regressivo e repressivo.

É certo que este curso de regressão/repressão é global, mas nos atingiu violentamente a partir de 2016. Hoje debatemos não só a profundidade do Estado Paralelo – resumido nos níveis inimagináveis de corrosão do erário –, como o ensino ou não (sic) da Teoria da Evolução nas escolas.

Neste ponto, para termos uma perspectiva da educação fundamentalista que se apregoa, pode-se dizer que se mantem a mesma métrica do misticismo (obscurantismo) apresentada pelo Talebã e renovada (piorada) com o Estado Islâmico.

Do ponto de vista das estruturas e das condições do direito público e do Estado, a questão é complexa e, profundamente, desgastante se pensarmos que não temos defesas democráticas contra os abusos de poder que nos atingem com “força de lei”.

Ao invés de validarmos o debate sobre a necessidade de se debelar a corrupção pública, discutimos a urgência de regulamentos contra o abuso de poder; ao contrário do aprofundamento do Princípio Democrático, tratamos todos os dias dos níveis de exceção já verificados na vida privada e pública.

Falamos do Terrorismo de Estado – como precursor de um verdadeiro Estado Judicial (no todo fascista) – quando seria urgente/urgentíssimo construirmos práticas sociais inerentes à emancipação (qualidade das relações políticas), equidade (igualdade real), perfectibilidade e teleologia: o futuro que deveríamos planejar democraticamente.

O Estado Judicial teve uma primeira versão (idealista) com as formulações de Hegel – filósofo alemão que se pautava na ética soberana do Poder Político. “Acima” das diferenças das classes sociais, o Estado incidiria sobre os grupos e os indivíduos.

Como Estado Ético, longe do realismo político da sociedade capitalista, este modelo ideal apenas permitiu outras construções político-jurídicas extremamente abusivas diante do mundo da vida comum do homem médio.

Desse modo, como condição praticamente unitária e refém do Poder Público, a vida privada passou a ser sistematicamente regulada por medidas invasivas e de exceção. Assim, as primeiras leis de eugenia foram publicadas na Alemanha de 1905.

Como, na prática, a vida civil era controlada dia a dia, além da divisão de poderes ser cada vez mais um fardo constitucional, o poder estatal tendia a se absolutizar. O controle incidente no Judiciário não seria menor. E, logo, o justiciamento substituiu a própria justiça formal e institucional.

Em nosso caso, a chamada Operação Lava Jato, mais especificamente, incorre em alguns dos mesmos excessos e abusos que acometeram este Estado Judicial mantido pelo regime fascista predominante até meados do século XX.

Neste caso, mais precisamente, uma das pontas da exceção se revela desde sua origem (ab ovo). Pois, se a Polícia Federal traça suas linhas de investigação em cega obediência aos desejos de um juiz[1], está dissolvida a divisão de poderes e com isto também se parte a República: isonomia, império da lei, independência dos poderes.

Por isso, vigoram outros decretos de poder absoluto: 1) “Autonomia sem auditoria é autocracia” – vide o Judiciário sem controle externo; 2) “Autoridade sem alteridade é atrocidade” – a exemplo da Bancada da Bala no Congresso Nacional.

Esta confusão/descontrole proposital dos poderes – inconstitucional, portanto – é uma das facetas do que aqui denominamos de Cesarismo de Estado. Sobretudo, quando os Grupos Hegemônicos de Poder usam subterfúgios[2] para burlar a Constituição e embaralhar as atribuições institucionais dos três poderes.

A questão, portanto, não é saber “se” devemos ou não investigar a corrupção pública (até porque isso é óbvio); mas, sim, ter clareza de “como” atuar democraticamente, dentro dos limites e dos rigores da lei, com total respeito ao decoro constitucional e consoante aos princípios republicanos.

Em suma, podemos dizer que a máxima do cesarismo (“vim, vi, venci”) é a tônica do Estado Judicial que ora reconstruímos, tanto quanto o Golpe de Estado de 2016 forneceu suporte (i)moral à Ditadura Inconstitucional que liquida a liberdade[3].

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH


[2]Manobra, ardil, corrupção conceitual, manipulação, estratagema, compõem o índice da tipologia de uma “chicana constitucional”. Interpretar a CF/88 de modo a permitir que seus princípios essenciais sejam relativizados e o resultado agrade a quem detém o poder momentaneamente. 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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