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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

O Príncipe Lobo e a Princesa Sonhadora


 

Um Conto Incompleto – no sentido de que só se conhece o começo e o meio

            Ele olhava pra ela com espanto e desejo.

            Ela o via com a perspectiva de mulher que domina o amor da superfície e da profundidade.

            Ela o antevia como príncipe – Príncipe Centauro. Atirador de flechas, amigo de lobos e de estepes navegantes.

            Ele “errava” aqui e acolá, como cigano de canto em canto, de vez por outra, e errava nos sonetos e nas prosas da vida.

            Ele, errante nos caminhos, errante nos erros, via nela um lugar pra parar.

            Ela, certeira como a flecha da justiça, queria nele um paradeiro de suas viagens.

            Ele, de erro em erro, sonhava ser errante somente pelos contornos dela, de sua pele, de sua alma.

Ele queria prender sua voz meiga de menina domadora do tempo.

Ela, sonhadora, não queria mais sonhos. Queria a realidade de um amor principal e de princípios.

Ela queria um porto em que nem príncipes, nem lobos, atormentassem seu amor.

Ele queria a ela, em sonhos e na realidade do centauro. Num amor que nunca cessa, nunca se vai. Ele queria nunca mais se esvair dali.

Ela desejava, ele se contraía por não controlar os sonhos.

Ele era o Príncipe Lobo. Acostumado a errar pelos caminhos de cigano e errar nas decisões, queria acertar-lhe o coração romântico com a precisão do melhor arqueiro do mundo.

Ela era romance, ele o desejo voraz.

Ela amava, ele queria errar, trilhar, caminhar cada centímetro de sua mente e do seu corpo.

Ela era mente e corpo, num só conjunto de leveza.

Ele, um conjunto de posse e amor. Ele queria lhe dar a poção do amor.

Ela esperava o arqueiro abaixar as flechas e descer de sua montaria do passado.

Ele queria, mais do que tudo, descer em cima dela para entrar e pra nunca mais sair.

Ele devorava o futuro, como os que anseiam pelo presente.

Ela planejava como seria esquecer de todo o passado.

Eles estavam assim, frente a frente, pela primeira vez, olhando-se cada qual com sua visão de mundo e fantasias.

Ele queria dar-lhe um nome, mas descobria que nada lhe preenchia com satisfação.

Ela perguntava se era satisfatório aquele encontro. Ele, rapidamente, dobrou a aposta, queria colher todos os seus frutos e cheirar suas flores.

Eles, intimamente, queriam tocar e trocar seus íntimos.

E tocariam, e trocaram, um pelo outro.

Olhando-se, admirando-se em espasmos de crianças que ainda estão florindo, ele e ela trocaram seus sonhos, seus lampejos de suspiros, seus fluídos, suas flores íntimas.

Ele a possuiu como uma flor, um botão lilás que outro jamais veria.

Ela, encantada, cortou-lhe os espinhos e se deixou infiltrar e invadir em amor.

Ele se esvaziou de dentro, porque a viu em prática. Ela se encheu de esperança, da vida que vinha de dentro dele.

Ele penetrou pelos caminhos que sempre sonhara e quisera conhecer e ter pra si. Ela navegava, cavalgava como uma princesa que prendeu o centauro dentro de si para sempre.

Eles marcaram seus territórios. Eles estavam encharcados de amor, repletos de desejos em ter a superfície dele e a profundidade dela.

Ele a abria pelos olhos, no exame da alma dos enamorados. Ela queria guardar a imagem de sua paixão.

Eles fotografaram inúmeras vezes esse destino, em paisagens de amor e vontade de volúpia, antes de se terem.

Eles não se detiveram no amor que se perde, tinham a vontade de nunca querer parar ou partir.

Ele nunca mais seria o mesmo, transformado de Príncipe Lobo em homem melhor.

Ela seria sua posse para a eternidade. Marcada em território, de cima abaixo.

Ele sempre fora seu, desde o primeiro momento.

Absorvidos, amando-se loucamente, sem limites de querência, se os dois assim o desejassem, veriam como um corpo é parte do outro.

Eles não sabotariam a anatomia do amor, correndo cada polegada e centímetro de pele, cavalgando-se como dois amores.

Eles corriam para o outro. Ele a tomaria em cálices e pratos em vinho. Ela beberia de sua força como energia de desejo e amor incontido.

Ela disse que era dele; ele sempre fora dela.

Seus terremos foram marcados e revisados periodicamente. Ela demarcava-lhe os pés, como alguém que controla a raiz de onde tudo brota. Ele tomava-lhe a cabeça, de onde tudo se ampara e escora.

Ele pedia que lhe fizesse um homem romântico, para que o amor dela crescesse a cada dia. Ela encantava seus dias difíceis, e que só eram desse modo quando ela não lhe tomava todo o tempo.

            Ele queria dizer três vezes por dia que a amava, e falava milhares.

            Ela queria ouvir, para ter certeza de que ali estava o homem e não o centauro que errava por caminhos soltos.

            Ele queria estar atado a ela.

            Ela queria ser um grude para que nunca mais as flechas fossem lançadas.

            Ele amava-a como um jovem despreparado. Descera da montaria de seu passado por uma paixão juvenil que seguiria seu curso até falecer.

            Ela sonhava com dias assim.

            Ela queria amar por fora, ele queria amar por dentro dela.

Eles foram felizes, um dia mais do que outro, um dia menos. Mas nunca pararam. Príncipes Lobos e Princesas Aladas nunca se cansam de se procurar.

            Da eternidade que não se explica, ele a encontrou em meio ao caos de uma tarde qualquer. Quem o levou até ali? Ela estava escondida nas brumas de uma distância física que não se conta. Ele não perdia a conta dos dias para vê-la descer do tempo remoto.

            O que os levara a se encontrar? Ela não o procurava. Ela o deixou por medo de ser um príncipe que não conhece parada.

Ele viajou seis dias de uma semana, cada dia num lugar, para reencontrá-la. Ela sempre estivera ali.

Ele foi persistente como um príncipe que quer ampliar seus territórios.

            Ele a caçou, teimou no desejo da posse demarcada, ela contornou suas diferenças, inteligentemente, diligentemente, e lhe indicou o caminho a seguir. Ela abaixou a ponte, permitiu a penetração de seus territórios pela força de sua conquista. Ele se viu capturado no interior do castelo dela.

            O príncipe a teve, em toda a profundidade e em todas as entradas permitidas ou não do reino feminino.

            A princesa teve o queria, nem príncipe, nem lobo, apenas seu homem que se despia de armaduras para ser apossado, sugado.

Ele era dono dos desejos dela, ela era dona dos seus sonhos.

Ele pensava capturar e foi aprisionado. Mas, ambos, adotaram o amor.

Esvaziado de um ser de latência! Assim ficou o príncipe. Ela, a Princesa Alada, enchia-se de seu néctar, mas transbordava o amor que só as mulheres conhecem.

Ele, mesmo sendo apenas homem sem armaduras, não conhecia nada disso. Sabia apenas que a queria como quem quer seu próprio braço. Ela entendeu e retribuiu com um abraço longo que lhe fez suspirar.

Por que não? Eles se amavam.

Eles se devoraram, comeram-se em carne e saciedade de amor que não se contenta e nunca se consome.

Isso tudo foi real, foi fantasia, foi história, foi um conto estranho sobre o amor que teima em queimar aceso para só queimar todos aqueles que se atrevem a cruzar suas chamas.

Ela e ele são o destino do amor que queima.

Por isso, é um Conto Incompleto – no sentido de que só se conhece o começo e o meio. Não teve fim, talvez nunca tenha, tal qual o amor que queima os teimosos na dificuldade de amar.

            Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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