Domingo, 11 de janeiro de 2015 - 09h30
No século XV, o genial Leonardo Da Vinci criou o epitáfio da pós-modernidade plantada no século XXI: “Acontecerá à geração humana não se entender ao falar um com o outro. — Isto é, um alemão com um turco”. Poderia ter dito franceses.
O mundo acompanhou a matança no pasquim de charges francês Charlie Hebdo. Milhões ficaram chocados com o assassinato frio de um policial muçulmano – caído no chão e já gravemente ferido por disparos de um fuzil AK-47 – ao levar um tiro na cabeça. Houve repulsa geral pelas mortes dos 10 jornalistas. Outros milhões replicaram nas redes sociais o lema “Eu sou Charlie”. Homenagem aos combatentes da liberdade de expressão. Fui um deles.
Agora, o que alguns se perguntaram depois, foi o sentido dado pelo jornal satírico ao esculhambar violentamente, sistematicamente, o islamismo e Maomé. Soldados dos EUA, no Iraque, urinavam no Alcorão – e filmavam. Milhões de muçulmanos, no mundo todo, ficaram ofendidos, aborrecidos. Alguns chegaram às vias de fato. Então, isso era necessário? As ações e reações foram equivalentes? Os dois lados dirão que sim.
No Brasil, um bispo da Rede Record chutou uma imagem sacra da Igreja Católica, ao vivo, na TV, para que milhares de fies assistissem. Era preciso? Não sei que fim levou o bispo, mas a Igreja de Edir Macedo teve de se retratar publicamente. Se tivéssemos uma clivagem maior de interesses religiosos, econômicos, geopolíticos no país, algum Cavaleiro Templário ou do Priorado de Sião explodiria bombas contra os discípulos protestantes?
Em relação ao terrorismo de homens-bomba ou do tipo que exterminou o humor satírico (sádico) do jornal francês, ainda dá para dizer que são ações em resposta a outras violências sofridas por seus povos. A lista é longa e se quisermos podemos voltar ao êxodo dos judeus ou às Cruzadas pela Terra Santa. Cristo mandou empunhar espadas (Lucas: 22; 36-38). Um tipo de vai e vem pela história, na fase recente passando pela guerra do Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria.
Na prática, no frigir dos ovos – diriam os antigos –, temos perdas para todos. Hoje você mata, amanhã você morre. Agora há um ganho, depois uma perda irreparável. Os EUA financiaram Saddan Hussein para combater o Irã. Também criaram e treinaram Bin Laden. E mais recentemente – ou desde sempre – vêm investindo no intitulado EI (Estado Islâmico). Depois, atacaram os três. Vendem armas para os dois lados e põem o mundo em guerra de terror. O resultado dessa aritmética, para nós, é sempre zero. Uma soma que, invariavelmente, dá zero.
E no futuro, o que esperar? O EI na Europa. Seguido de mais e piores leis antiterror, pena de morte, xenofobia, islanofobia, racismo; mais ataques, mais Charlie, mais mortes, mais censura e loucura na vida real e no Facebook. Depois, mais EI, mais Guerra ao Terror, mais homem-bomba, mais Terrorismo de Estado. E não para: mais religião, mais petróleo, mais Israel, mais Hamas, mais capital e imperialismo dos EUA, mais 11/09, mais miséria humana.
Aliás, uma curiosidade: na linguagem policial, Charlie 04 quer dizer confusão. E um exemplo disso é o fato de que o pasquim já havia editado uma charge contra a Ministra da Cultura francesa – chamando-a de macaca (ela é negra) – porque tinha censurado as “tiradas” irônicas contra os políticos. Macaca? (Comentários críticos à charge racista foram retirados, arbitrariamente, pelo Facebook – um deles foi o meu).
O mais estapafúrdio de tudo, é que esse quadro só retrata a razão. Não há irracionalidade em nada do que houve. É a pura manifestação da razão. Afinal, não há razão sem coerção. É a razão do senhor da guerra.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de