Segunda-feira, 1 de julho de 2013 - 14h33
Talvez não tenha sido claro o suficiente nos artigos anteriores ao analisar a Multidão. Aliás, nem sei se é possível ser tão claro quanto o necessário quando pensamos, falamos, analisamos os fatos estando em cima deles. Analisar o contemporâneo, como no caso da Multidão, não é um feito comum e nem simples. Não é todo dia que nos vemos tratando da história que está sendo feita aos trancos, barrancos e solavancos. Não é todo dia que o povo se encontra com o espaço público. Em todo caso, tenho algumas ideias meio gerais que se aplicam a este e a outros momentos:
1) será que o povo nas ruas sabe que sua saidinha do sofá não desprivatizou o poder?
2) não há mais espaço no processo civilizatório para práticas de tomadas de poder pela força, quer seja pela violência organizada ou não;
3) somente a democracia (imperfeita) nos permite criticar suas imperfeiçoes.
Neste ínterim, a Multidão é legítima enquanto não pretender destruir as instituições democráticas – inclusive, é bom lembrar que a Multidão procura afastar aqueles indivíduos criticados como vândalos. O que romanticamente chamamos de militância é um arremedo da memória das esquerdas, basta-nos comparar com a Coluna Prestes e a resistência à ditadura de 1964. Não há militância na Multidão, simplesmente porque não há envolvimento e participação sistemática. A maioria nem sabe o significado dessas palavras.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente – e infelizmente –, a Multidão e alguns militantes são açodados por criminosos do Primeiro Comando da Capital e do Comando Vermelho. Esses decembristas – que vieram nos atormentar com a manipulação iniciada por Napoleão – não são bem-vindos. Uma coisa é certa, não há militância e nem massa crítica para qualquer insurreição; e ainda precisamos separar o joio do trigo: quem é sans culotes e quem é decembrista. Alguns, manipulados pelo ódio; outros, manejados pelo vil metal. O fato é que a história se repete como farsa.
Quem estará financiando o PCC e o CV, para agitarem contra a democracia? Ao contrário de alguns analistas, neste caso, não estava de acordo com a teoria da conspiração – contudo, começo a pensar que a Multidão esteja sendo manipulada por alguns que querem mandar recados precisos à Presidência da República. Por que razão? Porque estariam descontentes com a parca ingerência do Executivo no Judiciário, especialmente, porque não houve absolvição em casos de crimes comuns. Nesta suposição, alguns dos manipuladores acreditam que se trata de crimes políticos e, se assim fosse, o Executivo deveria ter impedido o julgamento e o linchamento público. As manifestações, sob esta análise, seriam uma resposta provocativa pela suposta traição cometida por companheiros de jornada. A Multidão estaria sendo manipulada por especialistas em marketing – não à toa as tecnologias Wiki foram profusamente utilizadas neste momento e não em outras circunstâncias.
Outro ponto que sempre afastei de mim é a tentação de ser massa de manobra. Nunca admiti isso e não seria hoje que passaria a me ver como marionete. O palco político deve ser democrático, amplo, aberto, republicano. Toda secção ideológica que pregue ações segmentadas, intransigentes deve ser revista e afastada do cenário político. Proposições políticas primárias, até meio atávicas e sob a manta da revolução que não virá, só confundem o povo. Não há nada de apologia ao real, no que digo – apenas não flerto com as apoplexias ideológicas oportunistas.
Sempre fui capaz de pensar a utopia socialista, mas em nome de uma suposta análise crítica das “distopias” democráticas não comungo com o fim da democracia. Isto é, não admito pensar em jogar fora o bebê com a água suja do banho. A incidência de distopias na democracia brasileira não nos autoriza, por força da lógica elementar, a descartar a própria democracia que nos permite avaliar suas falhas. Se a autocrítica não pode levar o indivíduo ao suicídio, com as instituições menos ainda. A democracia é imperfeita, e a brasileira ainda mais, mas sempre será insuperavelmente melhor do que todas as formações políticas rivais. É claro que a pior democracia é melhor do que nenhuma democracia. A utopia presente na democracia é o que nos permite chegar à conclusão de que há distopias – e não o contrário – e é esta força da perfectibilidade que nos impulsiona à melhor democracia e nunca à sua subtração.
Penso que sou um democrata radical, o que procura descer às suas raízes, mas sem supor que a crítica mais severa me indique o caminho que afirma sonhos ou delírios de apossamento do poder. Não se faz uma democracia superior na base do “quanto pior, melhor”. Posso me equivocar nas análises, mas não creio que haja uma janela na história política brasileira para movimentos semelhantes ao Grupo Baader-Meinhof ou ao peruano Sendero Luminoso. No mais, podem me chamar do que quiserem, mas não vejo nenhuma fonte de legitimidade nas atuais Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs). Nem sempre chegamos à autonomia como na Iugoslávia do Marechal Tito ou aos Conselhos de Fábrica; ao passo que o lado mais perverso disso, já sabemos, é o famoso polpotismo (Camboja). Este modelito é uma eterna sombra, e que o digam os inimigos de Estado na Coréia do Norte.
Se não considerarmos as conspirações e atuações residuais de bandidos do PCC e do CV, a Multidão é legítima. A Multidão faz o que, teoricamente, chamou-se de rizoma político. Seu maior pregador foi o filósofo francês Giles Deleuze e lembra um pouco o que já nos dizia o poeta romano Petrarca – e citado por Maquiavel (o criador da Ciência Política): “que a virtude tome conta do furor”. Aos revolucionários, “avante sempre”, mas com o cuidado de não perder a virtude. Um sonho que se sonha junto é democrático.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO
Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ
Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais
Doutor pela Universidade de São Paulo
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de