Terça-feira, 16 de abril de 2013 - 09h55
O voto secreto é um direito democrático fundamental e ainda protege outro fundamento da democracia: o pluralismo político. O artigo 60, § 4º prevê esta defesa na forma de uma cláusula pétrea, de pedra, que não se pode remover, salvo em situações de golpe político e de instituição do Estado de não-Direito - “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir”:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Portanto, democraticamente, para se defender a liberdade, trata-se de defender o voto direto, secreto, universal e periódico. Ou seja, o voto é direto porque não se delibera com/sobre a soberania popular fazendo uso de procuração, agindo em nome de outro, porque este outro declinou do seu direito político (toda soberania é indeclinável); o voto é secreto para que não se exerça pressão contrária à nossa “intenção de voto”; o voto é universal como tendência, pois nunca toda a população será abarcada pela condição do exercício do voto (mas, historicamente, a parcela dos cidadãos, como conjunto dos eleitores, é tendencialmente crescente; proporcionalmente, muito mais gente vota hoje em dia, do que no passado); o voto ainda deverá ser periódico, para haver respeito à integralização do processo democrático como rotatividade do poder, modificando-se os partidos dominantes, determinando um máximo de reeleições, se estas existirem, e, acima de tudo, revezando-se as forças políticas na condução das hostes do poder.
Quando se fala, porém, do voto secreto dos parlamentares há algumas ponderações adicionais a serem formuladas. Primeiro, há um efeito desejado em comum à segurança atribuída ao voto do cidadão: trata-se de defender a integridade do processo político-eleitoral. No caso do cidadão, com o voto secreto, espera-se proteger seu direito de escolher seus dirigentes com total liberdade; como a liberdade de consciência e de expressão de suas crenças e ideologias; portanto, trata-se de um direito de liberdade.
No sentido adotado no Brasil, o voto secreto dos parlamentares configurou uma defesa do direito de livre-expressão política, sobretudo dos parlamentares oposicionistas ao regime militar imposto com o golpe de 1964. Quando esses parlamentares de oposição votavam leis democráticas contra o regime militar autoritário, obviamente, fortaleciam as instituições democráticas, ou seja, o voto secreto dos parlamentares protegia a formação de uma consciência política livre e democrática; era uma reserva moral contra as imoralidades da ditadura e uma defesa da sociedade contra os achaques do Estado.
De lá para cá, após a Constituinte de 1986 que resultou na Constituição Federal de 1988, o sentido político se inverteu completamente. De defesa moral da cidadania, o voto secreto dos parlamentares, passou à condição de segurança para os inescrupulosos que “vendem” seus votos diante de interesses escusos, a fim de que não revelem sua verdadeira intenção aos eleitores; acima de tudo, o voto secreto dos parlamentares, atualmente, em meio à democracia liberal, é uma afirmação do cinismo político. De segurança jurídica da democracia, no passado de resistência à ditadura, o voto secreto dos parlamentares configura-se hodiernamente como insegurança social. Por trás de segredos inconfessáveis, os parlamentares corruptíveis pelo poder barganham um direito fundamental, que é o direito/dever de defender a sociedade contra o Estado e, economicamente, contra os chamados “grupos de pressão” ou lobbies. Como não temos regulamentação acerca da atuação legítima dos lobbies no Brasil, apenas sua proibição, os grupos de interesses antissociais aproveitam-se do voto secreto dos parlamentares para aprovar leis que legitimem suas propostas, mas que ferem a integridade social. Hoje em dia, o voto secreto dos parlamentares não é apenas imoral, é antes de tudo antidemocrático, presta-se ao favorecimento de interesses corruptos e inconfessos; aprovam-se claramente leis que beneficiam interesses escusos e particulares, ao revés dos interesses públicos e de abrangência social.
O voto secreto dos parlamentares é, enfim, uma excrecência política, tem caráter evidentemente privatista, imoral, presta-se à defesa de interesses não-compartilháveis pela maioria do povo e, além de tudo, é uma ação política antidemocrática. Afinal de contas, por que se esconder por trás de um recurso dos tempos de exceção se não mais vivemos sob o Estado de Exceção? Na democracia, deve vigorar a lógica democrática. Se não há o que esconder, por que não acabar com o voto secreto dos parlamentares? Em tempos democráticos a democracia se fortalece com a clareza, a transparência, a glasnost pós-moderna dos tempos de plena comunicação por tantas redes sociais. O voto secreto dos parlamentares, na vigência da democracia institucional, fere a lógica democrática e o bom senso da política.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO
Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ
Pós-Doutor pela UNESP/SP
Doutor pela Universidade de São Paulo
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de