Quarta-feira, 14 de janeiro de 2015 - 11h52
Durante minha infância e grande parte da minha adolescência ouvi a minha avó Maria pronunciar um ditado, talvez um provérbio, que dizia: “para que tanta lida, para tão pouca vida?”. Eu a olhava e via ares de tristeza em sua voz. Sempre foi tão marcante ouvi-la que hoje aos 48 anos, portanto bem distante da minha infância, ainda posso sentir e ver seu olhar triste diante daquela constatação.
A vida para minha querida avó deveria ser mais amena, mais mansa, menos corrida, mais moderada. Sem perceber ela falava das inquietações impostas pelo famigerado sistema capitalista – que ela jamais ouvira falar – e que pouco a pouco, e desde a mais tenra idade, já colocava a todos nós na busca desenfreada pela sobrevivência, dragando toda a energia familiar.
A única coisa que ela acumulava, uma vez que jamais guardou bens e nem posses, foi a esperança – que ela traduzia em suas contas de rosário, como tantas mulheres de seu tempo. Esperava, dia após dia, que alguém lhe explicasse porque fazia tanto para nada ter. Esperava entender que força estranha era aquela que pouco lhe deu, além do corpo para o trabalho, mas que tudo lhe retirava. Não sabia o que era justiça e nem ética, nem direito e muito menos cidadania – pouca educação formal recebeu –, porém, sabia que tudo aquilo não poderia ser o certo, o justo, o correto.
Não estava desconsolada, nunca foi amargurada, nem desiludida. Esperava apenas compreender melhor como a vida poderia ser tão distante para alguns. Tudo que quisera era estar perto dos seus, tudo que sonhara – se um dia houve sonho no seu mundinho refém –, fora esvaziado pela certeza de que toda a lida foi-se embora nessa vida. Nunca soube, nunca ouviu a palavra cinismo e se ouvisse lhe pareceria um xingamento. Esta foi a sua ironia.
Certo dia ao retornar para casa de uma curta viagem fui avisada por amigos que ela havia morrido. Tinha balas na bolsa pra lhe entregar. Balas que ela simplesmente adorava. Não pude me despedir e durante muito tempo me cobrei pelo que deixei de dedicar a ela em tantas tardes sem nada fazer ou lendo um dos tantos livros que atraia a minha cabeça adolescente.
Duas coisas que aprendi com ela nessa história: avaliar o egoísmo dos homens por trás da cobiça destrutiva do capital, regozijar-me com a simplicidade e a esperança das pessoas de bem.
Para além dessa lembrança da minha infância/adolescência penso no quanto ainda temos a percorrer, tantas lidas, corridas, às vezes fingidas para uma curta, rápida e fugidia passagem terrena.
No fundo, creio que César retira muito mais do que lhe é devido. Retira-nos a essencialidade do viver e que é compartilhar o amor, a paz, as benesses da alma que aproximam as pessoas e as tornam seres que partilham a existência mais do que gladiadores dos seus desejos. Saudade da vovó, da verdade em seu olhar, da sinceridade na voz e da calma no pensar.
Fátima Ferreira
Professora universitária
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