Terça-feira, 26 de abril de 2016 - 20h35
O que temos no país é um triste golpe que fará o realismo mágico (Gabriel Garcia Márquez) parecer com brincadeiras de criança, com a (in)devida imposição de um trágico realismo fascista e replicador da miséria humana.
Há mais razões para tratarmos nosso diuturno sofrimento político-institucional como Golpe de Estado?
Vejamos, sem a pretensão de esgotar o tema ou as razões (irracionalidades) do golpe – num movimento analítico que vai do complexo ao mais simples, do global ao singular, do Político ao partidário, do direito ético à imoralidade comezinha –, do que mais se trata.
Os Grupos de Poder Hegemônico estão alinhados ao capital internacional: a meta desenhada pelo governo Obama e congêneres é retomar a supremacia político-diplomática na América Latina, bem como a hegemonia econômica, recuperando os nacos de poder e de negócios perdidos para a China e União Européia.
A instabilidade institucional do Sul facilita o trabalho: golpes e contra golpes em Honduras (2009), ensaio apressado de impeachment no Paraguai de Fernando Lugo (2012). A Argentina, por fim, acabou se curvando aos abutres, pagando bilhões de dólares que saíram dos pratos de comida.
O PT tentou um governo social, não socialista/reformista como o Uruguai, mas acabou preso à coalizão das elites: nem ouve reforma política ou agrária. Apesar dos programas sociais, foi neoliberal. E aí acabou refém do presidencialismo de coalizão, num processo iminente de colisão.
Mesmo com o BNDES financiando o agronegócio (Kátia Abreu/PMDB à frente), os grandes atacadistas - com consumo expandido - e as grandes indústrias, acabou por privilegiar a fração de classe do capital financeiro: bancos e financeiras tiveram lucros exorbitantes.
Como sabemos, o setor financeiro tira seus lucros da classe trabalhadora, do povo em geral e também dos setores produtivos. O restante da burguesia produtiva acabou sugado pela crescente financeirização da economia. Vivemos uma espécie de capitalismo de agiotagem legalizada.
Ao permitir essa rota de governo – da coalizão à colisão –, provocou-se insatisfação generalizada no setor produtivo: há crescente desindustrialização. São esses setores (FIESP/CIESP), mais o capital de multinacionais (Exxon, Chevron) que pagam a conta do pato gigante e do golpe.
A par disso, acomodaram-se os movimentos sociais combativos e os sindicatos não-pelegos com programas de inclusão ou financiamento público: assistencialismo. Partidos da base aliada se tornaram fisiológicos, porque também acostumaram-se ao poder instituído.
Contudo, é preciso somar sempre o ranço sectário e absurdamente ignorante das elites brancas da Avenida Paulista (São Paulo/Capital) e a classe média que, quase nunca está livre do fascismo, da cooptação de classe pelas bordas de pizza que caem de um céu hipócrita e dominado pela burrice solene: repetem o PIB e o PIG como se fossem doutores, mas no fundo são papagaios de pirata.
Já se disse que a Casa Grande não suporta a senzala que vai à escola. Daí criarem líderes igualmente fascistas, como baluartes de nossa monstruosidade societal. O Político, em parte modificado pela inserção de pobres e negros, desafia a classe média em empregos e os escravagistas no privilégio de não seguir o Direito Ético. Mais ainda, pobres e negros requerem vagas na política e no concurso público.
Futuras primeiras-damas falam com orgulho de suas “criadas”. Saídas do umbral da história – parafraseando Benjamin e seus “monturos da história dos vencedores” –, sequer se dão ao luxo de adotar o politicamente correto: colaboradores da extração da própria mais-valia (absoluta e/ou relativa).
Por fim, mas não menos importante, o PSDB não engoliu a derrota em 2014. Vinga-se como pode, cria factóides para não ser ele próprio julgado por crimes comuns e contra a República. Por dentro do Estado age o Legislativo, o STF (imunizando réus), a PGR com denúncias direcionadas, a justiça federal restritamente seletiva, a PF que quer holofotes nipônicos também condenados, o MPF que só tem uma mira.
Nesse conjunto da obra, a contabilidade criativa - pedaladas fiscais – nunca mais será usada como desculpa para o crime de responsabilidade. Todos os ex-presidentes da Nova República fizeram isso e 100% dos governadores fazem, incluindo os do PSDB.
Circula a versão de que a homenagem às famílias e ao deus filisteu foi a senha para o pagamento do cachê. O que faz muito sentido se pensarmos que, se cair a obrigação orçamentária de investimento em saúde e educação, então, o caixa será aliviado do custo social e pronto para a próxima campanha presidencial.
Ou seja, se a pedalada se refere ao custeio social, sem investimentos e obrigações sociais, não haveria mais a necessidade de remanejamento dos recursos públicos. O golo neoliberal é ou não esperto?
No caso de Aécio, a vaidade virou vingança; e contra ele, porque o candidato do PIB e da Chevron é o Serra: a ordem é privatizar a Petrobrás. O contra-cheque do golpe, especialmente contra a CLT, veio com a aprovação na Câmara Federal da terceirização para todos o serviços públicos: para atividades-fim e meio. Hoje, e sempre, cânticos alucinógenos animam o regabofe neoliberal.
Eduardo Cunha – presidente em exercício do impeachment, e seu exército moldado em Napoelão e Luís Bonaparte –, não é julgado pelo STF, onde é réu confesso. Mas o afastamento de Dilma, para municiar a misoginia neopentecostal - de Malafaia, Feliciano, Bolsonaro -, corre a passos largos.
Assim, o golpe é ideológico e ardiloso, ao confundir governo (desgoverno, impopularidade) com necessária preservação da Razão de Estado. Ou seja, a razão ou justificativa de se preservar o Poder Político é a desculpa para tomar o poder.
Também é um golpe sorrateiro, de fino cálculo do mais perverso maquiavelismo surreal; pois, cria-se o blecaute econômico, com dinheiros desviados para infernos fiscais ("sonegação não é crime"), e o caos social é previsível e inevitável. Portanto, não deixa de ser um golpe de rentistas, sonegadores e agiotas de toda espécie ou estirpe.
Em suma, é um golpe de mentirosos engenheiros do Mal. Agravaram tanto a crise social, com o capital sonegado que vira renda, que o caos, o medo generalizado com a sobrevivência, viram súplicas para a chegada do retentor; mesmo que tenha punhos de ferro e criminalize o próprio povo ora descontente.
Os futuros governantes, no pós-golpe, invocam o direito natural (vida, propriedade, trabalho) para naturalizar (regularizar, normatizar, positivar) os meios político-jurídicos mais agressivos.
A exceção, que o povo desconhece – porque o ensino de história é sucateado, como toda educação pública –, é parte da receita diária do telejornal: a única fonte de informação (sic). Desinformado, não sabe que já virou suco: povo-lumpen.
O povo-lumpen – refém da malha fina do Estado de Exceção fascista – concorda em ceder a liberdade, e sem saber que a liberdade (eleições antecipadas, por exemplo) é igualmente um direito natural.
Este povo-lumpen acaba acreditando, então, que é melhor manter o emprego (incerto hoje e amanhã) do que a liberdade de livre-escolha: nem se lembra mais em quem votou em 2014. Como na Nicarágua – na derrota eleitoral dos sandinistas – papagueia que quer golpe: golpe já! Golpe imediato! Golpe para matar a esquerda.
Com o povo-lumpen engessado na ignorância política – como se houvesse um “pensamento único” a seguir: o golpe –, o momento se define como golpe antijurídico, porque faz o povo-lumpen crer, indefeso ao fascismo, que é fácil abdicar dos direitos humanos fundamentais.
Aos insubmissos, ameaçam os golpistas, haverá o Estado Penal e a criminalização do Político: leia-se Lei Antiterror. Certamente, poucos saberão diferenciar esta manobra, chicana jurídica, com a necessária judicialização da política.
Aliás, diante do jeitinho brasileiro, da cordialidade à custa dos outros, dessa cultura da torpeza, a judicialização da política é tarefa para outros 500 anos! (Se tiver educação de qualidade e libertária). Todavia, não se enganem, há outros projetos para criminalizar quem fala que o golpe é golpe.
É ainda um golpe populista e simplificador, uma vez que se apoia no analfabeto político (classe média escolarizada, mas sem educação política), e confunde propositalmente moral, ética e direito.
A moral religiosa, irreal, caminha para a colonização do Poder Político: a praça pública, a Ágora será ocupada apenas com as camisetas da CBF. Assim, não se vê que a Moral de um gangster, típica da N'drangueta (pior máfia italiana, aliada da CIA), dirige as entranhas burocráticas da tomada de poder.
No legislativo, mantido pelo deus dos filisteus, o motivo do golpe é o crime de responsabilidade (OAB idem); para o povo - sobretudo sob o condão da mesma Rede Globo de 1964 -, é o desemprego e a impopularidade da Dilma. É um golpe midiático; com base no antidireito, é de uma estonteante irracionalidade civilizatória.
Temos, enfim, um golpe entreguista, antinacional, fascista (anulação dos diretos fundamentais), fundamentalista (fim do Estado Laico), racista, machista, misógino, elitista, inconstitucional (apoiado na tortura judicial), antipopular, contra a democracia (rever a CF/88 de alto a baixo) e hipócrita: réus e corruptos contumazes são os guias de outros tantos moralistas a serviço do golpe.
Nesta quadratura da política fascitizada, sempre é bom lembrar Nelson Rodrigues, quando dizia que “os canalhas também envelhecem”. Pois bem, nosso golpe atual, de atual não tem nada, é o mais do mesmo, nasceu envelhecido, amarelado como o nacionalismo de Macunaíma, espumante como a ira do mais decrépito fascista.
Os mais ingênuos gladiadores, os guerreiros da Roma antiga lançados aos leões, teriam dificuldades (vergonha na cara) para falar aqui, como bradavam por lá: “Força e Honra!”. Que desonra a nossa: 7 x 1. “Lento, gradual e seguro”, sempre há um golpe.
Nem sempre é fácil entender todos os recados, significados, condicionantes e resultados do movimento golpista. Porque, basicamente, mesmo juntando os cacos, não vemos muitos desses elos da política perversa.
Por vezes, parece um só golpe; por outras, soa como se fossem golpes incontáveis, infinitos. Por tudo isso, e por outras que esqueci, dá para dizer que temos o golpe mais sofisticado e nojento do Ocidente.
Por via das dúvidas, façamos uma ampla resistência democrática, enfrentemos a degeneração da luta de classes nacional na forma da barbárie, desconstruamos o raciocínio e os argumentos do(s) golpe(s).
Oxalá: salve suas forças!!
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de