Sábado, 22 de agosto de 2015 - 06h40
Algumas razões para você também não subscrever o abaixo-assinado promovido pelo Ministério Público Federal, buscando encaminhar projeto de iniciativa popular que tipifique novas condutas delituosas e agrave as penas: encarceramento.
Em primeiro lugar, porque segue a tutela do Estado Penal – aquela visão de mundo pública (porque decorre do Poder Público) em que o Direito Penal é superfaturado e, em decorrência, aumenta exponencialmente o sistema punitivo e prisional. Às vezes chega haver um fetiche por penas, prisões, restrições de liberdade. Às vezes sugere prognóstico de apreço pelo patológico, em que a punição exemplar (“olho por olho”) demarca traços psíquicos mais profundos.
É evidente que o sadismo é o eixo psicológico do Estado Penal e, por isso, deveríamos reler Da Colônia Penal, de Franz Kafka. Sadismo que se completa com a lucratividade de todo o sistema. O pensador alemão Karl Marx já anunciava em meados do século XIX que o crime social emprega os juízes e alimenta a venda de códigos e de doutrinas criminalistas. O que diria da privatização dos presídios (e que vem por aí)?
Pois bem, quanto ao projeto em si, cabe salientar pontualmente 10 deslizes próprios da Lei de Exceção – notadamente quando resguarda para si meios adicionais de poder:
1. Maior transparência “para” Judiciário e Ministério Público. Nada diz da transparência “do” Judiciário e do agente acusador. E este seria o caso explícito da denominada “investigação seletiva”.
2. Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos. Além da fixação em criar penas mais cruéis, segue-se outra vez a seletividade que cria exceções. É óbvio que o agente público é corrompido pelo capital privado. Todavia, nada se fala sobre a prisão de capitalistas, bem como não avançam as investigações do Banco HSBC e da Operação Zelotes (exatamente porque mexem com o capital financeiro e com a grande mídia brasileira: Rede Globo).
3. Crime hediondo para corrupção de altos valores e aumento de pena. Não bastasse o fato de que os crimes hediondos são leis de exceção (são um caso à parte, extemporâneo ao próprio espírito da CF/88), não há uma linha acerca da recuperação do dinheiro desviado e de medidas civis e administrativas que trariam muito mais resultado positivo para a salus pública.
4. Eficácia dos recursos no processo penal. Aqui, então, há um show para quem gosta de excepcionalidades jurídicas, pois requer-se o trânsito em julgado quando for “caracterizado abusivo o direito de recorrer”. Nesta brilhante lição do involutivo processo civilizatório, revogaremos o direito de ampla defesa.
5. Celeridade nas ações cíveis de improbidade administrativa. Visa estimular a “delação premiada” – agora como regra e principal mecanismo de controle social. Ainda cria turmas, varas e câmaras e, é claro, mais empregos e gastos públicos.
6. Reforma do sistema de prescrição penal. Em outra modalidade de exceção, praticamente, abole o mecanismo da prescrição. Hoje, é uma defesa contra a morosidade ou a inércia do próprio Judiciário.
7. Ajustes nas nulidades penais. É possível que aqui esteja a cereja do bolo, uma vez que não haverá nulidades nos “casos necessários”. Ótimo: quem determinará o que é necessário? Será o agente acusador e o Judiciário, ambos lotados no lodo de ilegitimidade em que se afunda o imoral Estado de Necessidade Política?
8. Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2. Mais e mais tipos penais e crimes políticos. Porém, quem é mesmo que financia as campanhas eleitorais e move a pauta do Legislativo? Serão os grupos de pressão? Desses nada se fala.
9. Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado. Não basta reter o passaporte, é preciso prender indefinidamente – ou com soltura rápida, se assim entender o juiz. Para um Estado de Exceção, um Judiciário a contento.
10. Recuperação do lucro derivado do crime. Apoio em primeiro lugar que se faça uma ampla investigação sobre a origem dos recursos enviados para o exterior. Mas isso é um mito, fantasia, ideal pequeno burguês de quem se preocupa com a saúde da República.
Razões finais: Do que foi exposto pelo MPF não há uma linha quanto às ações práticas do referido órgão no tocante às “investigações seletivas” da corrupção pública. Por que um partido político sim, e outro não?
Há mais empuxo para alargar medidas investigativas sem controle democrático; afinal, quais provas seriam lícitas e quais, ilícitas? Quem define o que é democrático, republicano, necessário, saudável para a crise contundente na cultura política nacional?
Onde está a criminalização do Poder Econômico que agrava a crise política e solapa a democracia? Esqueceram de aprisionar os donos da imprensa que selecionam, criminosamente, os casos a serem investigados?
Para esses casos há legitimidade na utilização do que Walter Benjamin designou como “um verdadeiro estado de exceção”, ampliando-se o uso de poderes populares de exceção (greve geral, desobediência civil, por exemplo) contra o poder de exceção hegemonizado pela opressão social. “Com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo”.
O povo certamente não reconhece os perigos constantes nas entrelinhas desse projeto abusivo de poder. Os poderes de exceção, cesaristas, já estabelecidos certamente não serão tipificados. O que só reforça ainda mais a percepção de que essa iniciativa prevê apenas outra Lei de Exceção.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de