Sexta-feira, 31 de julho de 2015 - 20h29
Alguém andou de trem? Hoje, sem motivo aparente, lembrei-me das viagens que fazia quando jovenzinho. Sonhava acordado pensando na vida dos outros passageiros. Eram viagens bucólicas: até encontrar seus olhos, o sol passava entre as folhas. Ainda sinto o cheiro dos freios queimando o aço com aço. Imaginava que uma parte do Brasil estava ali, pessoas simples, comuns, sem pressa de consumir sua cultura e a si mesmas. De algumas coisas sinto nostalgia, e uma delas é o fato de que no trem não se consumia nada, além do sanduíche de mortadela e do guaraná Antarctica. O tempo era vago, ideal para quem gosta da contemplação, porque sobrava tempo para pensar. Havia uma mística, o caminho não era objetivado, sobrava ziguezague; de trás, quando a formação se contorcia nas curvas, podia-se ver a cabine do maquinista. Você se sentia preso a uma tradição. Eram horas de pura ficção, ainda que me visse como desbravador. Mas, gostava mesmo era de olhar a paisagem. Às vezes, ao longe, via-se um animal por entre a vegetação que subia espessa em volta dos trilhos. Pois, havia uma capinação quase natural quando passavam as locomotivas. Curiosamente, as pessoas pouco se olhavam, porque se prendiam na natureza. Tanto quanto antes, sinto este sentimento de pureza. As pessoas eram mais puras. A vida era mais "normal". Não havia tanta pressa para vencer ou consumir. Acho que é isso que sinto falta: não sentir pressa e nem o temor de não-vencer. Naquelas viagens todos eram vencedores - e olhe que muitas vezes ia de trem para a capital, onde ficaria internado em hospitais públicos. Às vezes, por meses. Tanto havia verdade nas relações, mesmo na relação entre homem-máquina (eu e o trem), que só me lembro das boas sensações. Outra coisa maravilhosa é que não havia chatice, como as aeromoças que não param de recitar um discurso enfadonho de segurança: “Se o avião cair, use seu acento para flutuar”. Claro, só se for para flutuar no céu, porque do chão você não escapa. E sem contar que as poltronas do trem eram bem melhores do que as que se tem nos aviões em voos nacionais. E tem gente que quer ir até marte – em viagem só de ida. Outra sensação que deploro: viagem só de ida. Isso não existe, nem mesmo para desterrados. Aliás, serão, literalmente, os primeiros desterrados: expulsos da Terra. Expulsos do planeta e não apenas de sua terra natal. Viagem só de ida, rua de mão única, pensamento único. Tudo isso remete ao Princípio do Terceiro Excluído, quer dizer, onde no fundo só vale o seu ponto de vista, sem contraditório. Por incrível que pareça, o mundo do trem tinha mais vozes. Mesmo com velocidades bem reduzidas (ou até por isso), os sons do Outro eram audíveis. Antes que falem, não vivo sem a velocidade da Internet – e esse artigo é prova disso –, mas queria poder sonhar com simplicidade como fazia nos tempos sem névoa política e consumo extremado do próprio tempo (e das pessoas). Naqueles tempos, também escreviam-se artigos de um só parágrafo. Hoje se diz que o leitor juvenil não tem paciência. Pois bem, escrevi pensando nos mais velhos, ou naqueles que tem memórias. Como será a memória e a saudade de quem vai se abrigar em Marte? Não quero nem pensar, e por isso não trocaria uma viagem no pior dos trens pela melhor das idas (sem vindas) ao planeta de marcianos. Se bem que, de marciano a Terra anda cheia. Enfim, escrevi para aqueles que já andaram ou que gostariam de andar de trem.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de