Segunda-feira, 2 de novembro de 2015 - 05h04
Se pensarmos que bem poucos se perguntam do que se trata, parece ser uma pergunta difícil: o que é Terrorismo de Estado? Que seja – até porque não há educação política substantiva. Ainda assim é fácil responder.
O Estado brasileiro já foi denunciado à Corte Interamericana por grave violação de direitos humanos - no caso Urso Branco/RO: um mini Carandiru[1] - e agora visita a OEA (Organização dos Estados Americanos), por assassinatos de jornalistas. Se observado o Princípio da Co-culpabilidade, que apura a responsabilidade do Poder Público pelo descalabro social, estaríamos lá todos os dias[2].
Pratica terrorismo o país que repassa bilhões de reais aos bancos e que vê, placidamente, milhares/milhões de jovens sem emprego: três milhões de famílias voltaram às classes D/E[3]. Trata-se do mesmo poder que finge não haver trabalho escravo ou grupos de extermínio incrustados nas instituições de segurança pública.
É exatamente o mesmo Poder Político que assiste 60 mil brasileiros(as) serem devorados anualmente pela violência social e que nega, em proselitismo, a guerra civil e a pena de morte espalhada pelas ruas.
Sem contar que é incapaz – por falta de vontade – de combater os estupros contados por minutos; que nada vê dentro das masmorras do sistema penitenciário; que observa inerte o fechamento de escolas e o crescimento do analfabetismo – seja absoluto ou funcional.
Ao invés de pagar sua dívida moral com as mulheres, os jovens, negros, idosos, deficientes, homossexuais e pobres – ou miseráveis atingidos pelo crack –, esse mesmo Poder Público agora aprovou o PLC 101/15: Tratado Legal Contra o Terrorismo. Só se esqueceram, oportunamente, de incluir o Estado como autor de terrorismo institucional.
Há na ação política, notadamente dos movimentos populares, um aspecto de ruptura com o caráter classista e de controle existente no Estado de Direito [...] Na exclusão de crime de terrorismo encontra-se a estrutura de um pequeno, mas altamente perigoso, estado de exceção. Como vimos, diante do que não foi incluído na lei, temos a decisão transferida para o soberano [...] Esta possibilidade de “exclusão” nos remete diretamente à crítica contemporânea do acionamento constante de pequenos estados de exceção dentro da ordem democrática (grifo nosso)[4].
O artigo 2º, § 2º do PLC 101/15 trata da excludente de punibilidade, isto é, atos/fatos que não seriam considerados terroristas.
O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei[5].
Por seu turno, deve-se observar que o conjunto da lei trata muito mais do direito patrimonial do que se presta a assegurar medidas protetivas aos direitos fundamentais; especialmente, diante das inúmeras possibilidades de violação que a “exceção” ao crime de terrorismo comporta. Quem definirá o que “não” é terrorismo: juiz, delegado ou promotor? O que deverá nortear sua subjetividade decisional? É evidente que foi dado o passo decisivo para a criminalização dos movimentos sociais, depois que o Estado de Direito foi inoculado pela onda persecutória às relações sociais (leis hediondas).
Talvez o maior absurdo dessa exceção ora criada – como metamorfose monstruosa do Estado de Direito (anti)democrático – seja a justificativa ofertada pelo Poder Executivo: o país poderia ter novo rebaixamento internacional caso não aprovasse o pacote autocrático[6]. Como é que a presidenta, acusada de terrorismo pela ditadura militar, formulou tal projeto?
O assim chamado “cidadão de bem” é o que não perturba a ordem “natural” das coisas, o status quo; todavia, caso requeira uma parcela de poder surrupiada da soberania popular ou questione a estrutura em que se mantém o poder e a propriedade, será considerado terrorista? Qual artigo da referida lei garante que não será? Quais são as diferenças conceituais e práticas (judiciais) entre terrorismo e “ativismo” político?
É mais do que provável que o leitor tenha reparado, porém, é obvio (meio ululante) que o pacote (i)legal antiterror não tipificou o Terrorismo do Estado nacional.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília
[1]MARTINEZ, Vinício Carrilho. O caso “Urso Branco”: o Estado Penal no Brasil. IN RODRIGUEZ, J. R. (org.). Pensar o Brasil: problemas nacionais à luz do direito. Editora Saraiva : São Paulo, 2012.
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