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Vinício Carrilho

Um país assistemático - Por Vinício Martinez


          

Há tempos que se tem esta percepção – ou certeza – sobre o país: somos assistemáticos. O que implica em dizer que não cumprimos ou, pior, recusamos a incidência dos principais sistemas organizados e colecionados, como aceitáveis e necessários, pelo Ocidente.Um país assistemático - Por Vinício Martinez - Gente de Opinião

De modo específico, pode-se dizer da ausência do Estado de Direito, da ineficácia da Democracia – ainda que consideremos apenas a representação política – a incredulidade na República, a falta de credibilidade nos poderes constituídos: e começaria dizendo da inexistência da divisão de poderes.

Aliás, cometendo algumas faltas teóricas, mas sem cartão vermelho, admito escrever que nos dirige um tipo estranho de forma-Estado: o Cesarismo de Estado. Uma “governabilidade caótica” que mitiga, na prática, a divisão de poderes – e resultante no desfazimento da lógica jurídica ocidental.

Como exemplo da assistematicidade que nos assombra – talvez desde sempre – diria que o impeachment de 2016 (Dilma) só será concluído em 2017, na deposição do segundo presidente entronizado (Temer).

Se o primeiro caso não contou com apoio congressual para barrar a ação depositória do poder, o segundo se afunda na bacia das almas da ilegitimidade. Fatos oriundos de um fluxo contínuo, de que aqui não há sistema vigente que dê conta.

De 02.12.2015 – a admissibilidade do processo de impeachment – ao dia de hoje (21.05.2017) – vigora um lento e poderoso processo de desmanche dos direitos fundamentais constitucionais, bem como este fluxo histórico relata a falta de sistemas peritos auto sustentáveis nas instâncias políticas e judiciais, empurrando-se com a barriga, para fora, as exigências decorrentes da pouca legitimidade construída com a Constituição de 1988.

  Outro exemplo da ausência de sistemas peritos confiáveis, em que o povo pudesse creditar alguma “sensação de segurança”, está na crise do sistema prisional. Lembremos, para tomar de um caso apenas, da tomada da Bastilha no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), Manaus/Amazonas.

O saldo foi o controle total do sistema prisional, com 56 mortes causadas por degola coletiva. Após os confrontos entre os grupos rivais serem televisionados em tempo real, seguiram-se jogos bem humorados de futebol: com as cabeças humanas.

Entretanto, o pior estava na guerra civil que se seguiu nas ruas em todo o país, com facções criminosas (CV versus PCC) e afiliadas remodelando as teorias clássicas acerca da “fixação do poder com tomada de território”.

Veja-se que, na vigência da assimetria – falta de sistemas peritos equidistantes e equivalentes –, os dizeres condicionantes da soberania do Poder Político foram conspurcados à retórica dos analistas da guerra civil promovida pelos esquadrões do tráfico organizado. Isto é, o que deveria valer para o Estado, foi aprisionado pelas facções movedoras de uma parte da guerra civil brasileira: 65 mil homicídios por ano.

Do mesmo modo, a retórica de que as reformas induzidas pelo governo federal de Michel Temer deveriam salvar a economia, o presidencialismo de coalisão, as contas públicas e a saúde do Estado, no frigir dos ovos pobres da corrupção, apenas aponta para o beneplácito do Poder Econômico.

A vechia senhora é a galinha dos ovos de ouro do que há de pior. Governa-nos a cleptocracia (um governo de corruptos e corruptores), atuante financeira da pior privatização da história do Poder Público nacional.

Ainda que as contas da previdência pública não fechem – para um caso somente –, jamais se admitiu abrir a análise do sistema previdenciário. Por que não dizer em alto e bom som que, somadas todas as formas de contribuição e de custeio da Previdência, os números são azuis?

De fato, por ação ou inação (o Judiciário segue seletivo e privilegia a Rede Globo), a única conta que vai se fechando é aquela aberta com a Ditadura Inconstitucional, de 2016. O impeachment foi (2016) – ou segue sendo (2017) – uma simples conta de tomada de poder.

Sem sistemas confiáveis – na verdade, nem foram constituídos – as contas do Poder Público ignoram a necessária auditoria. E é preciso firmar na consciência política do “homem médio em sua vida comum” que, autonomia sem auditoria é autocracia.

Esta Caixa de Pandora, submersa em surpresas deveras desagradáveis, não é conduzida por nenhum Prometeu. Nem o Senhor do Conhecimento nos esclarece dos fatos com fidedignidade, nem põe a salvo seu povo: na qualidade de Patrono do Trabalho (honesto).

Ou seja, na assistematicidade que nos governa – mais como caos relutante e sem “segunda ordem” –, não estão a salvo a República e muito menos a soberania popular. Se é certo que do caos vem a ordem, não é certa a ordem de que agora “vamos por o país nos trilhos”.

Sem a ocorrência de sistemas peritos legitimados, restamos ingovernáveis pelo desconhecimento da ordem pública (a república segue pequena); além de seguirmos uma racionalidade submersa ao crime (colarinho branco, tráfico organizado) e ao capital deslegitimador dos direitos fundamentais do povo.

Para usar de uma metáfora da falta de sistemas civilizatórios que nos aplicamos, lembremos, por fim, que nossa “ordem e progresso” é Positivista, ao tempo em que nunca foi Iluminista.

Afinal, não “libertamos” a violência política e institucional do racismo, do machismo e do elitismo que sempre nos governaram na guia dos coronéis. As polícias seguem os mandamentos dos senhores de engenho e dos capitães do mato: sem Ilustração do que é responsabilidade ética, matamos milhares de jovens negros e pobres.

Aplica-se, neste soturno caso, a lei de Bonaparte: matar para conquistar. Mas, como falta legitimidade, dado que não há sistema operacional com lógica (inteligência complexa), aplicamos um tipo bárbaro e rastaquera de Bonaparitsmo Policial.

Na conta da República que não veio, Libertas quae sera tamen segue como um dito antipopular. Porque a liberdade que nos governa é comprada, vale o quanto somos capazes de depositar em contas bancárias no exterior.

Ironicamente, o que é passado para muitos do Ocidente desenvolvido, para nós seria o futuro da convivialidade republicana: “vigiar e punir”. É passado lá fora, porque glosam a Liberdade cotidiana. Mas, para nós, diante de tantos ataques e achaques à moral pública, sem vigilância e punição, seguimos o caminho da eterna impunidade.

Enfim, dispersos pela ilegalidade (ilegitimidade) e impunidade – aí sim sistêmicas –, desconhecemos a lógica primal do Ocidente: “vigiai e orai”.

Oxalá um dia possamos fazer uma oração libertária bem empostada, talvez como a Marselhesa ou o Hino da Internacional Comunista. De todo modo, só as crianças bem nascidas poderão ouvir e entender. Infelizmente.

Porque, para que todos ou muitos entendam, há de transcorrem alguns anos-luz de educação pública de qualidade, crítica e transformadora. Porém, até lá já nos entupiram de projetos de Educação sem Partido...

Infelizmente, de novo, sem tomar o partido correto (racional e libertário), seguiremos o Partido dos Crápulas.

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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